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Apropriação indébita da contribuição para financiamento da Seguridade Social (Cofins)

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07/03/2005 às 00:00
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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar a impossibilidade de se caracterizar o Crime de Apropriação Indébita nos casos de não cumprimento das obrigações impostas pela recente Lei 8.133/03, que estabeleceu em seu art. 30 a obrigação de retenção de Contribuições Sociais, entre elas a Cofins, pela fonte pagadora pessoa jurídica a outra pessoa jurídica conforme estabelece. Para o desenvolvimento da pesquisa foram abordadas as características das Contribuições em geral, as características da Cofins em especial, seu histórico legal, com ênfase em ilegalidades constitucionais, além das características do crime de Apropriação Indébita, sua análise e formas de enquadramento, ficando em evidência a impossibilidade do enquadramento ao tipo penal especificado, por vários motivos, inclusive pela própria ilegalidade da legislação sobre o referido tributo, de forma que, assim como não se pode imputar o crime de homicídio a quem desfere disparo de arma de fogo contra cadáver, também não se pode caracterizar crime de apropriação indébita a quem nunca deixou de ter a posse da coisa. Sendo seu tipo, a apropriação de coisa alheia, que só pode acontecer quando outrem lhe transfere a posse e num segundo momento aquele que a recebeu nega-se a restituí-la, apropriando-se desta como se sua fosse. Também não pode o fisco, terceiro, estranho ao fato, reivindicar a coisa objeto de dívida, imputando pena de detenção ao devedor, hipótese esta que a Constituição Federal expressamente proíbe (prisão por dívida). Foi também objetivo deste trabalho chamar a atenção sobre a forma ilegal e arbitraria com que os legisladores e governantes (medidas provisórias), vem criando medidas desproporcionais e descabidas sem que nada seja feito para impedi-los, até porque, infelizmente, predomina no país a inércia por parte daqueles de quem emana o poder. O povo.

Palavras-chave: Apropriação Indébita, Ilegalidade, Cofins.


LISTA DE ABREVIATURAS

ADIN AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

ART. ARTIGO

CF CONSTITUIÇÃO FEDERAL

COFINS CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

CSLL CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE LUCRO LIQUIDO

CTN CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

DACON DEMONSTRATIVO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

DOU DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

EC EMENDA CONSTITUCIONAL

IN INSTRUÇÃO NORMATIVA

INSS INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL

LC LEI COMPLEMENTAR

LO LEI ORDINÁRIA

Nº NUMERO

PIS PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL

SRF SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL

STF SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

STJ SUPERIOR TRIBUNA DE JUSTIÇA


1INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é demonstrar de forma clara que não é possível caracterizar o crime de apropriação indébita nos casos de não recolhimento da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), devido às diversas irregularidades do próprio tributo, devido o não enquadramento do tipo penal específico, como também, pelo fato da disposição constitucional vetar a prisão por dívida.

Para tanto, procurou-se a princípio, demonstrar o que vem a ser Contribuição Social e o que vem a ser especificamente a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), sua origem, suas alterações, frisando-se as irregularidades cometidas no decorrer de sua história e demonstrando com base na Constituição Federal os aspectos de ilegalidade e demonstrando-se também que não se pode imputar crime a quem não infringe dispositivo ilegal.

Na seqüência, procurou-se demonstrar o que vem a ser o crime de apropriação indébita, como se classifica seu tipo penal, analisando quanto à possibilidade de sua incidência e em que caso poderia ser aplicado, procurando deixar demonstrado que em hipótese alguma seria possível adequar o tipo penal às formas previstas de incidência da Cofins, nem mesmo havendo sua retenção pela fonte pagadora, como foi determinado pela lei que passou a vigorar em fevereiro do corrente ano (2004).

Adiante, demonstra-se a impossibilidade e a discrepância de se pretender punir com restrição à liberdade, ilícito contra patrimônio vindouro do poder público, ou seja, dívida, de forma que se demonstra medida totalmente descabida e arbitrária contra o cidadão, passando-se por cima inclusive de princípios e garantias constitucionais.

Procurou-se demonstrar também que os governantes, através do poder discricionário, que lhes é atribuído, praticam manobras políticas para encobrir verdadeiras aberrações jurídicas em nome de uma democracia, que fingem valorizar, enquanto de fato minam e destroem.


