Dos alimentos e a obrigação de natureza alimentícia

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19/02/2018 às 14:34
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4 A PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL

4.1 DEFINIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Preceitua o artigo 5º, LXXVIII, § 2º da Constituição Federal de 1.988, que: 

Art. 5º, § 2º CF - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte[44].

Não é outro entendimento da Suprema Corte Brasileira[45]. Neste entendimento, aduz Gilmar Ferreira Mendes que:

“É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora da lista. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser assim tidos, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorre da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana; em vista da sua importância, não podem ser deixados à disponibilidade do legislador ordinário” [46].

No entanto, vemos uma crescente discussão na doutrina contemporânea acerca do significado do termo a ser utilizado, haja vista que possuem conceitos e conteúdos próprios. Torna-se claro a tendência normativa e doutrinária em destacar os três termos de maior utilização, os quais são: direitos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem.

Contudo, apesar de possuírem semelhanças, estas detêm características distintas umas das outras. Leciona Ingo Wolfgang Scarlet que:

“Cumpre traçar uma distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões ‘direitos do homem’ (no sentido de direitos naturais não, ou ainda não positivados), ‘direitos humanos’ (positivados na esfera do direito internacional) e ‘direitos fundamentais’ (direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada estado)” [47].

Para André Carvalho Ramos existem duas expressões muito utilizadas na doutrina moderna: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Por oportuno,

“Muitos já utilizam uma união entre as duas expressões vistas acima, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, criando-se uma nova terminologia: “direitos humanos fundamentais” ou ainda “direitos fundamentais do homem”. Essa “união de termos” mostra que a diferenciação entre “direitos humanos”, representando os direitos reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, e os “direitos fundamentais”, representando os direitos positivados nas Constituições e leis internas, perde a importância, ainda mais na ocorrência de um processo de aproximação e mútua relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno na temática dos direitos humanos”[48].

O professor José Afonso da Silva ensina que os direitos individuais ou “direitos fundamentais do homem-individuo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado” [49].

Em clara evolução histórica, afirma a Professora Flávia Piovesan que:

“O Texto de 1.988 ainda inova ao alargar a dimensão dos direitos e garantias, incluindo no catálogo de direitos fundamentais não apenas direitos civis e políticos, mas também sociais (ver Capítulo II do Título II da Carta de 1.988). Trata-se da primeira Constituição brasileira a inserir na declaração de direitos os direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores às normas relativas a tais direitos encontrava-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do título dedicado aos direitos e garantias. Desse modo, não há direitos fundamentais sem que os direitos sociais sejam respeitados” [50].

Outrossim, acrescenta a ilustre Professora que:

“A Constituição de 1.988 prevê, além dos direitos individuais, os direitos coletivos e difusos - aqueles pertinentes à determinada classe ou categoria social e estes pertinente a todos e a cada um. Nesse sentido, a Carta de 1.988, ao mesmo tempo em que consolida a extensão de titularidade de direitos, acenando para a existência de novos sujeitos de direito, também consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela por meio da ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais” [51].

A princípio, os direitos fundamentais foram concebidos com o objetivo de proteger indivíduo contra possíveis excessos do Estado (liberdade negativas - um não fazer do estado) [52].

4.2 DIMENSÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

As necessidades do homem são infinitas, inesgotáveis, o que explica estar em constante redefinição e recriação, o que, por sua vez, determina o surgimento de novas espécies de necessidades do ser humano. Com o direito não foi diferente. Com a evolução surgiram novas leis, substituindo as antigas, suprindo as necessidades do momento. Diante dessa evolução, os direitos fundamentais também sofreram consideráveis transformações, as quais são chamadas por grande parte dos doutrinadores por gerações. Contudo, apesar de já consolidada na doutrina, há autores que criticam o termo gerações, porque o sentido empregado ao termo é de algo sucessório, ou seja, se deduz que uma geração substitui, naturalmente, a outra, e assim sucessivamente, O que não ocorre.

Neste sentido, cita o professor Pedro Lenza que:

“Dentre vários critérios, costuma-se classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos, ou como prefere a doutrina mais atual, “dimensões” dos direitos fundamentais, por entender que uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior e, assim, esta expressão se mostrar e a mais adequada no sentido de proibição de evolução reacionária. Em um primeiro momento, partindo dos lemas da Revolução Francesa - liberdade, igualdade e fraternidade, anunciavam-se os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensão e que iria evoluir segunda doutrina para uma 4ª e 5ª dimensão “[53].

Discordando em parte do aspecto terminológico, o Professor Paulo Bonavides, apesar de concordar que tais direitos somam-se e não se subtraem, a estes, aplica-se o termo gerações para apontar eventuais alterações ocorridas, pois:

“Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade” [54].

