Justiça: Legal, Social ou Política?

18/02/2018 às 23:37
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Resenha sobre o livro: Comentários a uma sentença anunciada: O Processo Lula

A obra “Comentários a uma sentença anunciada: O Processo Lula”, organizada por Carol Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, ilustres pesquisadores e operadores do Direito, atuantes em instituições de renome em nosso país e também no exterior, é um compêndio jurídico, produzido através de uma coletânea contendo 103 artigos, elaborados no período após o dia 12 de julho de 2017, data que foi publicada a sentença referente a Ação Penal Nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR até seu lançamento em agosto do mesmo ano, por 122 autores, expondo a visão, pesquisa e comparações sobre a sentença de 238 páginas proferida pelo Juiz Sergio Moro, da 13º Vara Federal de Curitiba, condenando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, tudo isso distribuído nas 544 páginas que compõe a publicação.

Editada pelo Projeto Editorial Praxis, através da Canal 6 Editora, em Bauru, São Paulo, sendo expandida sua edição a várias outras editoras, o livro está sendo comercializado no valor médio de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais), porém, encontra-se esgotado nas principais livrarias[1]. Concomitantemente a obra está sendo disponibilizada gratuitamente em formato digital, tanto em português quanto em inglês, pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia em defesa do Devido Processo Legal[2].

O livro retrata a opinião de mais de uma centena de juristas, professores, estudiosos, advogados e intelectuais, a respeito da decisão, cada um com fundamentações baseadas nas leis vigentes, doutrinas, princípios e jurisprudências pertinentes à questão, esmiuçando os procedimentos abordados na sentença e esclarecendo diversas interpretações sobre as regras em vigor.

A gama de conhecimento presente nos artigos integrantes do livro conta com as palavras do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, além de outros ilustres personagens do âmbito jurídico nacional como Afrânio Silva Jardim, Cecília Caballero Lois, Djeferson Amadeus, Giovanni Alves, Lenio Luiz Streck. Significativo é o fato da apresentação do livro ser escrita por Geraldo Prado[3], Professor, Mestre e Doutor, atuante em diversos grupos, institutos e universidades, momento em que o mesmo profere suas palavras acerca da obra, ressaltando sua importância e significância no tocante ao perigo referente à perda dos direitos individuais e as possibilidades da conversão das exceções em regra. Este trata a obra como uma “Carta Compromisso com a Cidadania, a Democracia e o Estado de Direito”, parabenizando os organizadores por sua coragem e incentivo em lutar pacificamente pela dignidade cívica.

O livro aborda a importância da racionalidade das regras, dos Princípios serem a base para a orientação decisória dos juízes, utilizados como armas pacificadas do Estado Democrático de Direito, alicerçando a assertiva que esta é uma das mais importantes conquistas da civilização ocidental. Dentre os Princípios destacados na obra temos: Princípio da motivação das decisões judiciais; Princípio da publicidade; Princípio do devido processo legal; Princípio da imparcialidade do juiz; Princípio da Isonomia; Princípio da ampla defesa; Princípio da proibição da prova ilícita; Princípio da inafastabilidade da jurisdição; Princípio do juiz natural; Princípio da presunção de inocência. Além dos princípios também são convocadas diretrizes sobre os Direitos Fundamentais Constitucionais e também da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Aos possíveis leitores que, ao se deparar com o título da obra, imaginam o livro como uma obra de defesa descabida e insustentável sobre a condenação do ex-presidente Lula, podem ficar tranquilos. A imparcialidade dos autores ficou extremamente bem alinhada aos fatos analíticos sobre a sentença, suas omissões, inconstitucionalidades e demais falhas. Em sua maioria, debatem sobre uma decisão onde descrevem a falta de imparcialidade do julgador como a principal falha processual existente. Sendo assim, não poderiam recair no mesmo erro. Os artigos trabalham através de uma linha de pensamento que traz uma abordagem sobre temas extremamente importantes presentes na base legal brasileira, mesmo assim seus autores têm a respeitabilidade ética de não adentrar a seara sobre o julgamento do mérito em questão.

Para os profissionais atuantes nas mais diversas áreas pertinentes ao Direito, considero o livro como um teste de raciocínio, onde poderão debater internamente sobre princípios internalizados que muitas vezes passam desapercebidos, em meio aos prazos e processos habituais do dia a dia. Os temas abordados no livro, tanto princípios, como doutrinas, direito comparado, entre outros, se apresentam como um repositório de informações muito bem fundamentadas. Considero uma obra essencial na cabeceira de qualquer estudante de Direito que tenha ânimo de partilhar sobre o entendimento de tantos renomados juristas, o teor pedagógico e esclarecedor sobre os temas são elementos únicos para a formação das próximas gerações de operadores do Direito.

Os autores tratam também sobre o Lawfare, termo norte americano que agrupa Law (lei) e warfare (guerra), até pouco tempo atrás muito pouco utilizado em nosso cotidiano, porém, surge em diversos momentos na elucidação dos juristas sobre a sentença. Significa o uso ilegítimo da legislação em manobras jurídicas com a intenção de causar danos a um adversário político, pode ser considerado também como uso estratégico da Justiça para criar impedimentos aos adversários. Segundo os autores essa estratégia é a base para toda a especulação em torno da sentença condenatória infringida ao ex-presidente Lula.