2.Origem Constitucional e Definição de Contribuições Sociais

As Contribuições Sociais embora já existissem como "Contribuições Para-Fiscais", foram expressamente mencionadas em texto constitucional, pela primeira vez, na Constituição Federal de 1988, conforme se pode constatar de forma mais precisa, no artigo 149, seus parágrafos e incisos, os quais atribuem a competência para instituí-las e quando e como deve ser regulado o assunto.

E também no art. 195, seus parágrafos e incisos [1], que determinam o destino dos recursos das contribuições sociais à seguridade social, regulam as hipóteses de incidência e regulamentam outros assuntos correlatos.

Devido à falta de definições claras sobre sua natureza jurídica, pairavam dúvidas sobre se eram ou não tributos, ou sub item de um dos tributos, até então assim definidos, ou ainda se seriam uma nova categoria tributária. Por isso, as referidas contribuições sociais chamaram de imediato a atenção, dando margem a várias correntes, como as quatro teorias, que passamos a discorrer individualmente.

Tem-se a Teoria da Especificidade, em que GRECO [2], seu principal defensor, afirma a natureza não-tributária das ditas contribuições sociais, baseando sua afirmação no texto do art. 149, caput, da CF/88 que submete as contribuições às regras dos artigos 146, III e 150, I e III, além do art. 195, § 6º, o que segundo entende, limita as contribuições a apenas parte das normas tributárias instituídas pela própria constituição e pelo CTN (Código Tributário Nacional), o que demonstra, segundo seu entendimento, que se o legislador quisesse que esta fosse entendida por tributo a teria subordinado totalmente ao regime jurídico tributário e não apenas parcialmente.

Teoria Tripartida, defendida por COELHO e CARVALHO [3] que afirmam que existem três tributos. Impostos, Taxas e Contribuição de Melhoria, e que as Contribuições Sociais são tributos e como tais, podem assumir a feição de impostos ou taxas.

AMARO [4], defensor da Teoria Quadripartida, diz que as contribuições são tributos por se encaixarem no conceito de tributo fornecido pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional e estão submetidas a princípios e regras tributárias, e como tais, tem regime jurídico próprio, determinado pela destinação específica de sua arrecadação, e não confundível com os regimes jurídicos das outras espécies tributárias.

Por fim, a Teoria Quinqüipartida, criada por Ives Gandra Martins e compartilhada por Vittorio Cassone, os quais afirmam que são tributos distintos, as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios.

Em defesa desta teoria, CASSONE, referindo-se a uma exposição do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), lembrou:

"O Ministro Moreira Alves, do STF, em sua conferência inaugural do15º Simpósio Nacional de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra Martins e relatoria de Vittorio Cassone e Fátima Fernandes de Souza Garcia, disse que: Quando a Constituição de 1988 diz, no art. 148, que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, podem instituir os seguintes tributos (Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria), não implica afirmação nenhuma que não haja outras espécies tributárias, por que é certo que nem Empréstimos Compulsórios nem Contribuições Sociais podem ser instituídos por todas essas entidades que integram a federação, sendo os Empréstimos Compulsórios e as Contribuições Sociais figuras autônomas. Conseqüentemente, temos 5 espécies de TRIBUTOS: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Tal como o Min. Moreira Alves e como nós, Ives Gandra Martins de há muito vem defendendo a divisão qüinqüipartida dos tributos". [5]

Embora se entenda esta ultima teoria, como a mais próxima da realidade jurídica "lógica", o que de fato interessa, para realização deste trabalho é que vem se consagrando, que tais contribuições integram o sistema tributário brasileiro, como sendo obrigações tributárias, por atenderem a todas as hipóteses de configuração de tributos [6], ou seja, prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Logo, as aludidas contribuições são tributos.


3.Distinção entre as espécies de Contribuições Sociais

A Constituição Federal não limitou as hipóteses de incidência das Contribuições Sociais, tendo apenas expressamente excluído a possibilidade de sua incidência sobre as receitas decorrentes de exportação, conforme se verifica no art. 149, § 2º, inciso I.

No entanto, as Contribuições Sociais dividem-se atualmente, de acordo com as seguintes hipóteses de incidência: sobre a Folha de Pagamento, o Faturamento, o Lucro e a Importação de Produtos ou Serviços, tendo sido esta última acrescentada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003.

