Descentralização

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16/02/2018 às 14:40
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DESAFIOS

Marta Arretche (2007) cita alguns dos maiores desafios e obstáculos da descentralização política, como a falta de coordenação e a superposição de competências. São pontos que devem ser analisados caso a caso, desafios que os governantes deveriam se preocupar para ter uma gestão mais eficiente.

Estados federativos são encarados como propensos a produzir níveis comparativamente mais baixos de gasto social (PETERSEN, 1995; BANTING; CORBETT, 2003), bem como menor abrangência e cobertura dos programas sociais (WEIR; ORLOFF; SKOCPOL, 1988; PIERSON, 1996). Tenderiam ainda a tornar mais difíceis os problemas de coordenação dos objetivos das políticas, gerando superposição de competências e competição entre os diferentes níveis de governo (WEAVER; ROCKMAN, 1993), dada a relação negativa entre dispersão da autoridade política e consistência interna das decisões coletivas. Adicionalmente, a existência de uma multiplicidade de pontos de veto no processo decisório implicaria que, em Estados federativos, as políticas nacionais tenderiam a se caracterizar por um mínimo denominador comum (WEAVER; ROCKMAN, 1993; TSEBELIS, 1997). (Arretche, 2007, p.91)

Apesar da descentralização política, nota-se uma evidente concentração de autoridade no governo federal, que é responsável por repasses em diversas áreas, como na educação e saúde. Marta Arretche afirma que essa concentração, via de regra, traria benefícios redistributivos, entretanto, não são tão visíveis:

O formato de gestão que concentra autoridade no governo federal apresenta vantagens para a coordenação dos objetivos das políticas no território nacional, pois permite reduzir o risco de que os diferentes níveis de governo imponham conflitos entre programas e elevação dos custos da implementação, cuja ocorrência é mais provável em Estados federativos (WEAVER; ROCKMAN, 1993). Além disso, a concentração do financiamento no governo federal permitiria alcançar resultados redistributivos (BANTING; CORBETT, 2003), reduzindo desigualdades horizontais de capacidade de gasto. (Arretche, 2007, p.105)

Os resultados redistributivos da concentração de autoridade no governo federal não se revelaram entretanto tão evidentes. (...) Isso ocorre em parte porque esses desembolsos federais apresentam reduzido efeito redistributivo (PRADO, 2001), mas também porque o objetivo de alcançar a descentralização teve mais centralidade do que os objetivos redistributivos nas estratégias adotadas nos anos 1990. (Arretche, 2007, p.107)

Um dos maiores desafios no Brasil quanto à gestão descentralizada é, sem dúvida, conter a corrupção nos municípios. Além de perda de recursos financeiros, que são desviados para fins privados, a população do município fica sem a oferta de serviços públicos essenciais, como hospitais e escolas, tornando a qualidade de vida inferior ao que poderia ser. Para combater à corrupção nos municípios, é necessário incentivar a participação da população nas escolhas dos seus representantes e a transparência dos gastos públicos para que haja o controle social.

O Decreto-lei 200/67 não foi omisso em constar um capítulo apenas de controle, além de defini-lo como um dos princípios fundamentais das atividades da Administração Pública. Este controle deve ser feito em todos os níveis e em todos os órgãos. Além disso, prevê também a supervisão ministerial, feita da Administração Direta sobre a Administração Indireta, compreendendo orientação, coordenação e controle das atividades das entidades vinculadas.

Outro desafio da descentralização é em relação às funções alocativas, distributivas e estabilizadoras do setor público. Em um país marcado por grandes disparidades regionais como o nosso, há de se aplicar o princípio da igualdade de maneira a tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na proporção de suas desigualdades. Por vezes, há de fazer políticas de favorecimento ou incentivo a certas regiões do país para que haja o desenvolvimento regional proporcional em relação a outras regiões mais desenvolvidas.

Mesmo tendo um poder remanescente, o governo federal não conseguiu estabelecer estratégias adequadas de coordenação federativa das políticas públicas nos primeiros momentos de descentralização pós-Constituição de 1988. (...) O fato é que o novo federalismo brasileiro contém tendências fragmentadoras e compartimentalizadoras, de um lado, como também existe uma visão constitucional voltada à coordenação federativa, algo que vem sendo aperfeiçoado da metade da década de 1990 aos dias atuais. (ABRUCIO, 2010, p.186)

Além disto, outro desafio encontrado com a descentralização é a chamada guerra fiscal entre estados para atração de investimentos. Abrucio (2010) lembra que para se alcançar a coordenação desejada é necessário competição e cooperação, entretanto, o excesso de competição pode gerar a guerra fiscal:

A busca por coordenação entre os níveis de governo envolve “(...) mais do que um simples cabo de guerra, [uma vez que] as relações intergovernamentais requerem uma complexa mistura de competição, cooperação e acomodação” (op. cit., p. 458). Portanto, a coordenação federativa bem-sucedida é uma mistura de práticas competitivas e cooperativas, as primeiras relacionadas à participação autônoma dos entes federados no processo decisório conjunto, com barganhas e controle mútuo entre os níveis de governo, e as últimas vinculadas às parcerias e arranjos integrados nos planos territorial e das políticas públicas. Cabe frisar que certas formas de competição e cooperação podem deturpar os princípios originários da Federação. Isto pode acontecer em casos de competição extremada, como a guerra fiscal, e em modelos  uniformizadores de cooperação, os quais, ao fim e ao cabo, reduzem a autonomia dos governos subnacionais (ABRUCIO, 2005 apud ABRUCIO, 2010, p.181).

