Capa da publicação Ensino jurídico: universidade acessível e sociedade
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Breves considerações a respeito do ensino jurídico

29/04/2018 às 16:20
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Cuida-se de analisar a questão das peculiaridades do curso jurídico no cenário nacional dentro das várias disciplinas e carreiras, com ênfase na preocupação com a acessibilidade da universidade à sociedade.

Não escrevo propriamente sobre um método específico que seja inovador para ser aplicado em sala de aula, minha preocupação maior é a apresentação de problemas próprios do ensino jurídico, com propostas que devem ser avaliadas para a aplicação nesse setor.

Em verdade se trata de analisar (e opto por encetar o método analítico, separando os termos de forma isolada para depois concluir sobre seu conjunto) dois fenômenos poliédricos – a saber a universidade e a sociedade – dois conceitos, insista-se, de difícil conceituação. A universidade com seu papel que não deixa de ser civilizatório de uma sociedade com conflitos cada vez mais candentes e pungentes, a qual pode ser pacificada pela boa aplicação do direito enquanto técnica de controle social (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Teoria Geral do Direito). Ou seja, o papel do educador da ciência jurídica é conscientizar o futuro operador acerca de que, antes de buscar interesses próprios e pecuniários, o mesmo tem função muito relevante para a higidez do tecido social.

Com efeito, e nisso residiria o caráter poliédrico apontado, cuida-se de duas realidades complexas, que podem (e isso é expresso na obra "A Universidade Desafiada", do Prof. J. F. Régis de Moraes, no que se refere às universidades) ser abordadas sob variados enfoques (e, neste texto, pretende-se dar maior enfoque às considerações traçadas pelo aludido sociólogo, e sempre lembrado professor, na sua festejada obra). Acresça-se como dificuldade do tema, o aspecto da delimitação espácio-temporal, vez que o presente trabalho não tem foro de universalidade e atemporalidade, mas, ao contrário, pretende-se tecer comentários a respeito do relacionamento entre sociedade e universidade, nos tempos hodiernos, no Brasil. Mais ainda, o ensino jurídico não pode mais ficar apegado a prelados de direito romano ou direito canônico, com conceitos de autos costurados de papel, quando a realidade aponta no sentido de processos eletrônicos e meios alternativos de soluções de conflito.

O professor de direito deve estar acessível, ainda, em todos os meios tecnológicos à sua disposição, o que não só barateia os custos educacionais, mas permite o acesso a um número cada vez maior de acadêmicos, o que é uma ideia bastante inclusiva – o local da sala de aula não é mais físico quando tecnologias permitem a ruptura dessas barreiras arquitetônicas, como se dá no mundo virtual.

Não é objeto do presente estudo o esgotamento do tema referente às relações entre a Universidade e a Sociedade e das formas como o curso de direito pode ser aproveitado no estreitamento dessas relações, mas, seria conveniente, ao menos em sede de se situar a questão, traçar breves linhas a respeito dos limites conceituais de cada um dos termos componentes do trabalho, sugerindo questões que podem suscitar debates e contribuir para uma melhor formação e um melhor aproveitamento dos cursos jurídicos no país.

Nestes termos, a sociedade deveria ser entendida numa acepção mais ampla, envolvendo o conjunto complexo de classes sociais, as mais das vezes heterogêneas, que interage, sob a forma de sistema, de modo participativo, em nosso país. Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Parsons, mencionada por Sílvio de Macedo, para quem, a sociedade seria "um tipo especial de sistema social, situado num universo de sistemas sociais e que atinge o mais elevado nível de auto-suficiência, como um sistema, com relação aos seus ambientes, cuja exigência fundamental com relação às personalidades de seus membros é a motivação de sua participação, onde se inclui a obediência às exigências de sua ordem normativa"[1]. E aí já se observa, novamente, a ideia que o direito é uma forma normativa de controle social.