3.1.Contribuições Sociais Sobre a Folha de Pagamento.

A Contribuição Social que incidente sobre a folha de pagamento, ocorre basicamente na esfera previdenciária, ou seja, seus recursos são destinados à Previdência Social (INSS), para somar às receitas desta, permitindo-se assim, o pagamento de aposentadorias, pensões, etc. No entanto, observa-se que com relação à previdência, o governo não considera qualquer outro tipo de contribuição, a não ser as incidentes sobre folha de pagamento, conforme pode se verificar nos demonstrativos criados pelo Ministério da Previdência e veiculados pela imprensa, que em geral se mostram deficitários (paga-se mais do que se arrecada), onde nunca engloba entre suas receitas as demais contribuições sociais, o que era de se esperar, visto que o citado art. 195 da constituição, encontra-se no capitulo II, denominado "DA SEGURIDADE SOCIAL".

Em contra partida, os noticiários da imprensa [7], demonstram, que a Fazenda Federal vem tendo superávit (receita superior às despesas) após as alterações das alíquotas das contribuições incidentes sobre o faturamento, como a Cofins, enquanto continuam demonstrando déficit nas contas previdenciárias, ou seja, as contribuições sobre o faturamento e lucro, não são incluídas nas contas da previdência, pois caso fosse, a fazenda (governo), não teria aumento do superávit, mas sim, a previdência deixaria de apresentar déficit.

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Com a edição da Medida Provisória 222/04, ficou ainda mais clara essa distinção, quando logo em seu primeiro artigo, atribui competência ao Ministério da Previdência Social, de arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento, em nome do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, das contribuições sociais previstas nas alíneas (a) "incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço", (b) "incidentes sobre a remuneração dos empregadores domésticos" e (c) "incidentes sobre o salário de contribuição".

Ou seja, em todos os casos em que as contribuições incidem sobre a folha de pagamento, ficando de fora as demais hipóteses, como as das alíneas (d) "incidentes sobre faturamento e lucro da empresas e (e) incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos" restando demonstrado de forma evidente, que estas últimas não tem caráter previdenciário e sim de tributo comum.

3.2.Contribuição Social sobre o Lucro

As Contribuições Sociais Sobre o Lucro, ao contrário da incidente sobre a folha de pagamento, tem como fato gerador, como o próprio nome diz, o lucro. Nesta modalidade a obrigação tributária de pagamento é da empresa, que deve aplicar uma alíquota determinada por lei, sobre o lucro apurado em balanço contábil, a cada período de tempo, também determinado por lei.

Esta modalidade é representada atualmente, por um tributo com este mesmo nome (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que é ou deveria ser, pago pelas empresas, após a apuração final dos lucros, que se dá, (de forma simplista) pela soma das receitas e dedução das despesas e custos, sempre conforme determinação legal, do que vem a ser, segundo a fazenda pública, cada um dos itens mencionados.

3.3Contribuição Social sobre o Faturamento

As Contribuições Sociais incidentes sobre o faturamento, dentre elas a Cofins, também como o próprio título afirma, incide sobre o faturamento, assim definido atualmente, pela totalidade das receitas da empresa, independente desta ser fruto das atividades da empresa ou não.

Ou seja, ao contrário do que sempre se entendeu, com a edição da Lei 9718/98, atualmente se define como faturamento, não só os valores recebidos pelas empresas, pelas vendas de seus produtos ou serviços, mas sim, pela totalidade dos rendimentos da empresa, como lucros de aplicações financeiras, aluguéis, ou quaisquer outros valores recebidos pela empresa.

Aliás, tal determinação legal vem sendo alvo de discussões judiciais, tendo seu principal foco na inconstitucionalidade do art. 1º, § 3º, da mencionada lei, o que ensejou inúmeros processos, que chegam ao absurdo de provocar divergência entre o STJ e STF, pois aquele tem entendido pela ilegalidade da lei, que alterou o conceito de faturamento previsto no art. 110 do CTN, tendo no mês de maio deste ano, inclusive concedido liminares dando efeito suspensivo em Ações Cautelares [8] contra as cobranças, enquanto que este, a princípio, manifesta-se pela constitucionalidade da lei, pois suspendeu as referidas liminares, até que sejam julgadas definitivamente as reclamações, provocando inegavelmente o que se pode chamar de insegurança jurídica.

