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Comunicação simplificada de fato: uma alternativa ao registro não criminal de preservação de direitos

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03/09/2019 às 18:20
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5. Casos “não criminais” que poderiam ser objeto da Comunicação Simplificada de Fato.

Doravante analisaremos diversos casos práticos, que independente da adoção de inovações institucionais, poderão servir de base para que os policiais civis, diuturnamente, melhor orientem os cidadãos que os procuram.

5.1. Evasão voluntária de estabelecimento de saúde

De acordo com o item 2.1.7 da Portaria COFEN nº 312/02, considera-se evasão a saída do paciente do hospital sem autorização médica e sem comunicação da saída ao setor onde estava internado. Esse tipo de evento, por não caracterizar qualquer infração penal, não deve, a rigor, ser objeto de boletim de ocorrência, bastando menção do fato, pelo próprio enfermeiro, no livro de ocorrências do estabelecimento de saúde.

Independente do registro, a responsabilidade do hospital poderá ser discutida na área cível, já que o mesmo, a princípio, possui obrigação “in vigilando” de zelar pela integridade dos pacientes, cuja capacidade ou não de discernimento será objeto de análise numa possível demanda judicial. As mesmas regras se aplicam aos casos de recusa ao tratamento sugerido pela equipe médica.

Em tempo, dependendo da qualidade do evadido (menor, portador de necessidades especiais etc), cremos ser prudente ao Delegado de Polícia, nesses casos, avaliar a viabilidade de registro de boletim, não sem antes, analisar se delito pretérito, à título de concausa, ocorreu.

5.2. Recusa de atendimento em consulta médica

Recusa de atendimento médico é uma coisa, e omissão de socorro; outra. O crime de omissão de socorro só se caracteriza diante da ação daquele que deixa de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou, nesses casos, não pede o socorro da autoridade pública. É o que dispõe a redação do art. 135 do Código Penal.

Caso exista a recusa de atendimento em alguma situação que não se enquadre nesse rol taxativo, inexistirá a referida figura delitiva, devendo a parte interessada interpor reclamação junto à ouvidoria do hospital e a Agência Nacional de Saúde Suplementar[7], sem prejuízo de intentar, caso queira, uma ação cível em desfavor do seu convênio, recomendando-se, ainda, ciência aos órgãos de defesa do consumidor responsáveis.

Caso entenda a parte que demora poderá lhe causar prejuízos, poderá ela, judicialmente, requerer uma liminar, a título de tutela antecipada, a fim de compelir o estabelecimento de saúde a realizar o procedimento médico desejado.

A Polícia, destarte, só poderá intervir ativamente em caso de crime, nos moldes do art. 135 do Código Penal, acima descrito.

5.3. Ausência de médicos em hospitais

Nesses casos, bastaria a comunicação formal a administração do hospital com o registro em livro próprio, a fim de que seja subsidiada uma representação ao Conselho de Medicina e, em se tratando de nosocômio público, à respectiva Secretaria de Saúde. O mantenedor do serviço tem responsabilidade no que tange a prestação de serviço e, em razão disso, não se trata de problema cuja resolução impende a Polícia.

5.4. Perda/extravio de cédula de identidade

Por força da Portaria DGP-19/03, no atendimento de ocorrência sobre extravio de documento, o registro do fato em boletim de ocorrência será substituído por declaração subscrita pelo interessado ou seu responsável legal, conforme modelo constante no anexo do aludido ato administrativo. Quando o documento extraviado tratar-se única e exclusivamente de carteira de identidade expedida pelo IIRGD/SP, a declaração será firmada a critério do interessado ou seu responsável legal, nas Delegacias de Polícia, nos Postos do Poupatempo ou nos setores de identificação do IIRGD/SP, que se encarregarão de comunicar o extravio a sede do referido Instituto, sem prejuízo de sequencial remessa de cópia da declaração.

Se forem vários os documentos, inclusive carteira de identidade expedida pelo IIRDG/SP, a declaração será firmada pelo interessado ou seu responsável legal somente nas Delegacias de Polícia, que se encarregarão de comunicar o extravio da carteira de identidade ao referido Instituto, sem prejuízo de sequencial remessa ou cópia da declaração (Portaria DGP-19/03, art. 2º, parágrafos 1º e 2º). Em suma, em todos os casos apontados (extravio/perda), não demandam registro em boletim de ocorrência.