Quanto à ideia da universidade, por sua vez, pela versão tradicional, seria um conceito surgido em meados do século XIII (embora alguns autores como João Gualberto de Carvalho Meneses[2], já identificassem escolas de grande renome na Europa dos séculos XI e XII, como o Mosteiro de Salermo, dedicado ao estudo e à prática da medicina, mas, ainda, de forma assistemática), através das bem sucedidas experiências de Bolonha, Paris, Oxford e Cambridge, surgiu de corporações que obtinham do Papa e do Imperador, cartas de privilégio para a propagação de estudos e pesquisas (deve-se atentar para a dificuldade óbvia de se desenvolver tais atividades naquele contexto histórico).

Isso, obviamente, se for considerado o conceito eurocentrista, já que, muito antes disso, se observa no mundo muçulmano, então muito mais evoluído, a existência do conceito de Casa da Sabedoria – Bayt al Hikma – criados por Harum Al Hashid, em meados de 800 dc – ou seja, muito antes do mundo cristão europeu, já se observava, no outro lado do Oriente Médio uma civilização já preocupada com a sistematização do conhecimento já existente e sua evolução, o que se lança para acalorar a discussão. [3]

Etimologicamente, o termo universidade deriva de universitas magistrorum et scholarium, que designava a corporação autorizada pelos órgãos constituídos ao exercício daquela atividade. Tempos em que o latim se dava como letra erudita, antes que o Império Romano perdesse seu poder e influência e o latim se tornasse uma letra morta. Talvez fosse o tempo de se pensar em uma nova denominação, mormente porque os cursos disponibilizados, que deveriam se pautar pela interdisciplinariedade, parecem caminhar na via inversa, de uma especialização absurda, tornando a ideia de universalidade antiquada e não adequada para o que se busca conceituar.

E, muito embora, tal experiência seja multisecular na Europa e no Oriente Médio como apontado assim, no Brasil, malgrado já se dispusesse de Escolas Superiores desde meados de 1.808 (Escolas de Medicina do Salvador e do Rio de Janeiro – surgindo os cursos jurídicos, logo após, em 1.827, através da chamada Lei da Boa Razão baixada pelo Visconde de Cachoeira), a primeira Universidade somente veio a ser instalada em 1.934  (São Paulo), inobstante já criada legislativamente desde 1.931 (pelo Decreto n. 19.851 de 11.04.1931).

Verifica-se, portanto, a partir daí, um certo descompasso entre as aspirações sociais e a experiência latente, relativamente recente, da vida universitária no Brasil. E, quanto a esse aspecto, peço vênia, novamente, para recorrer às idéias lançadas por Régis de Moraes na obra supramencionada, quando menciona tratar-se de relacionamento conturbado o traçado entre a sociedade e a universidade no Brasil, neste final de século, em decorrência  de vários hiatos e desníveis dentro das próprias universidades pátrias (a começar  pelo par conceitual estabelecido por Philip G. Altbach, que já diferenciava as universidades centrais e as periféricas – no que tange ao papel de desenvolvimento científico das primeiras, relegando às segundas, em maior número que as primeiras, a função distribuidora do saber).

Por esta primeira dicotomia conceitual já se pode perceber que, em relação ao papel desempenhado por cada instituição, se poderá aferir um número maior ou menor de expectativas da sociedade (grupo complexo e mutifacetado, no qual, aliás, muito dificilmente haverá qualquer consenso a respeito de qualquer coisa), o que, por razões óbvias, refletirá na qualidade do relacionamento mantido entre ambas.

Assim, tender-se-ia a entender conveniente o acompanhamento das instituições centrais, malgrado as mais das vezes voltadas para outras realidades (geralmente situadas fora do país, recebendo grandes somas de dinheiro para pesquisas, laboratórios e bibliotecas – embora não se desconheça ou desmereça a existência de instituições centrais no território nacional, vivendo, muitas vezes, da dedicação dos professores desestimulados pela baixa remuneração e dificuldades orçamentárias para pesquisa), limitando-nos a tecer críticas à massa de instituições periféricas que, muitas vezes, de forma acrítica, transformaram-se em distribuidoras de saber, repetindo os mesmos modelos, o que talvez explique as dificuldades de colocar alunos aprovados em exames de ordem, por exemplo, no caso do direito – o saber atual não é mais enciclopédico já que o google e outros mecanismos de busca superaram esse tipo de pensamento.