Entre as Contribuições Sociais sobre o faturamento, inclui-se também o Pis (Programa de Integração Social), que incide em alguns casos sobre o faturamento, de forma muitíssimo semelhante à Cofins, e em outros sobre folha de pagamento, como nos casos de condomínios, por exemplo.

Contudo, cabe salientar que assim como as contribuições sobre folha de pagamento e sobre o lucro, o Pis também não é o objetivo do presente trabalho, tendo sido mencionados apenas para esclarecer que se tratam de contribuições distintas das demais, o que justifica não serem analisados de forma mais aprofundada.

Desta forma, cabe ainda salientar, que, o objeto do presente estudo, conforme se verifica pelo tema, é a possibilidade ou não de se caracterizar como crime de apropriação indébita a retenção sem o efetivo recolhimento da Contribuição Social denominada Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), mais especificamente devido à recente alteração, instituída pela Lei 10.833/2004, que em seu art. 30, criou a modalidade de "antecipação", de contribuições sociais, por meio da Retenção na Fonte de Pagamento, tudo conforme veremos mais adiante, nos tópicos apropriados.


4.Histórico Legal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, instituiu-se a figura da Contribuição Social destinada ao Financiamento da Seguridade Social, que deveria incidir, conforme o art. 195, I, b, sobre o faturamento das empresas, sendo sua regulamentação de competência exclusiva da União, conforme caput do art. 149, podendo está faze-lo por meio de Lei Complementar, conforme estabelece o art. 154, I [9], todos da referida Carta Magna.

No ano de 1991, por meio da Lei Complementar n.º 70/91, foi então criada a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que estabeleceu todos os pressupostos necessários para sua cobrança e também os casos em que estaria isenta.

Também em 1991, a Lei Ordinária n.º 8.212, veio regular o art. 194 [10], da Constituição Federal, que trata do assunto "seguridade social" (mesmo capítulo e mesma seção do assunto em foco), regulando alguns aspectos administrativos, relacionados à matéria.

Em 1996 a Lei Complementar n.º 85/96, promoveu a primeira alteração na LC 70/91, modificando alguns artigos sobre isenção.

No mesmo ano, foi promovida a Lei ordinária n.º 9.430/96, que "revogou" a isenção concedida às sociedades civis, pela própria LC 70/91.

Já no ano de 1998, a Lei Ordinária nº 9.718, alterou pela terceira vez a LC 70/91, tratando esta sobre a ampliação do conceito de base de cálculo, sobre algumas deduções desta, sobre a possibilidade de substituição tributária em casos de combustíveis, além de aumentar a alíquota de 2% para 3%.

Também no ano de 1998, foi editada a Emenda Constitucional n.º 20/98, que alterou entre outros artigos da Constituição Federal, o Art. 195, acrescentando-lhe incisos, alíneas e parágrafos.

Logo no ano seguinte, com o advento da Medida Provisória n.º 1.807 de 1999, que após inúmeras reedições, pode ser atualmente encontrada sob o n.º 2.158-35/2001, alterou-se vários artigos, de inúmeras leis, tendo tratado, entre outros assuntos de modificar casos de deduções, exclusões e isenções na base de calculo da Cofins, Pis e CSLL, regulamentando a emenda constitucional n.º 20/98.

Mais recentemente, em 2003, a Lei 10.676/03 alterou a base de calculo do Pis e Cofins, para as Cooperativas.

Também em 2003, foi editada nova Medida Provisória, sob o n° 135/03, tendo sido convertida na Lei 10.833/03, que alterou novamente a alíquota da Cofins e criou hipóteses de retenção desta pela fonte pagadora, além de criar as contribuições não-cumulativas.

Novamente em 2004, foi alterada a legislação sobre a matéria, desta vez, pela lei ordinária n° 10.865/04, que entre outras alterações, regulou algumas possibilidades de novas isenções, assim como novas incidências do tributo, como nos casos de importação, por exemplo.

Também foram editadas em 2004 as Medidas Provisórias nº 202 e 206, sendo aquela para reduzir a zero as alíquotas incidentes sobre produtos destinados a Zona Franca de Manaus e esta para prever incentivos à modernização Portuária.

