1. INTRODUÇÃO
O conteúdo da nova lei trabalhista, a Lei nº 13. 467/2017, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, trouxe uma nova realidade para as relações de trabalho no Brasil, cujo impacto negativo suportará o trabalhador diante do fortalecimento da capacidade de ajuste do empregador no contrato de trabalho. Como produto de um movimento neoliberal, a consolidação de um modelo de relações de trabalho expôs fragilidade pela qual o sindicalismo brasileiro passa, apesar de alguns dados, como se verá adiante, indicarem certo vigor que pode dar impressão contrária.
Os quinze primeiros anos do século XXI testemunharam uma revolução tecnológica, cuja velocidade de transformação e de inovação sugeriram novas formas de trabalho assalariado que vem ganhando espaço. Paradoxalmente, essas novidades não contribuíram para que houvesse melhorias na qualidade de vida do trabalhador. O que se vê é aumento da condição de insegurança e vulnerabilidade do emprego, ilustradas pela presença expressiva da informalidade, da intensificação do trabalho e de mecanismos de flexibilização, como a terceirização (DRUCK, 2011).
Ao longo dos quase setenta e cinco anos de vigência da Consolidação das Leis Trabalhistas, a tensão sintetizada no interesse do empregado vs. interesse do empregador sempre marcou a tônica da realidade trabalhista no Brasil. Neste sentido, a concessão de direitos na Era Vargas, quando o Estado foi o principal artífice da constituição de garantias trabalhistas, teve seu contraponto de mobilização sindical na luta por direitos e pela redemocratização do país no final da década de 1970 e na Assembleia Constituinte de 1987. Com efeito, na Constituição de 1988, importantes direitos trabalhistas foram consolidados com a participação dos sindicatos!
Apesar desses direitos não serem exercidos pela maioria da população economicamente ativa no país, pois o nível de informalidade é expressivo na economia brasileira, a existência deles compreendia um marco de vitória da classe obreira em uma sociedade onde as assimetrias socioeconômicas com as regionais carregam os indicadores de análise das condições de trabalho no Brasil como de alta vulnerabilidade. Como uma referência de direito, a expectativa era que fosse o ponto de partida para o desenvolvimento de mais direitos trabalhistas e não história do que foi o ensaio de uma estrutura de bem-estar social que será contada, se a legislação que recentemente entrou em vigor tiver vida longa.
Na forma mais sui generis, o sindicalismo brasileiro contribuiu na luta política e pela defesa de direitos e sua respectiva ampliação na história do Brasil. A razão para a sua natureza especial reside na sua constituição atrelada ao poder público. Isto significa que, mesmo guardando traços de um modelo corporativista, legatário do protagonismo do Estado na regulação dos direitos trabalhistas, o sindicalismo teve papel estratégico para a redemocratização e na consolidação de direitos com a perspectiva de criação de um estado de bem-estar social.
É a partir desses dois eixos antagônicos que este artigo pretende contribuir para uma discussão acerca do sindicalismo no Brasil, tendo como pano de fundo a atual realidade imposta pelo mais contundente golpe desferido à classe trabalhadora: a atual legislação trabalhista. Com efeito, a legislação que entrou em vigor em novembro de 2017 impõe novos desafios ao sindicalismo, que precisa se reinventar para se opor ao modelo de regulação de trabalho em que a participação sindical é prescindível em alguns casos, como se vê no quadro abaixo:
Condição do sindicato pela nova lei |
1- Ser informado sobre a quitação anual de obrigações trabalhistas na vigência do contrato (art. 507-B). |
2- Vedada a interferência do Sindicato para eleição de represente de empresa (art. 510-A). |
3- Facultada a presença de advogado de sindicato para homologação extrajudicial de rescisão (art. 855-B) |
4- Não é necessária a homologação de regimento de empresa em órgão oficial e anuência do sindicato (art. 461). |
5- Rescisões individual, plúrima e coletiva passam a ter equivalência e não mais necessidade de autorização, acordo ou convenção coletiva do sindicato para a sua homologação (art. 477-A). |
6- Não mais necessária a assistência do sindicato para homologação de rescisão de contrato de trabalho com mais de um ano (art. 477, par. 1º). |
Assim, o que se está a discutir é a própria existência do sindicalismo como agência sociopolítica capaz de atuar na defesa de direitos dos trabalhadores.