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Há também a necessidade de, com a descentralização, transferir também a capacidade e responsabilidade de arrecadação própria de seus recursos. Com a descentralização de competências tributárias, haverá maior responsabilidade fiscal quanto às decisões de gastos locais, controlando melhor seus gastos e apresentam menores déficits, segundo Giambiagi (p. 319). Dessa forma, se reduz a dependência dos entes subnacionais em relação ao ente central pelas transferências de recursos federais. Marta Arretche (2007) lembra que é necessário ter cautela ao se descentralizar:

A constitucionalização de encargos ou níveis de gasto é, entretanto, uma estratégia que encontra limites nas desigualdades horizontais da federação brasileira. A desigualdade horizontal dos governos subnacionais permanece recomendando cautela na definição constitucional de competências exclusivas na gestão das políticas sociais, ainda que a descentralização fiscal e de políticas tenha aumentado as capacidades estatais – administrativas, fiscalizadoras e de produção de serviços – dos governos subnacionais. A vinculação de gasto tende ainda a reproduzir no plano da implementação das políticas desigualdades preexistentes de capacidade de gasto. (Arretche, 2007, p.106 e 107)

Descoordenação, distorções e conflitos foram derivados da falta de um plano nacional para a descentralização, que no Brasil foi conduzida por Estados e Municípios, e não pelo governo federal. Dessa forma, ocorrem conflitos entre regiões mais favorecidas e menos favorecidas (provocando processos migratórios do Nordeste para o Sudeste, por exemplo). Abrucio reafirma a importância da coordenação federativa:

A questão da coordenação federativa é estratégica para o desenvolvimento do Estado brasileiro e tem se tornado mais importante nas últimas décadas, por conta da combinação de democratização, descentralização e ampliação das políticas sociais.  O caráter inovador deste trinômio pode ser mais bem compreendido a partir de uma visão sintética sobre as heterogeneidades constitutivas de nossa Federação e a trajetória das suas relações intergovernamentais. (ABRUCIO, 2010, p. 181)

Além disto, ocorrem também esforços desnecessários em alguma área já beneficiada, ou a falta de um ente que se considere competente e se responsabilize pela oferta de um serviço público em certa região. Marta Arretche comenta em seu artigo “Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia” sobre as repartição constitucional de competências, pelo modo concorrente:

“Assim, qualquer ente federativo estava constitucionalmente autorizado a implementar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação e saneamento. Simetricamente, nenhum ente federativo estava constitucionalmente obrigado a implementar programas nessas áreas. Decorre desse fato a avaliação de que a Constituição de 1988 descentralizou receita, mas não encargos (ALMEIDA, 1995; AFFONSO; SILVA, 1996. AFFONSO, 1999. WILLIS et al., 1999). Essa distribuição de competências é propícia para produzir os efeitos esperados pela literatura sobre federalismo e políticas públicas: superposição de ações; desigualdades territoriais na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas políticas nacionais. Esses efeitos, por sua vez, são derivados dos limites à coordenação nacional das políticas.”  (Arretche, 2010, p. 100 e 101)

Um exemplo deste último caso é quando em regiões de alta criminalidade próximas ao DF, apesar de se localizar no Estado do Goiás, não possuem a oferta de segurança pública nem por um e nem por outro ente. Giambiagi (2008, p.334) afirma que “a falta de planejamento quanto à transferência de responsabilidades de gastos é especialmente destacada no que diz respeito aos estados, que não tiveram uma especificação de atribuições”.

Controlar as atividades delegadas sem ferir a autonomia conferida seja a Administração indireta seja aos concessionários e permissionários de serviços públicos também é um desafio. Deve haver uma maneira de se controlar a execução, visando melhorar os processos e resultados, sem ter como objetivo principal a punição dos executores.

Conferir maior transparência aos atos da Administração pública e de empresas que recebam fomento com recursos públicos é um algo a ser buscado. Atualmente, temos o Portal da Transparência, que mostra os gastos com pessoal do Poder Executivo, mas ainda não temos esses dados em relação aos outros poderes, e muito menos a divulgação em relação a pessoas jurídicas de direito privado, mesmo as sem fins lucrativos. Com o aumento da transparência, também ajuda no combate a corrupção e se torna um instrumento para o controle social e midiático.

Incentivar a participação social, tanto na Administração Direta quanto Indireta, é outro fator de combate à corrupção. Segundo José Matias-Pereira (2010, p.61), ainda são poucas as práticas que envolvem a participação direta dos cidadãos. 

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Sobre a autora
Juliana Corrêa de Sousa

Servidora pública federal com atuação em Direito Administrativo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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