O termo dimensões representaria, de acordo com seus defensores, o desenvolvimento das liberdades públicas. Reconhecendo que, no início, os direitos humanos formaram gerações, mas com o tempo, passaram a integrar dimensões. Porém, para o Professor Uadi Lâmnego Bulos a “palavra dimensões, por sua vez, também é imprópria, pois computa ideia de nível, posto, escalonamento, algo incompatível com os direitos humanos” [55].

No mais,

“Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de geração não significa dizer que os direitos previstos no momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e Sociais prevalente nos novos momentos. Assim, um antigo direito pode ter o seu sentido adaptado às novidades constitucionais” [56].

Neste sentido, a lição acima proferida, embora com a terminologia de “gerações”, acaba por se adaptar ao contexto de “dimensões”, utilizado pela doutrina contemporânea.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão foram os primeiros a serem reconhecidos por uma Constituição. Surgindo no final do século XVII com a ideia de estado de direito, submisso a uma Constituição.

Conforme entendimento do Professor Paulo Bonavides:

“Os direitos de primeira geração ou de direitos da Liberdade têm por titular os indivíduos, são oponíveis ao estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado” [57].

Portanto, trata-se de direitos que representavam uma concepção de afastamento do estado nas relações individuais, onde este deveria apenas agir como protetor destas liberdades. São as chamadas “liberdades públicas negativas” ou “direitos negativos”, pois exige do estado um comportamento de obtenção[58].

Os direitos fundamentais de segunda dimensão surgem com:

“O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gerdame, associado ás pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento democrático e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, as exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento estado/sociedade levou os poderes públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguro sociais variados, impondo intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência uma diferente leitura de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos fundamentais - direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obriga a prestação positiva” [59]. No mais, buscando-se uma igualdade substancial, são os meios “dos quais se intentam estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante ação corretiva dos poderes públicos. Dizem respeito à assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer e etc.” [60].

A segunda dimensão de direitos fundamentais abrange bem mais do que direitos de caráter prestacional. A diferença básica entre essas duas dimensões se dá pela forma de tratamento dado ao público alvo. Em apertada síntese, a primeira dimensão se caracteriza pelo Estado não criar óbice às liberdades garantidas no ordenamento jurídico. Já segunda dimensão, se caracteriza pelo Estado atuando de forma concreta para reduzir a desigualdade entre os indivíduos, ou seja, destruir os obstáculos que impedem o acesso às liberdades individuais.

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No que se refere aos direitos fundamentais de terceira dimensão (direitos coletivos) entende-se como um indivíduo inserido em organismo coletivo. Todavia, devem ser utilizados em aspecto global, “uma vez que são concebidos para proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos” [61].

Neles englobam o desenvolvimento econômico do país, a preservação do meio ambiente, do patrimônio comum da humanidade, ou conforme leciona Ingo Wolfgang Scarlet:

“Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se a proteção de grupos humanos, povo, nação, caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade transindividual (coletiva ou difusa)” [62].

Em conclusão, exemplifica o ilustre jurista que:

“Compreendem-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação transindividual ou mesmo universal (transnacional), e por exigirem respostas e responsabilidade em escala até mesmo mundial para sua efetivação” [63].

Por fim, diante das transformações sociais ocorridas ao longo dos anos, permitiu aos integrantes da sociedade a participação nesta evolução e as pretensões dos seus integrantes.

Para que o estado possa se consolidar como democrático de direito, deve declarar e assegurar os direitos fundamentais. A influência dos direitos fundamentais na criação de um estado democrático de direito, são institutos essenciais para a democracia, ou seja, a violação das normas criadas pelo Estado Democrático de Direito. A violação desta se caracteriza o próprio regime democrático. Nas palavras de Robert Alexy:

“Quem seja interessado em regularidade e legitimidade deve estar interessado em democracia e também nos direitos fundamentais e humanos. Estes argumentos não só é importante porque adiciona mais um elemento às duas razões apresentadas como fundamento dos direitos fundamentais e humanos. Seu verdadeiro significado está em dirigir o olhar dos direitos fundamentais e direitos humanos para os procedimentos e as instituições da democracia e demonstra que a ideia de discurso só pode ter lugar no estado de direito democrático em que os direitos fundamentais e a democracia, apesar de todas as tensões, entram numa parceria inseparável” [64].

O Estado Democrático de Direito que se apresenta como organização política - estatal, no qual intenta assegurar uma legalidade legítima, que se funda nos direitos fundamentais criados soberanamente, procurando a valoração do homem frente ao ente Estado que deve ser sempre no sentido de resguardar ou implementar os direitos fundamentais.