O presente artigo tem como propósito fazer uma reflexão sobre a estrutura sindical no Brasil e os seus desafios de se reinventar. Diante de uma realidade tão adversa como o sindicalismo pode construir formas de diálogo com a sociedade e transformar a sua forma de ação, visando à melhora das condições de vida das pessoas, a justiça social e o fortalecimento da cidadania?
Para o alcance deste propósito, o presente artigo está dividido em duas partes além desta introdução. O primeiro passo compreende fazer uma análise da estrutura sindical, iluminando a sua condição corporativista e a sua modelagem esculpida na Constituição de 1988, o que impulsionou uma dinâmica sindical marcada pela gestão de cúpula e o distanciamento das bases. Em seguida, discutir como é possível reconstruir um modelo sindical que dialogue de maneira orgânica e propositiva com os novos movimentos sociais, como as mobilizações culturais de favela, trazendo para o seu argumento de luta uma percepção mais plural e que põe como elementos centrais a discussão das novas dinâmicas e produções culturais trazidas por grupos periféricos como as vistas nas favelas, como o Funk e o Hip-hop.
2. A HERANÇA CORPORATIVISTA E OS VÍCIOS DE UM MODELO QUE PARECE AFASTAR AS BASES DE TRABALHADORES
O sindicalismo no Brasil teve a sua estruturação moldada a partir de um modelo em que o Estado exercia papel de influência em sua atuação. Desde a década de 1930, uma série de decretos foi publicada pelo governo de Getúlio Vargas que havia chegado ao poder, interrompendo a política oligárquica, cuja mola propulsora econômica tinha na produção de commodities agrícolas uma forte característica.
A criação do Ministério do Trabalho, pelo Decreto 19.770/1931, dava os primeiros sinais do propósito do Estado em controlar as associações profissionais, estabelecendo a unicidade sindical e a obrigatoriedade de reconhecimento sindical por parte das autoridades públicas. Com a Constituição de 1937[1], que deu lugar a Constituição liberal de 1934, ficou prevista que somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado teria direito à representação legal. Outros decretos foram publicados visando a organizar a estrutura sindical, que dirigiram atenção ao funcionamento das organizações profissionais e produtoras, ao respectivo enquadramento sindical, bem como à forma de arrecadação e da criação do imposto sindical[2].
O modelo corporativista de sindicalismo nascia no Brasil tendo como base três características: (1) a unicidade sindical; (2) a necessidade de reconhecimento por parte do Estado da organização sindical; e (3) uma evidente intenção de fazer do Estado um mediador das tensões inerentes pela oposição de interesses entre a classe trabalhadora e classe econômica, mitigando, assim, potenciais conflitos.
As relações de trabalho passam a ser, então, reguladas pelo protagonismo estatal, que, sob a justificativa de preservar a ordem e fomentar o desenvolvimento econômico da sociedade, estabeleceu as regras do modelo sindical e das relações trabalhos. Da análise da criação deste modelo até a Constituição de 1988, pouco foi alterado, o que indica a manutenção de uma estrutura sindical que sobreviveu à ditadura Vargas, ao processo de redemocratização, cujo marco foi a Constituição de 1946, ao golpe militar de 1964, à campanha pela redemocratização de fim da década de 1970, à Assembleia Constituinte 1987-1988, à Constituição de 1988 e ao período democrático que a sucedeu até o golpe parlamentar de 2016.
O modelo sindical brasileiro sobreviveu a momentos de Estado autoritário, manteve incólume a sua estrutura assentada naqueles dois primeiros eixos com a redemocratização, testemunhou os anos de chumbo da ditadura militar, protagonizou a campanha pela redemocratização e chegou à Constituição de 1988, tendo preservado a unicidade sindical. Igualmente, deu seguimento à sua existência, dependendo da contribuição sindical, outrora nomeada como imposto, apesar da Carta maior estar previsto a liberdade de associação[3].