5.5. Perda/extravio de documentos ou objetos em geral

Não é obrigatório o registro de boletim de ocorrência nos casos de perda/extravio de documentos ou objetos em geral, bastando que a parte faça, sob as penas da lei, uma informação de próprio punho, entregando-a a quem possa interessar ou, dependendo do caso, uma declaração a praça, a ser publicada em jornal de grande circulação.

5.6. Sustação de cheques

Conforme o art. 36 da Lei Federal nº 7.357/85, mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito, não cabendo sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.

Segundo a Circular nº 2.655/95, do Banco Central, a contraordem (revogação) e a oposição (sustação) ao pagamento, ocasionada por furto ou roubo (crimes), fica condicionada à apresentação, pelo emitente ou portador legitimado, no caso de oposição (ou sustação), da respectiva ocorrência policial.

Assim, tanto o emitente como o portador poderão solicitar a sustação, bastando o envio de uma carta ao banco, com as razões do pedido. Se, fora das hipóteses de furto ou roubo, for exigida a apresentação de boletim de ocorrência, deverá o interessado protocolar a carta/pedido no estabelecimento bancário e, após isso, comunicar o fato ao órgão de defesa do consumidor local e ao Banco Central.

5.7. Cheques pós-datados

O cheque, por definição legal, representa uma ordem de pagamento à vista, devendo ele, em razão disso, ser pago no momento de sua apresentação ao banco sacado (art. 32, Lei Federal nº 7.357/85).

O denominado cheque pós-datado, por aludir a uma operação bancária sem amparo legal, desnatura a legítima figura da cártula, não possuindo o seu emitente, em razão disso, qualquer garantia que obrigue a parte adversa a depositá-lo na data aprazada.

Assim, por ser emitido como promessa de pagamento, o “cheque pós-datado” acaba se desvirtuando da sua função original, sendo que a falta de fundos verificada quando da sua compensação antecipada, embora não configure o crime previsto no art. 171, parágrafo 2º, VI do Código Penal (fraude no pagamento por meio de cheque), pode dar azo a uma ação judicial por danos morais, já que aquele que recebe a cártula, assume, segundo vem entendendo a jurisprudência, uma obrigação de “não fazer”.

5.8. Cheques sem fundos

A emissão de um cheque sem fundos, dado como ordem de pagamento “à vista” (grifo nosso), pode configurar o crime previsto no art. 171, parágrafo 2º, VI do Código Penal, passível de registro e apuração pela polícia judiciária.

Sem prejuízo disso, o cheque poderá ser executado, caso não esteja prescrito (conforme o art. 33 da Lei Federal nº 7.357/85, o cheque deve ser apresentado para pagamento a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago ou, ainda, em 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do país ou no exterior).

Na área cível, o prejudicado pode propor várias ações judiciais em desfavor do emitente, dente elas, a de execução, a de cobrança da dívida ou a monitória, para transformar o cheque num título executivo judicial.

5.9. Fraude civil ou negócios comerciais mal feitos

A prudência manda que o Delegado de Polícia verifique, de antemão, se o evento tem contornos de fraude penal, descrita no art. 171 do Código Penal, ou mero ilícito civil/negócio comercial mal feito. Estas últimas hipóteses, caracterizadas pela ausência de indução a erro mediante ardil ou fraude, não tipificam o crime de estelionato, devendo a parte interessada buscar a reparação de eventuais prejuízos junto à esfera cível, estranha a policial. Podemos citar como exemplos o inadimplemento de compromisso comercial, o não pagamento sob a alegação de que determinado serviço não tinha qualidade, encerramento de atividades comerciais sem dolo premeditado etc.

5.10. Invasão pacífica de terrenos

O art. 150 do Código Penal (violação de domicílio) não tem por finalidade a proteção possessória, mas sim, a tranquilidade doméstica. Já o art. 161, II, do mesmo Diploma (esbulho possessório), visa obstar o desapossamento (despojamento) violento ou o executado por mais de duas pessoas, e não a simples perturbação.