Já em 23/07/2004, foi editada a Lei 10.925/2004, que tratou, entre outros assuntos, de alterar alíquotas do referido tributo, para determinados produtos, além de isentar, opcionalmente as fontes pagadoras da retenção, de que trata o art. 30, da lei 10.833/03, quando os valores a pagar às empresas forem inferiores a R$ 5.000,00, no mês.

E finalmente, a Lei 10.931/04 que promoveu em um de seus artigos, a alteração da forma de calculo de Pis e Cofins para as Incorporações Imobiliárias.

Não bastassem tantas Leis e Medidas Provisórias, o referido tributo conta também com cerca de oito Decretos, quinze Instruções Normativas e dezesseis Normas, entre Atos Declaratórios e Normas de Execução.


5.inconstitucionalidadeS e IRREGULARIDADES da Cofins

Como poderemos observar, após as mencionadas alterações, se deu origem a verdadeiro combate judicial, dado aos entendimentos de que embora legal, por estar previsto em lei, quase a totalidade das mencionadas alterações são inconstitucionais, ou não observam formalidades, como a "hierarquia" entre leis, e outros motivos, conforme se abordará adiante.

O primeiro grande problema abordado em vários processos judiciais foi a alteração da Lei Complementar nº 70/91 (que criou a Cofins), por uma Lei Ordinária (9.430/96), que revogou a isenção dada pela própria LC 70/91 as Sociedades Civis Legalmente Regulamentadas, como as sociedades de advogados, por exemplo, dando margem às primeiras contestações pela impossibilidade de se alterar com lei ordinária, aquilo que havia sido expressamente determinado em lei complementar.

A fazenda nacional passou então a defender a tese de que a referida lei, era uma lei complementar extravagante e que nesta condição pode ser alterada por lei ordinária, o que diverge da explicação de Harada, transcrita a seguir.

De fato, a Cofins é tributo previsto no elenco do art. 195 da CF, pelo que, a ela não se aplica a formalidade prevista no seu parágrafo 4º.

Porém, a questão não é essa. Não se trata de discussão envolvendo hierarquia de lei, motivada pelo quorum especifico da lei complementar. É que inexistindo uma categoria de lei complementar que pudesse assim ser classificada pelo critério material, ela só poderá ser identificada pelo aspecto formal, isto é, lei complementar é aquela que tiver sido aprovada por maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional.

Logo, extravagante ou não, lei complementar só poderá ser revogada ou alterada por uma outra lei complementar, porque, na precisa lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho é principio geral de direito que ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma" [11]

Tal alteração, embora continue sendo motivo de discussão judicial, foi recentemente pacificada pela súmula 276 do STJ, que dispões que "As sociedades civis de prestação de serviços são isentas de Cofins, irrelevante o regime tributário adotado."

Posteriormente, a lei 9.718/98, aumentou a alíquota de 2%, para 3% e também alterou a base de cálculo, que deixou de ser o faturamento operacional (obtido pelas atividades da empresa) passando a ser sobre o total bruto das receitas obtidas pela empresa, ainda que não obtidas pela atividade e independente da classificação contábil adotada.

Esta alteração foi a segunda a justificar o grande número de ações judiciais contra a fazenda pública, devido ao aumento da alíquota e alteração do conceito de faturamento, ambas instituídas por lei complementar e novamente alteradas por lei ordinária, o que como vimos, é inconcebível.

No intuito de ilustrar a ilegalidade, por meio de um paralelo, destaca-se o recente julgado do STF [12], que fundamentou a declaração de inconstitucionalidade da alínea h do inciso I da lei 8.212/91, no fato desta ter sido acrescentada pelo § 1º do art. 13 da lei 9.506/97, sem o devido respeito ao § 4º do art. 195 da CF/88, ou seja, a referida alínea, segundo entendimento do STF foi considerada inconstitucional, por ter sido acrescentada por uma lei ordinária, desrespeitando o que estabelece a Lei Maior, que diz "A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.", que por sua vez dispõe que "A União poderá instituir, mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição"

Segundo Harada [13] essa decisão do STF servirá de paradigma para declarar a inconstitucionalidade da alteração da base de calculo da Cofins por lei ordinária.