4.3 A ALIMENTAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA

Diante da necessidade de salvaguardar a continuidade da espécie humana, se faz necessário garantir a este os meios pelo qual possa assegurar a perpetuação da linhagem. A biologia apresenta o ser humano como aquele que nasce, cresce, reproduz e morre. Sem desprezar os aspectos sociológicos, antropológicos e filosóficos, a humanidade necessita de alimentos para preservar o desenvolvimento humano e garantir que as futuras gerações detenham a qualidade de vida. Neste sentido, nasce tal necessidade alimentar que visa garantir que determinada pessoa, ainda que dentro de um mínimo necessário, possa alcançar a sua subsistência.

A Constituição Federal de 1.988 assevera que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental a ser protegido em nosso Ordenamento Jurídico. Outrossim, não existe a possibilidade de buscar a concretização do arcabouço principiológico brasileiro se não for observado à dignidade da pessoa humana a todas as relações entre os seres humanos.

O direito à alimentação deve ser interpretado em consonância com a dignidade da pessoa humana, ressaltando, que se busca garantir o mínimo existencial no qual “expressa o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, mandamento constitucional estará sendo desrespeitado” [65]. Cumpre ressaltar, que embora o direito à alimentação esteja inscrito no grupo de direitos sociais, este estão classificados como direitos fundamentais de 2ª dimensão/geração, sendo, portanto, protegidos pelo manto das cláusulas pétreas. Assim, alimentação está para o ser humano como a dignidade humana está para o ordenamento pátrio. Sem estas condições não existe a possibilidade de vida humana adequada.

Cumpre destacar, que o legislador constituinte reformador introduziu o termo alimentação (o termo está empregado em sentido amplo) no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1.988, através da EC - 64/10, obrigação esta instituída pelos diversos Tratados Internacionais sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada e “após forte campanha liderada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional” [66]. Ademais,

“De acordo com esse órgão, a inclusão explícita do direito à alimentação no campo dos direitos fundamentais fortaleceria o conjunto de políticas públicas de segurança alimentar em andamento, além de estar em consonância com vários Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário” [67].

Em virtude da constitucionalização do direito, surgiu à tese conhecida como eficácia horizontal dos direitos fundamentais às relações privadas, o direito aos alimentos encontra-se encobertado pelo artigo 6º da Lei Maior (direito à alimentação, à moradia, o lazer) permitindo a proteção máxima ao ser humano.

Diante do relatado, os alimentos previstos na Codificação Civil tem o caráter de provimento de um mínimo existencial ao ser humano que dele faça jus. Temos assim, uma ferramenta importante para acobertar, principalmente crianças, adolescentes e idosos, dos infortúnios de pais ou filhos que acabam por renegar a sua herança familiar.

4.4 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS APLICADAS AOS ALIMENTOS

Os direitos fundamentais inerentes ao ser humano detêm características peculiares que os tornam diferenciados em relação aos direitos em si, tendo em vista que a sua identificação decorre de um processo de amadurecimento histórico, fruto das revoluções ocorridas na humanidade.

Neste sentido, ao garantir o direito aos alimentos e a quem deles necessitem, está o ordenamento jurídico garantindo a aplicabilidade protetiva à dignidade da pessoa humana (art. 1, III da CF/88), bem como efetividade ao direito à alimentação (art. 6, caput da CF/88). Assim, faz-se necessário trazer uma elucidação doutrinária a respeito dos caracteres especiais dos direitos fundamentais. Segundo o professor Alexandre de Moraes[68], são características dos direitos fundamentais a:

a) Imprescritibilidade: os direitos fundamentais são frutos de evolução do ser humano. Assim, não podem desaparecer do ordenamento jurídico;

b) Inalienabilidade: neste caso eles não podem ser transferidos a outras pessoas;

c) Irrenunciabilidade: em tese, não podem ser objeto de renúncia. Contudo, podem não ser exercitados pelos seus adquirentes;

d) Inviolabilidade: não podem ser violados pelos poderes públicos, bem como pelos particulares;

e) Universalidade: pois “destinam-se, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos” [69];

f) Efetividade: deve-se buscar dos Poderes Estatais uma atuação efetiva de forma a garantir a sua aplicabilidade;

g) Interdependência: os direitos fundamentais, embora de aplicabilidade imediata, são dependentes uns dos outros;

h) Complementaridade: os direitos fundamentais tem como vetor interpretativo a máxima efetividade da Constituição. Assim, devem ser interpretados em conjunto para que sejam alcançados os objetivos ali enunciados;

i) Limitabilidade: os direitos fundamentais não tem caráter absoluto, podendo ser relativizada por meio da Razoabilidade/Proporcionalidade. No caso concreto, diante de um conflito de direitos fundamentais, caberá ao intérprete, caso a própria legislação não o faça, só pensar quais direitos irão prevalecer. Sobre a aplicação da proporcionalidade na relativização dos direitos fundamentais, entende o Professor Ingo Wolfgang Scarlet que a vedação à tortura detém status absoluto, não podendo ser relativizada[70].

