Capa da publicação Nova polêmica de Moro: auxílio-moradia não pode ser ferramenta de revalorização profissional
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Auxílio-moradia não é forma de aumento de vencimentos

08/02/2018 às 12:00

Resumo:


  • O auxílio-moradia é defendido por juízes, como Sergio Moro, como forma de compensar a falta de reajuste salarial aos magistrados federais.

  • O benefício é pago a todos os magistrados, independentemente de possuírem residência própria, e possui natureza indenizatória, não integrando o salário dos juízes.

  • A concessão do auxílio-moradia por ato administrativo, sem lei específica, pode ser considerada inconstitucional, pois a revisão de remuneração dos servidores públicos compete ao Poder Legislativo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo discute a polêmica do auxílio-moradia, relatando a sua origem e a legislação pertinente ao tema.

O auxílio-moradia, que beneficia mais de 17 mil magistrados no país, é defendido pelo juiz Sergio Moro, que atua na operação Lava-Jato em Curitiba, como forma de compensar a falta de reajuste salarial aos juízes federais. Moro é um dos magistrados que recebe o benefício, cujo teto, hoje, é de R$ 4.377, consoante se lê no site do jornal O Globo, em 2 de fevereiro de 2018.

Segundo o jornal "Folha de S.Paulo", Moro é dono de um apartamento em Curitiba, mas, mesmo assim, recebe mensalmente o auxílio desde outubro de 2014, um mês após decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que estendeu o benefício a todos os magistrados. O juiz da Lava-Jato argumenta que os magistrados estão sem aumento há três anos.

— O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados — afirmou Moro.

O magistrado recebe subsídios que podem ser acrescentados, em casos excepcionais, a indenizações.

No que toca a exegese do artigo 65, II, da LOMAN, discutida no MS 26.794/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, com relação ao auxílio-moradia de magistrados estaduais, concedeu-se, em parte, a segurança para afastar a exclusão do direito a magistrado que tiver residência própria e aos inativos e pensionistas cuja situação jurídica seja sacramentada pela Corte de Contas estadual. Relativamente ao auxílio-moradia, entendeu-se que se cuidava de parcela que possui natureza indenizatória, não integrando o que percebido pelo magistrado, não incidindo sobre ela tributos como o Imposto de Renda. Esclareceu-se que interpretações teratológica e vernacular do art. 65, II, da LOMAN revelariam o caráter linear da parcela, não mais havendo a restrição ás comarcas do interior, estranhas à capital (artigo 65). Aludiu que constataria não estar o valor pago ligado ao fato de o magistrado possuir ou não residência própria, cabendo a satisfação, conforme disciplinado em lei, desde que não se colocasse à disposição do magistrado residência oficial.

Por certo discute-se, diante dos diversos preceitos lançados, à luz de princípios, no artigo 37 da Constituição Federal, a concessão desse benefício de auxílio-moradia, que a Procuradoria Geral da República, à luz da Portaria nº 486/2006, reconheceu para membros do Ministério Público Federal, agentes políticos, assim como os membros do Judiciário, enquanto o lugar de lotação for de difícil ou oneroso preenchimento. Sendo assim a natureza indenizatória do auxílio-moradia é incontestável, pois serve para ajudar na adversidade e naquilo que se mostra anormal e que refoge da capacidade e condição pessoal do magistrado. Devolve o que teve de despender, quando o faz para o exercício da atividade judicante, com caráter temporário e indenizatório, nos limites da razoabilidade.

A fixação de vencimentos e seu aumento competem ao Poder Legislativo, que examina a proposta de reajuste apresentada pelo Poder Executivo (RTJ 54/384). Entende-se que ao Judiciário somente cabe examinar a lesão ao princípio constitucional da igualdade. Não cabe o exame da justa ou injusta situação do servidor, que deveria estar no nível mais alto.

A par disso, a teor do artigo 37, X, da Constituição Federal, “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data".

Por revisão geral, deve-se entender aquele aumento que é concedido em razão da perda do poder aquisitivo da moeda. Tal não visa a corrigir situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de determinadas carreiras mercê das alterações ocorridas no próprio mercado de trabalho, nem objetiva contraprestar pecuniariamente níveis superiores de responsabilidades advindas de reestruturações ou reclassificações funcionais.

Eventual procedimento por parte do Poder Judiciário fere os ditames do princípio da separação de poderes e da reserva legal, reserva de parlamento, na matéria.

A regra do Conselho Nacional de Justiça que proíbe o pagamento do benefício a juízes que morem com quem já o recebe foi declarada “absolutamente ilegal” por diversos magistrados, que, desde outubro de 2014, vêm autorizando o pagamento acumulado a diversos colegas por meio de cautelares em mandados de segurança.

