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O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil

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3. Dano indenizável

Só se poder falar em indenização quando houver um prejuízo indenizável4.

Cavalieri Filho conceitua o dano da seguinte forma:

 

[...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, que se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 96)

 

Tradicionalmente, aponta-se como espécies de dano, o material que compreende os danos emergentes e os lucros cessantes e o moral, os quais, a teor da Súmula n.º 37 do Superior Tribunal de Justiça, podem ser cumulados (dupla cumulação).

Adotando-se a classificação proposta por Flávio Tartuce (2016, p. 522), existe, na atual quadra, tendência em se reconhecer novos danos, chamados danos contemporâneos, quais sejam, os danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance.

Neste ponto, passa-se a abordar sucintamente as espécies de dano para então, ao final, adentrar no objeto deste trabalho: o dano social.

O dano material é aquele que gera reflexos na seara patrimonial de quem o suporta. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2007, p.63) o dano patrimonial “vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.”

Esta espécie de dano compreende, ainda, as perdas e danos, que, por sua vez, engloba o lucro cessante e o dano emergente5.

O dano moral, noutra senda, é aquele que gera reflexos na esfera psicológica ou moral da vítima, não lhe atingindo o patrimônio. A Constituição da República de 1988 assegura o direito à reparação pelo dano moral, no artigo 5º, incisos V e X, previsão reproduzida no art. 6º, VI, do código consumerista6.

O professor Yussef Said Cahali define o dano moral da seguinte maneira:

[...] é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)" (CAHALI, 1998, p.20)

 

Acerca do dano moral, é preciso ressaltar que sua configuração não se baseia em qualquer tipo de ofensa ao bem imaterial integrante da personalidade do indivíduo. É dizer que o dano moral não pode se sustentar em qualquer abalo comezinho e hodierno, há que existir uma lesão psicológica e moral descomunal, imperiosa, degradante.

Apesar de não ser considerado espécie de dano contemporâneo, a matéria atinente ao dano moral ainda possui celeuma doutrinária e jurisprudencial no que tange ao quantum compensatório.

Deveras, não é possível tarifar um valor a título de compensação por danos morais, especialmente porque o valor compensatório tem por escopo não indenizar a vítima, mas, isto sim, atenuar a dor ou o sofrimento por ela suportado.

De toda sorte, ante a ausência de critérios objetivos para a quantificação, percebe-se que na fixação do dano moral, o magistrado deverá levar em conta as circunstâncias do fato, as condições financeiras do agente e da vítima, de forma que o valor compensatório não se constitua nem por um lado, enriquecimento sem causa, nem por outro, quantia irrelevante aos olhos do lesante.

Resta, em arremate, pontuar que, na esteira da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, a compensação por dano moral, nos casos em que houver ofensa a dignidade da pessoa humana, independe de demonstração de dor e sofrimento, configurando-se, em tais casos, o que se convencionou chamar de dano in re ipsa, veja-se:

 

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE EM OBRAS DO RODOANEL MÁRIO COVAS. NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA DE RESIDÊNCIAS. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana. 2. A violação de direitos individuais relacionados à moradia, bem como da legítima expectativa de segurança dos recorrentes, caracteriza dano moral in re ipsa a ser compensado. 3. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade, nos termos do art. 1.519 do CC/16, o estado de necessidade, embora não exclua o dever de indenizar, fundamenta a fixação das indenizações segundo o critério da proporcionalidade. 4. Indenização por danos morais fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de efetivo afastamento do lar, valor a ser corrigido monetariamente, a contar dessa data, e acrescidos de juros moratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do CC/02, incidentes desde a data do evento danoso. 5. Recurso especial provido (BRASIL, 2012).

 

O dano in re ipsa constitui nítido exemplo da constitucionalização do direito civil, sobretudo da responsabilidade civil, com o enfoque nos valores constitucionais, especialmente o fundamento de todo o ordenamento jurídico, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

O dano estético, classificado como dano contemporâneo, traduz-se na deformidade estética, isto é, aquela que causa má impressão ou até mesmo repugnância ou sensação vexatória em quem a possui. (GONÇALVES, 2012, p.368).