Parece, então, que associar o sindicalismo corporativista ao regime autoritário compreende uma análise superficial da complexidade que caracteriza as relações de trabalho e a organização sindical. A razão para isto reside em perceber que o sindicalismo no Brasil possui características advindas de um modelo que tem o Estado como principal apoiador, mas também tem a sua história marcada por mobilizações e conquistas tanto na esfera política, como a redemocratização, quanto de direitos, mormente, na esfera individual[4].
O sindicalismo no Brasil testemunhou e participou de mudanças e mobilizações, respectivamente, que ajudaram a transformar o país. Este modelo sindical protagonizou ação política de grande importância para o processo de redemocratização que culminou com a promulgação da Carta de 1988.
O que se enxerga como contradição, em verdade, reflete uma heterogeneidade da ação sindical no Brasil, bem como o protagonismo do Estado em regular o direito básico para os trabalhadores. Não à toa, a marca do direito do trabalho brasileiro é uma simbiose do protagonismo do Estado na regulação das relações de emprego e ação sindical em certos momentos como demonstração de ruptura de amarras corporativistas para a conquista de direitos, tendo como produto a regulação dessas ações por meio da lei. Neste sentido, o contrato de trabalho individual no Brasil, ao longo dos anos, compreendeu um contato de adesão à lei (PINTO, 2007), que estabelecia as condições mínimas para a sua vigência.
A natureza do contrato de trabalho individual eclipsa, de certa forma, o histórico de luta que o movimento sindical teve no Brasil. Afinal, a condição de estabelecimento de direitos básicos de alcance nacional ficou a cargo da ação do governo. Entretanto, a análise mais apurada sobre a ação sindical indica a relevância de seu papel para que esses direitos fossem cumpridos. Note-se que a região do ABC Paulista, o movimento sindical agiu na defesa de direitos seja de natureza trabalhista, seja, de maneira mais profunda e ampla, na mobilização pela redemocratização do país.
A ação sindical no Brasil teve o seu grande momento no final da década de 1970 e início da década de 1980, quando o Brasil passava por transição política. O sindicalismo passava por um momento de redelimitação de seus espaços de atuação, superando o modelo desenhado na Era Vargas marcado como uma agência burocrática controlada pelo Estado.
É esse período de maior frequência de greves que ultrapassaram os limites da região industrial de São Paulo, alcançando outras regiões de menor desenvolvimento industrial. Naquela ocasião, ensaiava-se a mudança da estrutura sindical, buscando desatrelá-la da condição que de braço do Estado.
O processo de crescimento do movimento sindical continuou relevante após a redemocratização, mas não mais da forma que outrora acontecia. Com efeito, houve um aumento da representatividade sindical: de 2500 sindicatos (sendo 2000 urbanos e 500 rurais) em 1964 para os mais de 10.813 sindicatos (urbanos e rurais) de acordo com o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, formulário organizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego no ano de 2015 (CARDOSO, 2015).
Por outro lado, o crescimento sindical, ao longo desses anos, não correspondeu ao crescimento do número de filiados. Dados extraídos do Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do MTE revelam que em 2001 havia 19 milhões de filiados aos sindicatos brasileiros; número que cai para oito milhões no ano de 2014 (CARDOSO, 2015). Uma queda significativa, cuja explicação está na forma de organização sindical que passou a existir com a promulgação da Constituição de 1988.
Ora, com a Constituição de 1988, ficou estabelecido no artigo 8º de que a associação profissional ou sindical passava a ser livre. Correspondia, então, a possibilidade de ruptura de um modelo de unicidade sindical para a de pluralidade. Entretanto, no inciso II do mencionado artigo ficou estabelecida a proibição de mais de uma representação sindical em uma mesma base territorial, o que, contraditoriamente, mantinha de outra forma a possibilidade da existência de um único sindicato.
A condição de unicidade sindical ficava mais evidente ao ter sido mantida na Constituição de 1988 a contribuição sindical de que tratava o artigo 579 da Consolidação das Leis Trabalhistas, em que se impunha o desconto de um dia de trabalho do trabalhador a cada ano em benefício de sua representatividade sindical. Esta estrutura sindical que surgiu evidenciava contradições que merecem ser analisadas. Outrossim, elas são pistas para a realidade do sindicalismo brasileiro e da maneira para como foi dado o encaminhamento para a mais radical mudança na relação de emprego no país.