Vivemos hoje, no país, desde há muito, uma tendência de importação de estereótipos culturais (modelos conceituais), que refletiria na nossa cultura acadêmica, de modo que tendemos a entender que o tecnicismo utilitarista norte-americano, buscando a especialização isolada em dada área, o que levaria a uma concentração da pesquisa financiada e direcionada para certas corporações de interesse. E, de forma mais complexa, inobstante a negativa oficial do regime, temos observado uma tendência governamental que, cada vez de forma mais acentuada, vem reduzindo os recursos de pesquisas e administração das universidades públicas.

E muito embora como advirta Régis de Moraes na obra mencionada, se trate de um fenômeno que venha ocorrendo desde meados da década de 1.970, posteriormente à chamada crise do petróleo, não sendo prerrogativa exclusiva brasileira (cuida-se de fenômeno que vem sendo observado em outros países do mundo), tem-se percebido que a adoção de modelos políticos no Brasil, onde o único dado relevante é balanço patrimonial, sem preocupações com aspectos qualitativos, o fenômeno vem tendendo a uma complexidade maior. E, no caso do curso de direito, o definhamento da qualidade expõe a própria sociedade e as garantias da cidadania no que tange á sua eficácia.

Com efeito, conforme vem sendo fartamente alardeado pelos meios de comunicação de massa, o país tem vivenciado uma evasão de cérebros, mais propriamente, de um patrimônio intelectual, com a remessa de pesquisadores para fora do país, atraídos por melhores condições de vida e de pesquisa. Tal evasão, obviamente, se refletirá a médio prazo, na própria posição do país no ranking mundial, sobretudo numa sociedade competitiva como a instaurada no mundo globalizado (e como pondera Peter F. Drucker, mencionado por Régis de Moraes na obra em comento, vivemos hoje no que poderia ser chamado uma sociedade pós-empresarial, organizada numa knowledge society, que necessitará, cada vez mais, de trabalhadores especializados e dotados de conhecimento, ou knowledge workers).

Existe, portanto, uma premente necessidade de dotar as universidades, sobretudo as públicas (em que pesem as estatísticas demonstrarem o grande fluxo de alunos de classe média alta nessas universidades, as mesmas ainda constituem uma forma democrática de acesso de jovens oriundos de outros extratos sociais a uma educação de qualidade através do modelo de cotas) de recursos que permitam às mesmas a obtenção de padrões de excelência, conduzindo-as à condição de universidades centrais, voltadas não só para a difusão do conhecimento massificado e importado, mas para o fomento da pesquisa e a formação de profissionais aptos à mantença do país em padrões aceitáveis dentro dessa knowledge society.

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Mais ainda, não se pode limitar o acesso a meios tecnológicos, e vou mais além, existe a própria necessidade de se estabelecerem tutores, sobretudo aos profissionais recém lançados no mercado – na minha experiência pessoal tem sido muito proveitosas iniciativas como a da Plataforma Albert de ensino à distância (ESD), com plantão de dúvidas para permitir ao profissional em início de carreira aprimorar sua formação, suprindo deficiências da sala de aula. Por mais que o aluno possa ter um conhecimento enciclopédico, poderá lhe faltar a vivência profissional sobretudo para traçar estratégias e verificar que os livros acadêmicos se desatualizam muito rápido, num ambiente de normativação exacerbada e grande velocidade da mutação da jurisprudência.

Não dá mais para esperar que o livro de direito seja escrito – este, quando terminado estará desatualizado, não dá mais para ficar sem saber a quem perguntar, não dá mais para ficar no stress informacional tentando acompanhar todas as notícias ao mesmo tempo, em todas as áreas, há que se buscar apoio, num lugar em que a interdisciplinariedade seja filtrada e a notícia relevante seja comentada nos seus tópicos principais que influirão no dia a dia do profissional que busca uma especialização educacional.