Não se olvide que o dano estético não se confunde com o dano moral. Enquanto este se consubstancia em um sofrimento psíquico, moral, aquele se traduz na alteração morfológica do indivíduo que causa desconforto ou repulsa. Por serem diferentes, os danos morais e estéticos podem ser cumulados, nos termos da Súmula n.º 387 do STJ7.

O dano moral coletivo também integra o feixe de danos contemporâneos e pode ser entendido como o dano que alcança uma determinada camada da sociedade. Neste sentido, Tartuce (2016, p. 545) afirma que “os danos morais coletivos atingem direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou determináveis. Por isso a indenização deve ser destinada para elas, as vítimas”.

A título de exemplo, relembre-se o emblemático caso das pílulas de farinha, pílulas anticoncepcionais Microvilar da Schering do Brasil, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela configuração do dano moral coletivo, haja vista a extensão do dano às consumidoras (BRASIL, 2007).

O dano moral coletivo, nada obstante a possibilidade de se configurar em diversos âmbitos, como o ambiental, é radicado no código consumerista, especialmente no que dispõe o art. 6º, VI do referido normativo8.

O professor Flávio Tartuce (2016, p. 551), a fim de caracterizar e diferenciar o dano moral coletivo, aponta as seguintes características, a saber: a) atinge vários direitos da personalidade; b) envolve direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido estrito, isto é, possui vítimas determinadas ou ao menos determináveis9; c) a compensação é destinada às próprias vítimas.

Outra espécie de dano contemporâneo é o que decorre da perda de uma chance, isto é, da real expectativa, dentro do razoável, de que algo ocorreria. Assim, pretende-se a reparação pela perda de uma chance séria e real que ocorreria caso as coisas seguissem o rumo inicialmente esperado.

Sérgio Savi, um dos proponentes do dano pela perda de uma chance, consigna, com o objetivo de atribuir objetividade na caracterização do referido dano, que a perda de uma chance restará configurada quando a probabilidade da oportunidade for superior a 50% (cinquenta por cento) (SAVI, apud TARTUCE, 2016, p. 552).

A perda de uma chance encontra lugar especial nos casos em que não se pode imputar a responsabilidade direta do agente pelo dano causado. Em casos tais, o agente pode ser responsabilizado pela perda de uma chance, não respondendo pelo resultado direto para o qual contribuiu, mas pela oportunidade que ele minou com sua conduta. A título de exemplo, cite-se recente aresto do colendo Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a perda de uma chance na apuração da responsabilidade civil em que o agente, por erro médico, reduziu as possibilidades sérias e reais de cura do adoentado, veja-se:

 

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA. ACOMPANHAMENTO NO PÓS-OPERATÓRIO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE.POSSIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO. NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA. (…) 7. Por ocasião do julgamento do REsp 1.254.141/PR, a 3ª Turma do STJ decidiu que a teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil, ocasionada por erro médico, na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente. 8. A visão tradicional da responsabilidade civil subjetiva; na qual é imprescindível a demonstração do dano, do ato ilícito e do nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato praticado pelo sujeito; não é mitigada na teoria da perda de uma chance. Presentes a conduta do médico, omissiva ou comissiva, e o comprometimento real da possibilidade de cura do paciente, presente o nexo causal. 9. A apreciação do erro de diagnóstico por parte do juiz deve ser cautelosa, com tônica especial quando os métodos científicos são discutíveis ou sujeitos a dúvidas, pois nesses casos o erro profissional não pode ser considerado imperícia, imprudência ou negligência. 10. A dúvida sobre o diagnóstico exato da paciente foi atestada por vários especialistas, não sendo possível, portanto, imputar ao recorrente erro crasso passível de caracterizar frustração de uma oportunidade de cura incerta, ante a alegada "ausência de tratamento em momento oportuno" (e-STJ fl. 519). 1. Recurso especial conhecido parcialmente, e nessa parte, provido. (BRASIL, 2017).(Destaque-se).

 

Por fim, resta discorrer acerca do tema central deste trabalho, qual seja, o dano social e sua expoência como arquétipo da constitucionalização da responsabilidade civil.

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4. Do Dano Social

O dano social integra a classificação dos chamados danos contemporâneos e foi idealizado pelo Professor Antônio Junqueria de Azevedo, segundo o qual, os danos sociais:

 

(…) são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população. (AZEVEDO, 2004, p. 376).