Parece que o entendimento do atual sindicalismo brasileiro passa por interpretar o fenômeno do crescimento do número de representatividades sindicais, e, por outro lado, a redução, a cada ano, do número de filiados no cômputo total apurado a cada ano. Neste sentido, é contraditório que à medida que aumenta a quantidade de sindicatos, menor o número de filiados a esses sindicatos em números totais no Brasil.
Os culpados para a redução do número de filiados pode ser explicada pela precarização das relações de trabalho. É sintomático crer que a qualidade do emprego, a substituição do quadro de funcionários por trabalhadores mais jovens e que não vivenciaram uma experiência sindical em seu auge de mobilização sejam boas razões para a redução do número de filiações (DRUCK, 2013).
De certo, a globalização, que estimula a quebra de direitos e garantias trabalhistas, visando a dar viabilidade às condições do processo competitivo entre as corporações ao redor do mundo, implicou em um forte impacto para as condições de trabalho (POCHMANN, 2001). Inexoravelmente, a baixa filiação sindical corresponde a um dos efeitos desse processo de caráter neoliberal. Entretanto, a realidade brasileira reflete uma situação em que a estrutura sindical também mobilizou-se no sentido de não priorizar a estratégia de filiação como forma de fortalecimento das bases.
A liberdade de associação prevista na Constituição de 1988 permitiu o estabelecimento de uma nova ordem sindical. As centrais sindicais passaram a fazer parte da organização sindical, tendo papel relevante na interlocução de uma agenda política, visando a ocupar áreas de poder dentro da estrutura democrática que se desenvolvia no Brasil (CARDOSO, 2015).
A estrutura sindical brasileira se organizava em sindicatos, federações e confederações até a promulgação da Constituição de 1988. A partir de então, os sindicatos passaram a ter capacidade representar de maneira ampla, podendo alcançar até o nível nacional (CARRION, 2007). Esta nova estrutura revogou a delimitação organizacional dos sindicatos, dando espaço para a atuação das centrais que passariam a ganhar força e papel estratégico no modelo sindical brasileiro.
As centrais sindicais nascem com o propósito de por fim ao modelo atrelado ao Estado. A Central Única dos Trabalhadores, entidade criada em agosto de 1983, por exemplo, estabelece uma agenda que propunha a autonomia sindical e um projeto político de alcançar o poder como forma legítima de promover políticas públicas capazes de melhorar a vida da população e fazer justiça social (CUT, 2011).
O processo de consolidação das centrais sindicais tem importante êxito quando da promulgação da lei 11. 648/2008. A partir dela, passaram as centrais sindicais a serem oficialmente reconhecidas. Ademais, ficou delimitado o seu papel, sobretudo, quanto à participação de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e quaisquer espaços de diálogo social que possuam composição tripartite e sejam do interesse dos trabalhadores .
A mobilização das centrais produziu a regulação anotada na lei. Se na organização anterior que ainda existe, há uma estrutura de afinidade profissional disposta pela presença de confederação, federação e sindicato, no novo modelo, que passou a vigorar, a questão da representatividade sindical na figura das centrais engloba sindicatos de diversas ocupações. Com efeito, as centrais adquiriram status de organizações sindicais e com direito a dividir o bolo de recurso arrecado pela contribuição sindical, desde que atendesse as exigências anotadas no artigo 2º da lei 11. 648/2008.
Art. 2º (...)
I - filiação de, no mínimo, 100 (cem) sindicatos distribuídos nas 5 (cinco) regiões do País;
II - filiação em pelo menos 3 (três) regiões do País de, no mínimo, 20 (vinte) sindicatos em cada uma;
III - filiação de sindicatos em, no mínimo, 5 (cinco) setores de atividade econômica; e
IV - filiação de sindicatos que representem, no mínimo, 7% (sete por cento) do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional.