É mais uma decorrência da liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou o pagamento do auxílio-moradia a todos os juízes federais que morem em cidades sem imóvel oficial à disposição. Segundo ele, o direito está descrito no inciso II do artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura da União (Loman). A cautelar foi liberada para discussão pelo Plenário do STF no dia 19 de dezembro de 2017 e ainda não foi julgada.

Na decisão, de setembro de 2014, o ministro Fux afirmou que o benefício deve ser pago a todos os juízes federais do Brasil, “inclusive nos casos de acumulação”. Mas no dia 7 de outubro do mesmo ano, o CNJ publicou a Resolução 199, que regulamenta o pagamento do auxílio. E diz o inciso IV do artigo 3º da norma que juízes que morem com quem recebe o mesmo benefício não podem recebê-lo.

O auxílio-moradia, portanto, não é subsidio, ou algo que se integrou ao subsídio. Assim, reajuste somente há por lei e não por ato administrativo ou decisão judicial e muito menos para “driblar a falta de reajuste de vencimentos”. 

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Se concedido com o fim de compensar a magistratura e os membros do Ministério Público, em regime de paridade, não por lei, mas por ato administrativo, é inconstitucional.

A fixação de vencimentos e seu aumento competem ao Poder Legislativo, que examina a proposta de reajuste apresentada pelo Poder Executivo (RTJ 54/384). Entende-se que ao Judiciário somente cabe examinar a lesão ao princípio constitucional da igualdade. Não cabe o exame da justa ou injusta situação do agente público, que deveria estar no nível mais alto.

A par disso, a teor do artigo 37, X, da Constituição Federal, “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data”.

Por revisão geral deve-se entender aquele aumento que é concedido em razão da perda do poder aquisitivo da moeda. Tal não visa a corrigir situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de determinadas carreiras mercê das alterações ocorridas no próprio mercado de trabalho, nem objetiva contraprestar pecuniariamente níveis superiores de responsabilidades advindas de reestruturações ou reclassificações funcionais.

Eventual procedimento contrário a essa tese por parte do Poder Judiciário fere os ditames do princípio da separação de poderes e da reserva legal, reserva de parlamento, na matéria.

Fala-se na decisão do Ministro Fux que concedeu em caráter universal a aplicação desse benefício do auxílio-moradia.

Depois de determinar o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais, o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, ampliou o benefício para membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e para magistrados de nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo. O ministro fez questão de ressaltar “que o pagamento do referido auxílio independe de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça”. Com isso, o ministro garante o benefício a toda a magistratura.

Houve extrapolação do poder regulamentador por parte da autoridade administrativa que emite normas secundárias na matéria.

Ora, as normas típicas chamadas de secundárias, dispõem, em geral, sobre a execução de serviços públicos, ou de normas legais, ou regulamentares. Segundo Carré de Malberg, as instruções só produzem efeito no interior do serviço, porque se originam do serviço e se editam em virtude das relações que o serviço engendra entre chefes e subordinados (Teoria general del Estado, pág. 605), não obrigando, desta forma, os particulares, não criando relações jurídicas ou obrigações, que somente poderiam vir por lei emanada do órgão competente em matéria legislativa. 

Ora, essas normas não se confundem com os regulamentos de execução que emanam do Executivo e se destinam a assegurar à lei a sua execução, pormenorizando-as, mas, sem feri-las.

O regulamento atua dentro do círculo traçado pela lei.

Ora, se o regulamento de execução, editado nos estritos limites do poder regulamentar pelo Presidente da República (artigo 84, IV,  da Constituição Federal),  não pode extrapolar os termos da lei, ainda mais enunciados administrativos, atos tipicamente administrativos, dotados de concretude. 

É certo que se poderia falar numa atividade de densificação da norma, que, na lição de J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 4º edição, pág. 1165), significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos.

A norma administrativa, pois, não pode extrapolar os termos da lei, norma típica primária, que cria direitos, em termos abstratos. Ora, ela não pode criar direitos, não pode extrapolar os termos da lei, pois essa não é sua missão. É o princípio da legalidade estrita.

Data vênia, o Supremo Tribunal Federal tem um “encontro marcado” com esse assunto, pois a concessão de uma indenização com efeito geral não pode substituir um reajuste de subsídios, que, somente por lei formal e material, emanada do Poder Legislativo competente, poderia ser criada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Auxílio-moradia não é forma de aumento de vencimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5335, 8 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63880. Acesso em: 22 dez. 2024.

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