Assim, considerando-se que o conceito penal de esbulho é diverso e mais restrito que o civil, cabe ao prejudicado buscar em juízo, através de liminar, a manutenção/tutela da sua posse nos casos de turbação ou, ainda, a reintegração da mesma, na hipótese de esbulho (art. 926, do Código Civil). Se, por outro lado, tiver o possuidor o justo receio de que será perturbado ou esbulhado na sua posse, poderá ele intentar, também em juízo, uma ação de interdito proibitório, com a cominação de multa. Em se consumando a lesão, poderá ser expedida ordem de manutenção ou reintegração.

Cabe menção que a posse admite a autotutela, isto é, a autodefesa. O artigo 1.210, parágrafo 1º, do Código Civil aduz que “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. No caso do esbulho, o possuidor deverá usar a força de forma imediata, em ato sucessivo, ou, então, logo que lhe seja possível agir, tão logo tome conhecimento do ato lesivo, podendo, ainda, contar com a ajuda de terceiros. Em suma, admite-se a resistência contra a turbação e o deforço imediato contra o esbulho, sendo que a questão do “ano e dia” alude apenas ao rito da ação que, pelo interessado, poderá ser intentada.

5.11. Danos culposos

O crime de dano, definido no art. 163 do Código Penal, é de natureza dolosa. Assim, os danos de natureza culposa, verificados por negligência, imprudência ou imperícia de outrem, devem ser objeto de ação apropriada junto ao Poder Judiciário (ação de indenização), nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil.

O interessado poderá fazer prova testemunhal ou colecionar indicativos materiais, como fotos e filmagens, sem necessariamente ter que registrar um boletim de ocorrência.

5.12. Autolesão

A lei brasileira não pune a “autolesão”, exceto quando ela configurar, em tese, outro tipo penal, como aquele previsto no art. 171, parágrafo 2º, V, do Código Penal (fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro).

5.13. Constrangimento moral

A legislação difere o constrangimento ilegal do moral. Pela lei brasileira, só existe constrangimento (coação) ilegal, passível de intervenção policial, quando a ação ilícita for praticada com violência (violência física contra a pessoa), grave ameaça (promessa de causar mal futuro, injusto e grave) ou, ainda, redução de capacidade de resistência da vítima (administração não violenta de álcool, psicoativo ou outra substância de reduzir a resistência da pessoa), tudo isso, nos termos no art. 146 do Código Penal.

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Nos casos de constrangimento ocorrido sem o emprego de violência, grave ameaça ou redução de capacidade de resistência da vítima, o interessado pode estar diante de um constrangimento de natureza moral, cujo dano pode ser reparado através de uma ação de indenização, a ser deflagrada junto ao Poder Judiciário.

Assim, entende-se por dano moral aquele em que, fora das hipóteses criminosas, exista um atentado contra a integridade ou reputação de alguém, causando-lhe tristeza, padecimento íntimo, humilhação, vergonha, vexame ou repercussão negativa em suas atividades pessoais. A lei protege o cidadão desse tipo de constrangimento ao estabelecer que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem (ainda que moral), comete um ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo (artigos 186 e 927 do Código Civil). Para obter esse tipo de reparação, o interessado deve procurar assistência jurídica, a fim de pleitear, numa ação indenizatória junto ao Poder Judiciário, a devida reparação.

Por fim, ressalte-se que a lei brasileira não condiciona esse tipo de ação ao registro prévio de boletim de ocorrência, daí ser ele dispensável.

5.14. Oposição ao direito de visita a filho

O acordo em sentença que regulamenta o direito de visita é homologatório, não equivalendo a uma ordem judicial direta e específica, não configurando a sua inobservância, segundo entendemos, crime. A recusa, nesses casos, pode ser diretamente comunicada a Vara de Família que homologou o acordo, se possível, com a indicação de testemunhas, a fim de que, judicialmente, sejam adotadas as medidas cabíveis para o cumprimento, em condições a serem estipuladas pelo juiz, do acordo. A lei não condiciona essa comunicação ao registro de boletim de ocorrência.