Os critérios delimitam os números mínimos para o reconhecimento da representatividade da central em relação ao sindicato. Vale destacar a disposição do inciso IV que determina o número mínimo de filiados do total de empregados sindicalizados no país. Esta aferição é feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego, através do Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, CNES, em que constam além da quantidade de trabalhadores filiados, se eles estão em dia com a sua respectiva entidade sindical.
2.1 EFEITO NA DIVISÃO DO BOLO
A estrutura sindical no Brasil com a introdução das Centrais na divisão do bolo parece ter causado o fortalecimento de um modelo representativo não muito interessado pelo fortalecimento das bases com o aumento de filiados. Cardoso (2015) afirma que tem havido um fenômeno de oligarquização da atuação sindical, criando uma elite que se afasta cada vez mais das bases que representam.
A interpretação para essa realidade parte em perceber que o número de sindicatos no Brasil cresceu inversamente proporcional ao número de filiados: enquanto há mais sindicatos espalhados pelo território, menos filiados fazem parte e colaboram com essas representações. Isto quer dizer que a gestão dos sindicatos está se caracterizando pela ação de diretores sindicais e menos pela participação das bases nas ações coletivas de manifestação e reivindicação de direitos específicos
A tentativa de explicação do fenômeno de oligarquização passa pela análise de três pontos: (1) A manutenção da contribuição sindical como principal forma de financiamento; (2) A criação pela Constituição de 1988 de um modelo de participação em que conselhos e comissões compostas por atores da sociedade civil fazem parte; e (3) o sucesso de um projeto político desenhado na fase de ruptura do final da década de 1970, cuja ilustração máxima foi a eleição de um trabalhador vindo do mundo sindical a presidência da república.
Apesar de haver oposição por parte de vários segmentos sindicais, a exemplo do Sindicato dos Bancários de São Paulo que durante um período conseguiu impedir a cobrança da contribuição[5], bem como a CUT (2011), que possui campanha pelo seu fim, este mecanismo de financiamento compreendeu base da estrutura sindical no país[6]. A contribuição sindical foi instituída em 1943 e está regulada entre os artigos 578 a 579 da CLT. Ganhou nova denominação com a Constituição de 1988, mas manteve, como anotado anteriormente status de tributo, sendo obrigatório.
A promulgação da nova lei trabalhista deu fim à obrigatoriedade da contribuição sindical, estabelecendo que o desconto deve ser autorizado pelo trabalhador, sem mais detalhes. Entretanto, quando da inclusão das centrais na ordem sindical brasileira, o acordo compreendia a elaboração de um projeto pela ordem sindical que pusesse fim à contribuição obrigatória, e valorizasse a negociação coletiva, de modo que a contribuição fosse uma deliberação democrática em assembleia de trabalhadores. Este projeto, segundo a CUT (2011), foi elaborado pelo MTE em conjunto com as centrais, tendo corrido os trâmites do Poder Executivo e levado ao Congresso Nacional, onde o seu seguimento não foi dado.
A contribuição sindical obrigatória tem sido vista como uma das principais causadoras da fragmentação dos sindicatos. Ora, o fenômeno de aumento do número de sindicatos e a redução dos filiados ao longo dos anos demonstra concretamente esta tese, fortalecendo a gestão de cúpula e distanciamento dos dirigentes do diálogo e deliberação pelas bases. No momento em que as convenções sindicais estabelecem que apenas têm direito ao voto os filiados, mais as decisões ficarão limitadas para um pequeno grupo.
Pelo modelo que vigeu até pouco tempo, era mais fácil fragmentar a estrutura sindical, fundando mais sindicatos, do que haver a competição e a tentativa de fortalecimento das bases. Em qualquer parte do país, várias categorias tiveram as suas bases fragmentadas, diminuindo, assim, o seu poder de alcance territorial e, por conseguinte, reduzindo o seu contingente de filiados. Por outro lado, houve um aumento do número de centrais sindicais, e, proporcionalmente, o número de sindicatos que, atualmente, encontram-se filiados a essas organizações.