 

Como se vê, o dano social constitui nova modalidade de dano reparável, que se distingue dos danos materiais, morais, estéticos e dos danos morais coletivos. Advém de condutas socialmente reprováveis que atingem o nível de vida da sociedade, podendo repercutir, causando rebaixamento, tanto na esfera moral quanto patrimonial.

A doutrina e a jurisprudência já reconheceram a legitimidade do dano social. Neste sentido, veja-se que na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado o enunciado n.º 455 com o seguinte teor:

 

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. (BRASIL, 2011),

 

A título de exemplo na jurisprudência, destaque-se o famoso caso “Toto Bola” atinente à fraudação no sistema de loterias no Rio Grande do Sul. Na oportunidade, constatou-se que a loteria fraudava as chances de o consumidor sagrar-se vencedor, razão pela qual o Tribunal de Justiça do Estado fixou valor indenizatório a título de dano social, destinando-o a um fundo de proteção ao consumidor da região, veja-se:

 

(...) 1. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.

2. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.

3. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.

4. Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (...)

(RIO GRANDE DO SUL, 2007).

 

A indenização perseguida pela prática de dano social tem caráter punitivo e deverá ser arbitrada pelo magistrado, em prol da sociedade. O tipo de dano em comento envolve a mácula de direitos difusos10, em que são atingidas vítimas indeterminas, o que justifica a destinação da indenização a um fundo de proteção. Neste sentido, “se os prejuízos atingiram toda a coletividade, em um sentido difuso, os valores de reparação devem também ser revertidos para os prejudicados, mesmo que de forma indireta” (TARTUCE, 2016, p. 547).

O dano social está diretamente ligado à constitucionalização do direito civil e o abandono do viés egoístico da codificação anterior. A novel modalidade prestigia especialmente a solidariedade, conferindo maior importância aos valores relacionados à sociabilidade, sobretudo ao mais valioso preceito constitucional: a dignidade da pessoa humana.

De fato, a dignidade da pessoa humana é o centro do ordenamento jurídico na atual conjuntura, notadamente após a consagração do princípio como fundamento da República (art. 1º, III da CF).

A valorização da pessoa humana em detrimento das estruturas arcaicas ora ditadas no âmbito da responsabilidade civil, fez com que houvesse o alargamento das possíveis hipóteses de reparação.

Deveras, com a constitucionalização do Direito, houve a releitura da principal função da responsabilidade civil, de forma que o enfoque deixou de ser o agente causador do dano, para dar lugar à reparabilidade da vítima que suporta o injusto. Assim, a punição do lesante dá lugar à reparação da vítima. Neste sentido, ensina Gustavo Trepedino:

 

Os preceitos ganham, contudo, algum significado se interpretados com especificação analítica da cláusula geral de tutela da pessoa humana prevista no Texto Constitucional no art. 1º, III (a dignidade como valor fundamental da República). A partir daí, deverá o intérprete afastar-se da ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de contemplar novas hipóteses de ressarcimento, mas, em perspectiva inteiramente diversa, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado (TREPEDINO, 2004, p. 27).

 

Durante a evolução da responsabilidade civil, em especial, durante a constitucionalização do referido instituto, o legislador, como forma de diminuir o descompasso entre a legislação e a velocidade do progresso tecnológico e social, deu tom genérico à matéria, conferindo-lhe cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, com o escopo de dar ao intérprete maior liberdade na adequação da norma ao caso concreto.

Se por um lado a constitucionalização da responsabilidade civil deu maior abertura ao intérprete e, por conseguinte, maior perenidade às normas, por outro, fez com que a segurança jurídica fosse atingida pela incerteza e abertura de um universo indeterminado de possibilidades.

Neste sentido, a responsabilidade civil, antes reprimida pelas estruturas arcaicas de um direito civil voltado ao patrimonialismo e, notadamente, à pessoa do lesante, passou a admitir de maneira um tanto quanto desenfreada a reparabilidade de danos até então inimagináveis. Neste sentido adverte a ilustre professora Maria Celina Bodin de Moraes:

 

O alargamento da noção de dano ressarcível, todavia, veio ocorrendo de maneira avassaladora. Com efeito, fala-se hoje em dano ao projeto de vida, dano por nascimento indesejado, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de férias arruinadas, dano de morte em agonia, dano de brincadeiras cruéis, dano de descumprimento dos deveres conjugais, dano por abandono afetivo e assim por diante. O aumento desordenado de novas espécies de dano fez surgir o temor, antecipado por Rodotà, de que “a multiplicação de novas figuras de dano venha a ter como únicos limites a fantasia do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência” (DE MORAES, 2006, p. 241).