Já os alimentos, embora possam ser interpretados como uma extensão fática do direito à alimentação (direito fundamental de 2ª dimensão ou direitos sociais segundo a Lei Maior Brasileira) acarretam algumas características peculiares dos direitos fundamentais.

Neste trabalho, busco seguir o catálogo estipulado pelo professor Paulo Nader, no qual os alimentos são:

  • Irrenunciáveis: Assim como os direitos fundamentais, não podem ser renunciados pelas partes. Contudo, podem não ser exercitados pelo adquirente. Em consonância com os direitos fundamentais, dispõe o art. 1.707 do Código Civil que “pode o credor não exercer, porém, a ele é vedado renunciar o direito aos alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de sessão, compensação ou penhora”.

  • Incedíveis: Em complementação ao disposto no art. 1.707 do Código Civil, devido ao seu “caráter personalíssimo, o direito subjetivo aos alimentos, além de irrenunciáveis, é incessível, não suscetível de negócio jurídico com terceiro” [71].

  • Impenhoráveis: Como os direitos fundamentais, os alimentos não podem ser objeto de penhora para o alimentante. Contudo, a jurisprudência pátria tem relativizado essa característica em favor do alimentando, haja vista que a penhora total dos bens poderia levar a uma impossibilidade de cumprir com a obrigação alimentar.

  • Incompensáveis: Observa o Professor Carlos Roberto Gonçalves que a compensação “acarreta a extinção de duas obrigações, cujos credores são, simultaneamente, devedores um do outro. É meio indireto de extinção das obrigações” [72]. Outrossim, não é possível a aplicação do Instituto da compensação previsto no art. 373 do Código Civil.

  • Transmissíveis: Nos termos do art. 1.700 da codificação civilista “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”. Em acréscimo ao disposto neste tópico, afirma o Enunciado 343, da IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que “a transmissibilidade da obrigação alimentar é limitada as forças da herança”, em perfeita consonância com artigo 1.792 do Código Civil.

  • Imprescritíveis: Como os direitos fundamentais, o direito aos alimentos é de caráter imprescritível. Contudo, o que prescreve é o direito de cobrar os alimentos vencidos e fixados em acordo ou sentença judicial. Assevera o professor Paulo Nader que “fixado quantum das prestações, o direito ao seu recebimento é passível de prescrição” [73]. Neste sentido, dispõe o art. 206, § 2º da Codificação que prescreve em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem”.

  • Irrepetíveis: Os alimentos pagos de liberalidade não podem ser devolvidos. Como exemplo, se o indivíduo efetuar o reconhecimento formal de uma criança e honrou com os pagamentos, ainda que venham a ser descoberto que a prole não era sua, não serão devolvidos os alimentos. Contudo, afirma o Professor Flavio Tartuce que “poderá ele pleitear indenização por danos morais, diante do engano” [74]. Neste sentido, caminha a jurisprudência do STJ[75]:

"Responsabilidade civil . Dano moral . Marido enganado. Alimentos. Restituição. A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem . A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos. Recurso não conhecido" ( STJ, REsp 4 1 2 . 684/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j . 20.08 .2002, publicado em 2 5 . 1 1 .2002).

  • Divisíveis: Prescreve o art. 1.698 do Código Civil que “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”. Igualmente, complementa o Enunciado 342 da IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que “observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não solidário, quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico financeiro dos seus genitores”. Ademais, no que se refere ao aspecto processual, prescreve o Enunciado 523 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que “o chamamento dos codevedores para integrar a lide, na forma do art. 1.698 do Código Civil pode ser requerido por qualquer das partes, bem como pelo Ministério Público, quando legitimado”.

  • Recíprocos: Por reciprocidade, dispõe o art. 1.694 do Código Civil que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”. Outrossim, complementa o artigo 1.696 da Codificação que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Ademais, complementam o Enunciado 341 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que “para os fins do art. 1.696, a relação sócio afetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar”.

  • Alternativos: Dispõe o art. 1.701 do Código Civil que “a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário a sua educação, quando menor”. Os alimentos podem ser adimplidos por meio de recursos em espécie (dinheiro) ou por meio de alimentação, roupa, medicamento, educação e higiene. Segundo Paulo Nader “o fundamental, na obrigação alimentar, é o fornecimento dos recursos indispensáveis à satisfação das necessidades do credor” [76]. Contudo, o parágrafo único do art. 1.701 afirma “compete ao juiz, se as circunstâncias exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação”. Nestes termos, por meio de ação de alimentos, divórcio ou congênere, caberá ao magistrado diante do caso concreto fixar os limites da obrigação alimentar, em perfeita harmonia com a real necessidade do alimentando.

Com base nas premissas estabelecidas neste tópico, busco evidenciar quais as características preconizadas nos direitos fundamentais podem ser aplicadas ao direito aos alimentos.

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