Se em 2001, no último censo do IBGE em que este dado era apurado, 38% dos sindicatos haviam se declarado filiados a uma central, sendo que a CUT abrigava 66%, em 2015, 74% dos sindicatos eram filiados, com base nas informações do MTE, em relação à sua atribuição de levantar o número de filiados para a distribuição da contribuição sindical. Apesar de a CUT continuar sendo a central com maior número de sindicatos e de trabalhadores filiados com 31, 7%, dividia o bolo de arrecadação com mais cinco centrais: (1) Força Sindical, 10,8%; (2) Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, 10,4%; (3) União Geral dos Trabalhadores, 10,3%; (4) Nova Central Sindical dos Trabalhadores, 7,7%; e (5) Central dos Sindicatos Brasileiros, 7,2% (CARDOSO, 2015, pp. 498). Como se sabe, o acesso ao valor arrecadado da contribuição sindical está condicionado a central possuir um número de sindicatos cujo total de filiados não seja inferior a 7% do último levantamento feito.
A divisão do bolo por mais centrais demonstra uma forte competição entre elas. A ilustração desse fenômeno fica evidente quando se observa que a Central dos Sindicatos Brasileiros, que entrou no grupo de beneficiárias em 2015, com 7,2% dos filiados, possuía, em 2013, 363 sindicatos, cujo número de filiados per/capita era de 667 pessoas e subindo para 1039 em 2014 com 423 sindicatos, produto da fragmentação dos sindicatos e pela perda de outros pelas centrais estabelecidas há mais tempo (CARDOSO, 2015, PP. 504).
A fragmentação é feita no processo competitivo em que a criação de sindicatos se dá à medida que os rachas entre os dirigentes acontecem. É mais rápido e fácil ascender ao poder com a criação de um novo sindicato, dividindo a base territorial de representatividade do que competir com o grupo vencedor dentro do sindicato que faziam parte.
A oligarquização das ações sindicais teve a sua evidência em um modelo de financiamento que construiu a mentalidade de que não é interessante o aumento das bases. De certa forma, este entendimento é produto de uma constatação: enquanto a contribuição sindical fosse obrigatória, menos trabalhadores teriam interesse de se filiar e ter que pagar mensalidade, pois oneraria duas vezes os seus ganhos salariais. A este raciocínio prático associa-se a mudança de perfil de trabalhadores, em virtude de um processo contínuo de transformações dos meios de produção e com o ataque aos direitos trabalhistas pela onda de medidas de flexibilização aplicadas ao longo desses últimos 25 anos[7].
Outra demonstração da gestão de cúpula reside na própria forma de ação sindical, que opta por agir mais na esfera parlamentar no papel de lobby, na tentativa de criar mecanismos legais de regularização das relações de trabalho do que priorizar as negociações coletivas através da pressão imposta por mobilizações paredistas, assembleias, entre outras formas. Ademais, o fortalecimento das centrais com orçamentos expressivos permitiu que construíssem canais estreitos com os partidos políticos. Neste sentido, a ordem sindical elitizou a sua forma de ação pública participando da composição de partidos políticos e politizando nos espaços de poder a sua agenda.
A consequência para este processo foi distanciar ainda mais a relação entre direção sindical e a base, retirando o senso de identidade. O dirigente sindical é visto como um ator político profissional, que ascende aos postos de poder utilizando a máquina sindical.
Outro ponto explicativo tem a ver com o processo de democratização ter fortalecido as comissões e conselhos em que a sociedade civil tem o direito de participar, como os sindicatos. Produto do pacto celebrado na Constituição de 1988, formas diversas de instrumentalizar a participação cívica contribuíram para que houvesse uma estruturação de mecanismos para alçar figuras do movimento social, em especial os dirigentes sindicais, em assentos desses órgãos democráticos.
É certo que a criação dessas instituições deliberativas foi produto de uma nova ideia de ação política que não cria mais na exclusividade da ação dos atores políticos partidarizados como sujeitos legítimos de gestão da coisa pública. A sociedade ingressa no processo político e na discussão de políticas públicas na forma, sobretudo, das organizações estruturadas e que devem representar grupos sociais, tais como trabalhadores. Assim, surgem os conselhos deliberativos do Fundo do Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), do FGTS, de desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), bem como Comissões, a exemplo da Tripartite de Igualdade de Oportunidades e Tratamento de gênero e de raça no trabalho. São espaços em que as centrais declaram em seus planos de ação com interesse de participar, com o propósito de ocupar espaço no centro de deliberação e planificação de políticas públicas.
