Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?

12/02/2018 às 21:36
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É claro que não, a Ética só existe no carnaval!

A Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, na Sapucaí de 2018, fez mais pelo direito e pela dignidade humana do que os tribunais brasileiros, fiéis serventes do Executivo que aniquila os direitos fundamentais. O enredo – “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” – nos ensinou a não-temer.

Mesmo sem ter onde morar, a maioria dos passistas – que vivem com Bolsa Família – não tem direito à ajuda paletó e muito menos auxílio moradia. Mas deram uma lição de Ética que irá perdurar, retumbar na memória da cultura brasileira por décadas (no mínimo). No enredo do golpe, o samba desafinou o silêncio institucional que vigora desde 2016.

Quando vemos uma escola de Samba como Paraíso do Tuiuti, na Sapucaí que já imortalizou Joãozinho Trinta, desfilar toda a ironia reprimida, como quem revela a dialética de superação que está afogada no coração do povo brasileiro, esta ideia de Ética nos permite pensar que “o sonho não acabou”; que canta mais alto quem pulsa (e pula) com a verdade; que não há medo onde a criatividade reanima o desânimo da opressão e da barbárie; que a criatividade pode sim ser a marca germinativa da nossa cultura, desde que o jeitinho brasileiro não engolfe em mentira o que nos faria somente o bem.

Esta lição, que entornou o caldo do turismo econômico predatório em que se tornou o carnaval nacional, foi cantada e estilizada por Joãozinho Trinta e sua espetacular Beija Flor. “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia", de 1989, traria um Cristo-mendigo coberto pela censura do Judiciário a mando do piegismo católico.

Porém, o lixo a que o povo brasileiro sempre esteve destinado em sua história de opressão revelaria o luxo da inteligência e da criatividade popular. Tanto lá quanto cá o mesmo cenário, com algozes renitentes ou renovados, os mesmos desafios e obstáculos à concretização da condição humana.

Lá atrás, o golpe midiático que elevou Collor do pó às urnas (depois ao pó do ostracismo, de novo), no presente o golpe institucional que se prolonga na reinvenção do Mito de Vlad: a política temerária se transmuta em vampiro jocoso.

A ironia jocosa, por sua vez, talvez a mais curiosa possível, obrigou a Rede Globo exibir seus tentáculos de manipulação: nas casas dos nacionais, em 2016, e na Sapucaí em ovação, em 2018.

Nosso país é assim, eles dão um golpe soletrado em mesóclises e nós fazemos samba-enredo.

Se esse país não existisse teria de ser inventado, com urgência, até o carnaval de 2019.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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