 

Nesse contexto, destaca-se o dano social, como expressão desse alargamento promovido pela constitucionalização da responsabilidade civil e, especialmente, pela consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento primeiro do ordenamento jurídico.

Com efeito, a maior maleabilidade e liberdade na configuração do dano reparável, dentro do contexto constitucional acima descrito, faz com que as o dimensionamento prático da responsabilização pelo dano social seja de difícil elucidação, vez que, se tomada de forma apressada, poderá ensejar exemplos pitorescos e não condizentes com a real finalidade do instituto.

Neste cenário, Junqueira de Azevedo ensina sobre o que pode ser considerado comportamento socialmente reprovável capaz de ensejar responsabilidade por dano social. Segundo o autor, o dano social existe quando se percebe um rebaixamento imediato no nível de vida da população, quando, por exemplo, atinge questões relacionadas à segurança (segurança de vida e integralidade física e psíquica), diminuindo a tranquilidade social ou quebra a confiança, em situações contratuais ou paracontratuais redutoras da qualidade de vida no aspecto coletivo. Além disso, o professor considera exemplo de dano social, os comportamentos que são negativamente exemplares, isto é, aqueles que se fossem repetidos a toda sorte, causariam constrangimento e rebaixamento do nível de qualidade de vida da sociedade (JUNQUEIRA, 2004, p. 381)11.

Quanto à destinação da indenização pelo dano social, o professor da USP idealizador da nova modalidade, defende que seria aceitável destiná-lo a um fundo, tal como acontece com os danos ambientais e com arrimo no art. 883, parágrafo único do Código Civil. No entanto, à luz da cultura norte-americana, o autor defende a possibilidade de a indenização por dano social ser revertida pela própria vítima que propôs a demanda. Na visão do autor, a compensação por danos sociais só poderia ser revertida a um fundo quando órgãos da sociedade, como Ministério Público, ajuizassem a ação de ressarcimento. Assim, em suas palavras:

 

O autor, vítima, que move a ação, age também como um “promotor público privado” e, por isso merece a recompensa. Embora esse ponto não seja facilmente aceito no quadro da mentalidade jurídica brasileiro, parece-nos que é preciso recompensar, e estimular, aquele que, embora por interesse próprio, age em benefício da sociedade. Trata-se de incentivo para um aperfeiçoamento geral (JUNQUEIRA, 2004, p. 383).

 

Outro ponto relevante refere-se à possibilidade de o magistrado reconhecer, de ofício, a existência de dano social.

A princípio, em se tratando de questão de ordem pública, poderia o juiz, com arrimo no Código de Defesa do Consumidor (art. 1º) e, ainda, no princípio da reparação integral dos danos (art. 6º, VI), reconhecer de ofício a existência de dano social, arbitrando, por conseguinte, o valor compensatório.

No entanto, há entendimento da 2ª Seção do colendo Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de se reconhecer, de ofício, a existência de danos sociais ou difusos em demandas que tramitam perante o Juizado Especial Cível, especialmente por entender que o autor da ação individual não teria legitimidade para pleitear a fixação de dano social, eis que não pode pedir em nome próprio, direito da coletividade (BRASIL, 2014).

Assim, para haver condenação em danos sociais, segundo a parca jurisprudência do STJ quanto ao assunto, é preciso que haja pedido expresso e, além disso, que referido pleito seja feito no bojo de ação coletiva (BRASIL, 2014).

Essas são as considerações que se pode fazer com o que há disponível na doutrina e na jurisprudência quanto ao tema em questão. Importa notar, no entanto, que a tendência de alargamento das possibilidades de dano indenizável é constante presente na atual quadra e que, certamente, outras espécies de dano surgirão com o escopo fundamental de tutelar a dignidade da pessoa humana.

 

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Sobre a autora
Bárbara Christina Guimarães Costa

Pós-Graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora de Juiz de Direito pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. e-mail: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Bárbara Christina Guimarães. O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5384, 29 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64221. Acesso em: 24 nov. 2024.

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