Com essa filtragem, o curso de direito não se desatualizará, sobrando tempo para que o profissional dedique à sua carreira e possa, até mesmo, buscar uma formação acadêmica mais sólida em cursos de pós graduação stricto sensu, sobretudo aqueles que queiram exercer o sacerdócio da carreira docente.

E a sociedade, tomada enquanto realidade poliédrica e complexa, deve estar atenta a essa situação, de modo a não permitir o sucateamento de nossas universidades, assimilando novas tecnologias e incentivando métodos de tutoria educacional (orientadores para toda a vida profissional), sobretudo se atentarmos que a maior parte das críticas assacadas contra as instituições de ensino superior de nosso país possa estar sendo assacada de forma engendrada, visando, justamente, denegrir sua imagem junto ao público em geral, para facilitar a consecução de fins menos nobres.

Observe-se no exemplo do curso jurídico, por exemplo, que a advocacia passa por um período de ataques sem precedentes no cenário nacional, mormente por conta da sua atuação firme em momento de justiciamentos vivenciados contra várias figuras públicas de todas as matizes ideológicas no país, com órgãos de mídia divulgando honorários milionários percebidos por este ou aquele advogado de tal figura pública como se isso fosse regra. A magistratura e o ministério público passam por críticas avassaladoras, como se fossem únicos responsáveis pelas mazelas da previdência, e por aí vai.

O interesse em desacreditar os profissionais do direito, infelizmente, vem de longe. Hitler já se baseava em sua obra Minha Luta, no sentido de que se lhe deveriam dar juristas e militares – estes últimos para a imposição à força, os primeiros para garantirem instrumentos jurídicos que legitimariam suas ações – isso leva a uma certa e injusta sensação de que juristas seriam seres malignos, com o que não se pode concordar, eis que, em ultima ratio, eles seriam os garantidores de um Estado de Direito – ideia por trás da de Estado Democrático – lembro-me de lúcida campanha da OAB/SP de alguns anos atrás no sentido de que sem advogados não se faz justiça. Com o descrédito das carreiras jurídicas lesões de direito não serão sequer relatadas (observem-se fenômenos como as cifras negras do direito penal – o número de crimes que são levados às autoridades é infinitamente menor que o número de crimes efetivamente cometidos que sequer chegam a algum canal formal).

Não que algumas das críticas assacadas não tenham fundamento, tais como as referentes ao caráter hermético de algumas instituições (voltadas para um culto do cientificismo, em acepção depreciativa do termo, como exagero), ou para a formação de grupos fechados e isolados, que não contribuam, uns em relação aos outros (como os artistas e cientistas mencionados por Régis de Moraes), mas, o que se adverte é para a superexploração dessas críticas, de forma intencional, por esse ou aquele regime, ou órgão de imprensa, como forma de preparar o caminho para a privatização em alta escala de nossas universidades públicas, ou para que permitamos o seu sucateamento, como formas de obtenção de um balanço positivo, sem sacrifícios aos setores privilegiados da economia nacional (v.g., o sistema bancário, dentre outros).

O aluno do curso de direito, em qualquer das suas áreas, deve ser despertado em qualquer aula para esse seu papel, de garantidor do Estado de Direito e para a ideia de que seria mau visto pela sociedade em favor de quem atua – afinal sem advogados, juízes e promotores, sem a ideia de um processo dialético em que todos possam expor seus lados, não haveria como contrapor interesses poderosos de bancos, sindicatos, movimentos etc. Se os próprios profissionais do setor não forem alertados para isso, não perceberão as manobras para desacreditá-los. Paraiso para governos totalitários de qualquer matiz ideológica.