Os autores abordam em diversos momentos sobre o desmantelamento democrático, a especulação midiática e inconstitucionalidade das atitudes tomadas durante o processo e presentes na sentença. Muitos artigos fazem uso de comparações, algumas bem humoradas, outras nem tanto, caminhando desde Chapolin Colorado, Clark Kent até Frankstein, citando ícones do conhecimento e do humor, trilhando momentos históricos desde a antiga Grécia, Roma, ao caos das Grandes Guerras, e chegando em nossa contemporaneidade.

A obra traz o conceito de que a sociedade ainda não se deu conta das perdas democráticas resultantes dos atos praticados pelo judiciário. Alguns trechos podem parecer, a olhos desatentos, absurdos, mas sua fundamentação formaliza, de modo insuperável, a indignação dos autores frente ao esquecimento dos Direitos Fundamentais, contidos não somente na legislação brasileira, mas também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Declaração Americana dos Direitos Humanos, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais e na Carta de Direitos Fundamentais da Europa.

Os autores retratam a inversão de valores sobre os princípios e doutrinas mencionados acima. Apontam, de forma contundente, a inobservância dos Direitos Fundamentais, o constante enfrentamento da realidade com a mídia, muitas vezes comprometida com outros setores, dentro e fora do Brasil, visando vantagens econômicas e tratando a corrupção, simplesmente, como um método utilizado por políticos para atender a interesses privados. É repudiante, para a maioria, o jornalismo corrompido e corruptor, que engana e viola o direito à informação e a verdade dos fatos, trabalhando de forma manipuladora, conivente com os retrocessos sociais e o aumento do autoritarismo. Também condenam a colocação do positivismo jurídico frente a opinião pública, com o intuito de promover um culpado, mesmo que, sem um mínimo de ética.

Aproveitando o ensejo ao autoritarismo, muitos salientam sua presença nas 238 páginas da extensa sentença condenatória, baseada em suposições próprias, os autores acabam usando de sarcasmo nas vezes que se referem a imparcialidade do Juiz. É encontrado facilmente em muitos trechos do livro críticas quanto ao arbítrio e autoritarismo, onde os autores comparam tais atitudes com as prisões nos porões da ditadura, subvertendo os princípios basilares do Direito em nome de um pretenso combate a corrupção, enfatizando o retrocesso sócio político e intelectual.

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Os artigos que compõe a obra expõe como principais falhas e obscuridades na sentença: o abuso processual; a competência do foro; inobservância a vários artigos da Constituição Federal de 1988, dentre eles o art. 5º e o art. 109; cerceamento de defesa; falta de imparcialidade; fragilidade tanto argumentativa quanto das provas apresentadas; sentença arbitrária e previsível; condenação com base em presunções; admissão de provas ilegais; arbitrariedade do Juiz; erro técnico; sugestionabilidade de culpados com o apoio da mídia; inconsistência da sentença; falta de provas; condenação baseada em convicções pessoais; perda de democracia; infringir diversos princípios do Direito; ignorar o devido processo legal; tentativa de redesenhar o conceito de culpabilidade; e, principalmente, arrogância desastrosa por parte do Juiz e do judiciário.

É relevante também a assertiva da obra que retrata a tentativa de instituir no Brasil o “Direito Penal do Inimigo”, doutrina criada na década de 80 por um jurista alemão, que definia que “inimigos do estado” não deteriam todas as garantias e proteções asseguradas aos demais indivíduos. Esta doutrina ganhou força após os ataques de 11 de setembro nos EUA. Essa tentativa criaria uma lacuna, deixando de lado o Direito Penal Garantista utilizado em nosso Ordenamento Jurídico.

Aos amigos estudantes, mais uma vez, gostaria de salientar que a leitura desta obra poderá ser encarada como um excelente objeto de estudo, sobre os princípios constitucionais, direito penal, processo penal, teoria geral do processo, filosofia do direito, sociologia jurídica, teoria do direito, teoria da argumentação jurídica, ciência política, pois a análise minuciosa da sentença, na visão de tão renomados profissionais evoca elucidações muito didáticas sobre os mais variados temas relativos a formação acadêmica de futuros profissionais operadores do direito.

Por fim, podemos notar a imortalidade das palavras de Rui Barbosa, um dos maiores juristas brasileiro, advogado, político, diplomata, escritor e filósofo, que conquistou o epíteto de "Águia de Haia" ao defender o Princípio da Igualdade dos Estados na II Conferência da Paz, em Haia (Holanda, 1907). Mesmo no início do século passado, poucos anos após a queda do império brasileiro, suas palavras se mostram mais atuais do que muitas outras proferidas em desacordo com as evoluções que sofremos, então, podemos refletir sobre a grandeza dessas mudanças e se realmente houveram mudanças.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”.[4]


Notas

[1] https://www.canal6livraria.com.br/pd-4ba827-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-lula.html?ct=1954e0&p=1&s=1 ou https://www.saraiva.com.br/comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-lula-9755731.html acessado em 29/01/2018

[2] https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/01/sentenca-anunciada-de-lula acessado em 29/01/2018

[3] https://www.geraldoprado.com/curriculo.php Consultado em: 28/01/2018

[4] Disponível em https://kdfrases.com/autor/rui-barbosa - Acessado em 02/02/2018 - "Requerimento de informações sobre o caso do Satélite". Discurso no Senado (17/12/1914), Obras completas, Vol. 41, citado em "Sobre cultura e mídia" - página 99, Por Roberto Murcia Moura, Publicado por Irmãos Vitale, 2001, ISBN 8574071552, 9788574071558, 204 páginas

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Sobre o autor
João Batista S. Costa Jr.

Estudante de Direito da Universidade Estácio de Sá Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem http://lattes.cnpq.br/3514185117159229 www.linkedin.com/in/costajr

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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