Logo após a referida lei 9.718/98, instituiu-se a Emenda Constitucional n.º 20/98, que assim como em toda a história da Cofins, também causou grande polemica, pois foi instituída no período de vacatio legis, da noventena prevista no § 6º, do art. 195 da CF/88, ou seja, a própria emenda constitucional é parcialmente inconstitucional, sendo motivo ainda hoje de discussão judicial, por parte dos contribuintes que pagaram o referido tributo naquele lapso temporal e pedem sua restituição, assim também como pelos que não pagaram e pedem a suspensão de sua exigibilidade.

Como não cabe aos agentes fiscalizadores, analisar a constitucionalidade ou não da lei, mas apenas cumpri-la, estes, ao detectarem o não recolhimento, continuam ainda hoje, autuando e promovendo o respectivo lançamento, e imediato encaminhamento ao Ministério Público, para propositura de ação penal, cabendo ao contribuinte tão somente pagá-lo ou contestá-lo judicialmente, nas duas esferas, quais sejam a administrativa e a judicial-penal.

Depois veio a Medida Provisória n.° 1.807/99, atualmente encontrada sob o n.º 2.158-35/2001, que alterou dispositivos das Leis 9.718/98 e 8.212/91.

E, como não poderia deixar de ser, novas ações judiciais se iniciaram, por ter a medida provisória "regularizado" a emenda constitucional n.º 20/98, o que é expressamente vetado, de acordo com o art. 246, da CF/88, devido ao texto dado pela emenda constitucional n.º 32/2001, conforme segue:

"Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive."

Observe-se que a emenda n° 32/01 foi publicada no D.O.U.(Diário Oficial da União) em 12.9.2001, ou seja, a referida medida provisória, que veio regulamentar a emenda n° 20/98, publicada no D.O.U. em 16.12.1998, afronta diretamente o mencionado artigo constitucional, sendo, por tanto, indiscutivelmente inconstitucional.

Aliás, pede-se licença para comentar sobre o "uso" indiscriminado de medidas provisórias, pois parece absurdo, que uma ferramenta instituída pelo legislador pátrio, para possibilitar a governabilidade em casos extremos e de grande urgência, acabou por se tornar uma corriqueira ferramenta do poder executivo, que delas se vale para impor suas vontades, de forma autoritária, sem o devido respeito à tripartição de poderes e à democracia, princípios estes, adotados por nossa lei maior.

Neste sentido, a ilustre doutrinadora, Yong, relata, notadamente indignado, o desrespeito à constituição, conforme transcrito abaixo:

"De conformidade com o art. 1º da CF/88, nossa forma de governo é a República, e o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (parágrafo único). Todavia, nosso Estado está retrocedendo, e temos um "Príncipe" no poder, que através do Poder Executivo, edita Medidas Provisórias., utilizadas como instrumento de seus próprios desígnios." [14]

Voltando à matéria, mais recentemente, foi editada outra Medida Provisória, de n.º 135/03, que veio promover entre outras modificações, a alteração da alíquota da Cofins de 3% para 7,6%, para as empresas enquadradas no regime tributário de lucro real [15], seja por opção ou obrigatoriedade. Criando também, a figura da substituição tributária, por meio da retenção das contribuições sociais, Cofins, Pis e CSLL , pela fonte pagadora.

Outra vez, uma Medida Provisória regulamentando matéria da Emenda Constitucional nº 20/98 o que como visto anteriormente é ilegal.

Com a conversão [16] da referida Medida Provisória na Lei 10.833, passou a fonte pagadora a ser responsável pelo recolhimento, entitulado de antecipação pelo art. 7º da IN-SRF (Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal) nº 459 de 29/10/2004, que diz "Os valores retidos na forma do art. 2º [17] serão considerados como antecipação do que for devido pelo contribuinte que sofreu a retenção, em relação às respectivas contribuições".

A Lei 10.833 já foi modificada em parte pelas leis 10.865/04, que regulamentou as hipóteses de incidência das Contribuições nos casos de importação. Hipótese criada pela emenda constitucional n.° 42/03 de 19/12/03, que inseriu o inciso II, ao parágrafo 2° do art. 149 da Constituição Federal.