Certamente, esses espaços constituem como agências estratégicas de ação política na defesa de interesses e no reconhecimento de que o Estado desempenha papel estratégico na condução de políticas que possam traduzir no atendimento de reivindicações e interesses de grupos que competem tanto por poder no sentido mais liberal, quanto por visibilidade quando se trata em perceber as diferenças de acesso a recursos e que mensuram a real condição de cidadania. Neste último, o sindicalismo possui, geralmente, uma agenda ampla, buscando acolher as demandas de vários colocados em condição marginalizada, como a questão da população negra e a da mulher[8].
Se por um lado a possibilidade de participação política teve seu escopo ampliado por meio de conselhos e comissões, permitindo a ação das entidades sindicais no processo deliberativo de interesses da classe trabalhadora e em diversos aspectos da população brasileira, por outro, a assunção a estes assentos foi dada tendo como eixo uma estrutura em que poucos, de fato, eram legitimamente alçados como representantes da sociedade tendo como norte uma base sindical ampla. Os vícios de um modelo corporativistas, em que o raciocínio de poder é de cima para baixo e não o contrário, contaminaram a ação desses mecanismos legítimos, tendo como resultado o fortalecimento de um modelo sindical distanciado das bases e da vital importância de construir estratégias para que o sindicalismo fosse apoiado por um contingente grande e crescente de filiados (as) que participassem, fizessem eco as suas demandas e construíssem juntos planos de ação para serem apresentados nesses espaços importantes para uma democracia.
Apesar da manifestação de entidades, como a CUT, em defender a mudança de financiamento, a manutenção de um modelo que engessou a ação sindical imperou até o golpe desferido pela nova lei trabalhista, que em um ato só determinou pela extinção da obrigação em contribuir. Em verdade, a nova lei corresponde à própria falta de capacidade do movimento sindical em superar suas diferenças e construir uma linha de ação que permitisse rever o seu conceito de representatividade.
Finalmente, o projeto político sindical teve o seu êxito pela ocupação de poder em segmentos diversos seja parlamentar, seja executivo nas esferas municipal, estadual e federal permitindo que houvesse uma aproximação entre as instâncias de poder oficial aos sindicatos. Estes ganharam força e o seu apoio passou a ser disputado, gerando o fracionamento em diversas centrais que por questões ideológicas ou pragmáticas estão ligadas a partidos políticos.
No caso chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, os quase quatro mandatos seguidos testemunharam a presença de vários atores dos movimentos sociais em diversos órgãos do governo, que trouxeram as suas experiências militantes para uma nova arena. De tal fenômeno não resta dúvida de sua legitimidade, desde que conseguisse ser preenchida com o cumprimento de exigências técnicas que permitissem superar o modelo tão usado pelos grupos conservadores, cujo fisiologismo e clientelismo compreendem características essenciais de sua constituição.
Mais uma vez, um modelo corrompido entrou solo fértil na cultura dos novos atores que se adaptaram ao status quo e mantiveram o modelo de organização burocrática pautada por valores questionáveis e pouco republicanos.
Se por um lado o novo cenário trouxe avanços, sendo um deles a chance de diversos atores terem acesso ao funcionamento da máquina burocrática e seus meandros, ao mesmo tempo, esses novos caminhos não podem seguir a cartilha de fisiologismo e clientelismo que tanto marcam a política tradicional. A gestão de cúpula é o reflexo de uma distorção do modelo de representatividade; um verdadeiro desafio que o sindicalismo brasileiro precisa superar e reconstruir uma nova história.
Diante da crise do movimento sindical pelas várias razões anotadas, a solução, ou pelo menos, a sua reforma de modo sustentável e legítimo, do ponto de vista de uma ampla participação, pode passar pela mudança de condução na forma de construir o político. Neste aspecto, as ações feitas por novos segmentos da produção cultural das favelas podem dar pistas para uma nova formatação do sindicalismo no país.