E nem se alegue que se estaria centrando o texto na universidade pública, posto que, conforme é cediço, e nossa experiência vem demonstrando, no setor público existe um maior número de nossas universidades que poderiam ser apontadas como centrais, e que, de um modo ou de outro, acabam influenciando as demais que seriam periféricas em relação à mesma, mas sempre dentro de uma realidade nacional. Nas universidades privadas, com raríssimas exceções, a atividade de pesquisa e desenvolvimento tem sido preterida em detrimento da atividade de repetição de conhecimento, o que se revela como uma experiência extremamente deletéria em tempos em que qualquer pessoa passa a ter conhecimento enciclopédico a custo zero em consulta ao google – quem quiser ficar no mercado tem que ter um fator diferencial em tempos globalizados.

Não se esqueça de que, nessa equação, que demandou todo este preâmbulo, há que se ressaltar o fato de que a globalização econômica levou à formação de um certo paradigma de complexidade como apontado pelo mesmo Edgar Morin e o acesso à informação nesse ambiente, o nascimento de pessoas ajustadas à nova tecnologias (cada vez menos pessoas tem lido livros em papéis e cada vez mais pessoas leem em smartphones, notebooks e tablets), tem levado à ideia de uma certa superação do conceito de universidade tradicional, ou seja, há espaços democráticos para a difusão do saber, que pode, nessa linha de raciocínio estar mais próxima do aluno, ao alcance de sua mão, se aplicadas inovações tecnológicas.

Observe-se o fomento de cursos à distância (on line) no país, o que, no entanto, pressupõe investimentos em plataformas adequadas às especificidades de cada curso – por exemplo, as necessidades de acesso a resultados de julgamentos em tempo cada vez mais exíguo é exigência de um curso jurídico que não necessita de programas e aplicativos para autópsias (ao menos fora do âmbito da medicina legal) que seriam mais necessários em cursos de medicina. Sem acesso a decisões de tribunais das mais variadas especialidades, não há como se pensar em formação do profissional do direito – os concursos se tornam bairristas – quem não conhece especificidades do Paraná dificilmente passará num concurso naquele Estado (há que se conhecer dados da jurisprudências nas ações mais comuns naquele Estado – por exemplo, as discussões sobre vaca-papel que somente lá são tratadas) e permitir que seus alunos passem em concursos é um fato a dar visibilidade da uma faculdade de direito ou curso de pós-graduação.

Em minhas aulas de pós graduação em que tenho alunos dos mais variados nichos profissionais e faixas etárias – uns nativos digitais outros não, tenho mesmo tido que dar noções sobre acesso a sistemas de informática e processo eletrônico e mesmo sites para facilitar buscas de jurisprudências e dados específicos de órgãos públicos e Tribunais. Direito é um curso burocrático e a burocracia se informatizou, não há mais como pensar exclusivamente em termos de latinório e processos físicos ou documentos de papel e carimbos e selos.

De todo modo, essas experiências devem se fazer de modo prático para a acessibilidade não só dos alunos regulares, mas, ainda, deve ser adaptada para que se cumpram parâmetros de inclusão de estudantes, por exemplo, idosos (e octagenários tem tratamento especial em relação aos idosos de menor idade nos termos da lei) ou com deficiências (físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais ou mesmo pessoas com mobilidade reduzida como obesos mórbidos, por exemplo – Lei nº 13.146/15).

E não se pode esquecer de que uma universidade, seja ela física, ou seja ela virtual, deve ser espaço inclusivo pronto a receber todos aqueles que a procuram (o prédio físico deve ser adequado para o acesso de pessoas com deficiências físicas, o virtual deve estar adequado para acolher o deficiente sensorial, por exemplo). Outra preocupação a ser destacada diz respeito ao fato de que os docentes não podem se esquecer de seu papel – afinal ensinar vem do latim (novamente) in signare, apor o sinal.

Professores responsáveis devem estar atentos para que terão que lidar com novas tecnologias, que essas tecnologias devem ser acessíveis a todos, de modo inclusivo, mas, mais importante ainda, não se pode esquecer de que o papel de aposição de sinal (ensinar) não se pode dar de acordo com a ideologia própria do educador, não se está pedir que se cuide de uma defesa do programa escola sem partido, mas, ensino não pode ser confundido com militância – há que se permitir ao educando perceber que existem várias realidades multifacetadas, que podem ser interpretadas de vários pontos de vista, permitindo-se que o aluno chegue às suas próprias conclusões.