E finalmente, com a publicação da Lei n° 10.925/04, em 26/07/2004, que alterou alíquotas de determinados produtos, alterou e regulamentou as possibilidades crédito presumido, devido à não cumulatividade criada pela MP 135/03, nos casos em que estabelece, e concedeu à fonte pagadora a opção de não reter as contribuições de que trata o art. 30, da Lei 10.833/03, se a base de cálculo for igual ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Somente a título de curiosidade, a Cofins é tão discutível que até mesmo a obrigação acessória criada para declarar os valores apurados sobre esta, vem sendo objeto de discussão judicial, pois, estipula uma multa de cinco mil reais para o sujeito passivo de deixar de entregar na data prevista a Dacon (Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais), o que fere o principio constitucional da capacidade contributiva, visto que nem todas as empresas tem a mesma capacidade, pode também ser considerada confiscatória, pois, é o que se poderá constatar se imaginarmos que uma empresa que apura dois mil reais a pagar, tenha que arcar com uma multa de cinco mil reais, somente por ter perdido o prazo de entrega da declaração.

É absurdo! Aliás, fere também o principio da razoabilidade, que visa afastar disposições arbitrárias, que somente podem ser classificadas como sendo repugnantes.

Por ser a base do presente estudo, merece destaque o referido artigo 30 da Lei Ordinária n.° 10.833/03, por criar, a partir de sua entrada em vigor (01/02/2004), a possibilidade de interpretação, quando pela sua inobservância, a tipificação como crime de apropriação indébita das Contribuições Sociais a que se refere, já que atualmente o governo tem colocado os tributos acima do cidadão, que tem sido tratado como verdadeiro inimigo do Estado, fazendo-nos lembrar, infelizmente, dos tempos da ditadura, tão veementemente criticada.

Art. 30. Os pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas de direito privado, pela prestação de serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância, transporte de valores e locação de mão-de-obra, pela prestação de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais, estão sujeitos à retenção na fonte da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP.

Com a referida "criação" da retenção na fonte, não só da Cofins, mas também do Pis e CSLL, cabe aqui mais um parêntese ao objeto de estudo, para comentar sobre a aparente insensatez na possibilidade de retenção pela fonte pagadora de um tributo cujo próprio nome diz, Contribuição Social sobre o lucro líquido (CSLL).

Surge desta forma a seguinte questão: Como se pode exigir, através da retenção, a antecipação de um tributo que não se sabe se futuramente existirá, uma vez que, "teoricamente" somente incidirá sobre o lucro líquido, a ser apurado no futuro? Se a empresa vier a apurar prejuízo, hipótese em que não terá, ou "não teria", que pagar o referido tributo, o que fará? Observa-se que o pedido de restituição, além de extremamente burocrático, demora por volta de dois anos para ser deferido. Não seria esta uma espécie de confisco? Como fica o princípio da Legalidade? É correto então que se exija sua antecipação? Como ficam os demais princípios que norteiam o ordenamento jurídico-tributário, inclusive o da moralidade?

Novamente voltando ao assunto, também a referida medida provisória, feriu a Constituição Federal, no mesmo art. 246, mencionado anteriormente, pois, mais uma vez, vem regulamentar artigo regulado pela mesma emenda constitucional n.º 20/98, ao mesmo tempo em que altera, inadequadamente, como já vimos, artigo criado por lei complementar, ferindo portanto esta Medida, duas normas do direito conforme conclui Harada.

"(...) a majoração da alíquota de 3% para 7,6%, levada a efeito pela lei n.º 10.833/03, fruto da conversão da Medida Provisória n.º 135/03, é duplamente inconstitucional: primeiramente, porque implicou alteração de lei complementar por um instrumento normativo inadequado; em segundo lugar, porque afrontou diretamente o art. 246 da CF." [18]

Finaliza-se assim o presente capítulo, buscando deixar evidente o entendimento a cerca da inconstitucionalidade das alterações sofridas pelo referido tributo, restando "legal" somente o estabelecido pela lei que lhe deu origem, qual seja a Lei Complementar 70/91.

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Sobre o autor
Alecson Pegini

contador e bacharel em Direito em Maringá (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEGINI, Alecson. Apropriação indébita da contribuição para financiamento da Seguridade Social (Cofins). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 607, 7 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6407. Acesso em: 28 mar. 2024.

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