A jurisprudência brasileira, já se posicionou da seguinte forma: “Não caracteriza desobediência o descumprimento de acordo homologado em separação judicial, referente ao exercício do direito de visita, pois tal homologação possui cunho genérico, que não equivale a uma ordem direta e específica de autoridade pública, como, por exemplo, um mandado de intimação para cumprimento do acordado” (HC - Processo nº 54854/1 - Relator: Juiz Luiz Ambra - Órgão Julgador: 5ª Câmara - Votação: VU – J. 24/11/2003). “A oposição ao direito de visita estipulado em separação judicial não significa desobediência a ordem legal, posto que na legislação civil se encontram os requisitos adequados para resguardar direitos quanto à visita de filho” (TACrimSP - HC 189.896-6 - 12ª Câmara - Rel. Juiz Emeric Leval - J. 05.03.1990). “A decisão que regulamenta o direito de visita é constitutiva e dela deve a parte ser intimada por mandado, e não pelo próprio interessado. A apresentação, por este, de cópia da sentença que lhe conferiu tal direito e a recusa do outro cônjuge em cumpri-la não caracterizam, portanto, sequer em tese, o delito de desobediência, por não se tratar de ordem legal” (TACrimSP - RHC 330.955 - 3ª C. - Rel. Juiz Ralpho Waldo - v.u. - J. 22.03.1983).

5.15. Afastamento da morada comum e abandono de lar

Sob o aspecto legal, o afastamento da morada comum encontra amparo no art. 1.562 do Código Civil. Quando um dos cônjuges tenciona deixar o lar (por impossibilidade de convivência ou desejando legitimar a saída), é de bom alvitre que providencie ele uma autorização judicial, através de um alvará de separação de corpos (medida cautelar). A importância deste documento é grande, visto que deixar o lar sem a concordância do outro cônjuge e/ou autorização judicial pode dar ensejo, em tese, a futura alegação de “abandono do lar” pelo outro consorte.

O pedido do alvará de separação deve ser feito ao Juiz de Direito, sem a necessidade de boletim de ocorrência. É de se registrar que o art. 1.573, IV, do Código Civil, diz que caracteriza a impossibilidade da comunhão de vida, a ocorrência de abandono voluntário do lar conjugal, durante, frise-se, apenas um ano contínuo. Inexiste, portanto, boletim de ocorrência alusivo a “afastamento da morada” ou “abandono de lar”, devendo o Delegado de Polícia, entretanto, sempre proceder a uma analise dos fatos, a fim de verificar a existência ou não de eventual crime de abandono material.

5.16. Pequenas causas e relações de consumo

O interessado deve recorrer ao juizado especial cível ou aos órgãos de proteção ao consumidor. O juizado especial cível pode ser usado por Pessoas físicas capazes, maiores de 18 anos e microempresas, nas causas de valor igual ou inferior a 40 salários mínimos. Para causas com valor superior a 40 salários, o consumidor poderá optar pelo atendimento do Juizado Especial Cível desde que renuncie ao valor excedente. Só é necessário contratar um advogado para as causas com valor superior a 20 salários mínimos.

O procedimento é, geralmente, iniciado por um funcionário do fórum, que registra a reclamação na hora. Quando houver advogado, este apresenta o pleito verbalmente ou por petição com procuração do reclamante. Os juizados não admitem processos contra a Fazenda Pública, Federal, Estadual ou Municipal e empresas públicas Federais.

A população pode ser valer dos juizados especiais cíveis e dos órgãos de defesa do consumidor para uma infinidade de casos, dentre os quais, compras de mercadorias com defeito; manutenção ineficaz de produtos defeituosos; demora para a conclusão de serviços contratados, com perdas e lucros cessantes; cobrança de dívidas junto a terceiros; pagamento por serviços mal feitos; acidentes de trânsito sem vítimas de lesões corporais; serviços contratados e não efetuados no prazo ou a contento; produtos encomendados não entregues; protesto de títulos por engano; telefone com problemas não resolvidos; recebimento de cheque pré-datado sem fundos; problemas com convênios médicos; problemas com multas de trânsito do antigo proprietário do veículo; danos morais; constrangimentos morais; inscrição indevida junto ao SPC/SERASA etc.

5.17. Demora no atendimento em estabelecimento bancário

Atualmente existem inúmeras legislações municipais que disciplinam o tempo de espera para atendimento nas agências bancárias. De acordo com os órgãos de defesa do consumidor, o meio para comprovar a espera é guardar os comprovantes de ingresso e saída do banco. As reclamações podem ser interpostas no Banco Central, nas agências de defesa do consumidor ou nas próprias prefeituras. Existe, ainda, a possibilidade de interpelar o banco judicialmente, através de uma ação de indenização por danos morais. Independente da providência escolhida, nenhuma delas demanda a necessidade de registro de boletim de ocorrência.