O que se deve buscar atingir, de modo mais democrático possível, é que, por mais de que o mestre discorde de orientações ideológicas do aluno, deve permitir a ele o acesso a outras realidades dentro da expertise do conhecimento, mas não se deve fomentar a adoção e repetição de igrejinhas ideológicas seja de conservadores, seja de liberais, em detrimento do debate próprio ao ambiente de diversidade que deve permear o mundo acadêmico – por experiência própria, e por ter sofrido perseguições em algumas disciplinas em não me alinhava ideologicamente com a visão do mestre, acabei pegando pavor de dadas disciplinas.

A universidade não pode ser um madraçal ideológico – isso leva à desnecessária polarização que instiga radicalismos, o que é prejudicial a qualquer regime político, ainda mais em frágeis democracias como a nossa em que, de tempos em tempos, presidentes eleitos são apeados do poder (veja-se o número insipiente de presidentes eleitos que concluíram seus mandatos desde o final dos anos de 1.980). Deve-se permitir o acesso a instrumentos técnicos, mostrando-se que existem, pelo menos, duas realidades – no caso do curso de direito isso se revela como relativamente fácil, com elucidação sobre os pontos que o professor entenda como fracos ou fortes de cada uma das perspectivas, permitindo ao aluno que chegue em suas próprias conclusões.

O direito enquanto ciência argumentativa (para aqueles que admitem que o direito seja uma ciência, por exemplo Kelsen, Miguel Reale ou Carlos Cossio e não uma derivação da teoria da justiça no campo da filosofia), está permeado de conceitos dialéticos – não há maniqueísmo no direito – nem tudo é bem ou mal – tudo depende (há relativização intensa). Para que se fique num exemplo banal: Matar alguém é crime ? Tendemos a responder de modo automático que sim, mas na realidade dialética do direito condiciono meus alunos a sempre responderem: depende ! Sim, depende, pois matar alguém em legítima defesa não é crime.

Professores de direito não são professores de ciências exatas – fica fácil trabalhar com essas dicotomias, apontando que tudo tem pelo menos dois lados, em cada processo há, pelo menos, duas partes, e ambas tem direito a uma aplicação uniforme das leis, sem radicalismos. E quanto mais clara for a mensagem do professor nesse sentido, mesmo se apregoando que a consecução de soluções justas seja o adequado, não se pode impor uma solução única e absoluta – ainda mais porque o conceito de justiça varia de pessoa para pessoa e pode ser grandemente impactado por fatores externos como, por exemplo, a influência da mídia em determinadas questões.

Essas, para mim, as principais preocupações que o professor de um curso de direito deve buscar passar para seus alunos, seja por quais sejam, os meios disponíveis – aulas presenciais ou por meio de plataformas digitais (hoje meio mais interessante, eis que os recursos são muito menos limitados). Mais ainda, deve haver uma mobilização dos docentes em torno da necessidade de se alertar para o sério risco de que, no vácuo de universidades públicas que possam servir de paradigma (ou as chamadas universidades centrais), possamos perder, por completo, nosso referencial, passando a adotar modelos importados, que atendam a interesses que não são os do povo brasileiro, esvaziando nosso capital intelectual, de forma a nos tornarmos cada vez mais dependentes de outros países (sem qualquer pretensão de voltar a um nacionalismo universitário).

Mais ainda, a priorização do saber enciclopédico, repetindo-se ou copiando e colando definições de manuais jurídicos se revela como experiência que está com os dias contados nos cursos jurídicos – deve-se ensinar a pescar e não mais dar o peixe – o aluno deve ser preparado para compreender não o que está no artigo 1º, 2º ou 3º de determinado Código ou lei, isso porque, muda-se a lei e o aluno fica perdido, há que se buscar ensinar como o sistema opera no macro para que ele possa resolver problemas no micro, no varejo do dia a dia de seu escritório, sem isso não conseguirá o aluno se formar, não passará no exame de Ordem (será mais um dos milhões de bacharéis que estão no país impossibilitados de exercerem profissão – e o exame de Ordem é sim, um mal necessário – imaginem-se profissionais que não resolvem o mínimo de problemas atuando de modo que pode lesar por completo a vida de uma pessoa em qualquer das áreas do direito) e, se passar, não conseguirá sobreviver num mercado competitivo, agora disputando espaço com a inteligência artificial jurídica – observe-se o programa Watson da IBM, por exemplo (e este é o primeiro de vários).

Essas as razões pelas quais, não obstante nossas universidades até possam sofrer críticas por problemas de somenos importância, deve ser fomentado, de forma cada vez mais candente, o debate entre a universidade e a sociedade, de modo a acentuar o papel da primeira no que concerne à difusão de conhecimentos e fomento de pesquisas, buscando torná-las cada vez mais próximas de universidades centrais, de forma a que fiquemos cada vez menos dependentes do capital intelectual de outros países. Se as classes jurídicas forem sufocadas ou não forem adequadamente formadas, nossa já frágil ordem democrática se esfacelará, o que talvez possa agradar a interesses muito além de nossa compreensão – um mundo sem juristas pode ser uma opção interessante para gente mal intencionada e poderosa.

Tal preocupação, aliás, não é prerrogativa pátria, posto que, como assevera Peter Mortimore, em interessante artigo publicado na obra Universidade Futurante, o Reino Unido sofreu várias mudanças visando a preservação de seu capital intelectual, em todas as áreas. Não obstante a adoção de medidas semelhantes a adotadas no Reino Unido pelo documento chamado Higher Education: Meeting the challenge (1.987), pudesse ser entendida como a adoção de um modelo importado, não se pode aplicar uma mentalidade xenofobista em relação àquilo que possa ser aproveitado para a nossa realidade. Sobre tal tema, inclusive, causa espécie, merecendo ser destacada, a importância da interdisciplinariedade na prática universitária, fazendo com que o acadêmico compreenda não só as especificidades de sua área, como também que deve estar inserido num quadro global de compreensão, permitindo a obtenção de conhecimentos mais eficazes para a sua realidade.

A busca de soluções para o problema apontado acima, ou seja, o abordado na necessidade de ampliar o debate entre universidade e sociedade, polindo-se arestas em nome de um objetivo comum, que seria o fortalecimento de nosso capital intelectual (um dos muitos aspectos que poderia ser analisado sob a ótica de tal poliédrico tema), deve passar por uma análise dos modelos implantados nas chamadas universidades centrais localizadas fora do país, para que, adaptadas suas realidades às realidades pátrias, possamos fortalecer nosso capital intelectual, de modo a que possamos atender aos desafios que a sociedade pós-industrial nos oferece – a busca por novas tecnologias que possam até mesmo dispensar obstáculos físicos – o mundo virtual rompe barreiras – deve ser estimulado, reforçando-se o papel das plataformas de ensino à distância.


Referências bibliográficas

FRANÇA, RUBENS LIMONGI (COORDENADOR), ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO, VOLS. 69 E 75, 1.977, SÃO PAULO, EDITORA SARAIVA.

GRANT, Reg.. O Livro da História, Ed. Globo, Rio de Janeiro, p. 89.

LEITE, DENISE B.C. (E OUTROS), UNIVERSIDADE FUTURANTE, 1.997, CAMPINAS, EDITORA PAPIRUS;

MORAIS, J.F. RÉGIS DE, A UNIVERSIDADE DESAFIADA, 1.995, CAMPINAS, EDITORA DA UNICAMP;


Notas

[1] MACEDO, Silvio de. Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 69. Saraiva: São Paulo. p. 467.

[2] MENESES, João Gualberto de Carvalho. Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 75. Saraiva: São Paulo. p. 516-517.

[3] GRANT, Reg.. O Livro da História, Ed. Globo, Rio de Janeiro, p. 89.

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. Breves considerações a respeito do ensino jurídico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5415, 29 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63786. Acesso em: 22 dez. 2024.

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