5.18. Acidente de trânsito sem vítimas

Em caso de acidente de transito sem vítimas não existe a necessidade de registro de boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia, haja vista a inexistência de crime a ser apurado, salvo se envolver pessoa inabilitada, embriagada ou que tenha fugido do local para escapar a responsabilidade civil ou penal.

As partes podem buscar uma composição amigável, trocando dados documentais e auferindo imagens digitais do acidente, para fins de acionamento de seguro. Mas caso os implicados desejem registrar o evento, ele atualmente é feito pela Delegacia Eletrônica, bastando que a parte possua os dados da outra.

5.19. Chegada extemporânea em prova de concurso público

Não raro, candidatos a determinado concurso público alegam ter chego ao local da prova no horário estipulado no edital, mas encontram os portões fechados. Nesse caso, basta que os inconformados providenciem prova de suas alegações (captura de imagem com horário, por exemplo) e impetrem recurso junto a comissão organizadora do certame, de nada adiantando um boletim de ocorrência, afinal a Polícia não terá como interferir, não de maneira imediata, no andamento do concurso.

5.20. Obstáculos/acidentes urbanos

Por vezes acontece que o cidadão constata determinado obstáculo ou acidente urbano que considera inapropriado ou “perigoso” para a circulação. Nesse caso, basta uma reclamação formal a Prefeitura ou a Ministério Público, munida de fotos e demais elementos que façam prova do alegado. Em sendo verificada a impropriedade, poderá ser elaborado um termo de ajustamento precedido por inquérito civil, o qual porá fim ao problema.


6. Considerações finais

De todo o exposto, fica claro que o boletim de ocorrência de “preservação de direitos” não tem o condão de preservar o requerente tal qual ele tenciona.

Como não é de obrigatória emissão, por vezes acaba protagonizando discussões e debates acalorados nos plantões, gerando desgastes na Polícia e na sociedade, o que não é vantajoso para ninguém.

Diante da tradição e, considerando-se a necessidade de agregar valores institucionais e ainda assim atender o cidadão e otimizar os métodos que proporcionem com que ele tenha acesso rápido e facilitado aos direitos inerentes a sua cidadania, a “comunicação simplificada de fato” poderia cumprir esse papel sem esbarrar na rotina de atendimento das ocorrências convencionais.

Nos parece que proibir sumariamente os registros não criminais só serviria de mote para aumentar ainda mais as críticas que não raro são lançadas contra a Polícia, como se ela estivesse “virando as costas” para aqueles que buscam o auxílio dela. Como esses registros sempre foram feitos, por orientação superior inclusive (Recomendação DGP-7/03), nada impede que esses “fatos ou direitos declarados, tidos como úteis na defesa de direitos relevantes para o cidadão”, continuem a ser registrados, mas não em boletins de ocorrência, mas sim pela própria parte, de forma rápida e simples, num formulário eletrônico de autoatendimento.

Aliás, esse tipo de acesso ao serviço público poderia ser o primeiro passo para a alteração do atual sistema de recepção da notícia crime comum, onde todo fato em tese delituoso unilateralmente declarado, e que não demandasse providências imediatas de polícia judiciária, seria registrado sob o título “comunicação de fato de interesse policial” (contra a pessoa, patrimônio, costumes etc) que seria pós-moderado pela autoridade, que aí sim decidiria sobre a correta tipificação jurídica, a qual constaria da estatística oficial.

A ideia, destarte, é continuar a manter o serviço, de forma mais acessível e simples e, com isso, focar os recursos humanos da Polícia na função investigativa, que é a sua atividade-fim. O autoatendimento virtual é uma tendência mundial e, facilitar a inclusão do cidadão, é dever do Poder Público.


Notas

[1] Morte natural, desaparecimentos, localizações e apreensões, transgressões disciplinares etc.

[2] TJES - Apelação Cível: AC 48070066484 ES 0480700664841.

[3] Registro Digital de Ocorrência.

[4] Lei Federal n° 13.460, de 26 de junho de 2017, art. 5º, III: “O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes: (...) III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo”.

[5] Rede interna.

[6] Comunicação de Fato da Polícia norte-americana.

[7] http://www.ans.gov.br/

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. Comunicação simplificada de fato: uma alternativa ao registro não criminal de preservação de direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5907, 3 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63747. Acesso em: 16 abr. 2024.

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