4- O Projeto de Lei do Senado nº 89/201520
Encontra-se na Comissão de Constituição de Justiça do Senado Federal o PLS em comento que altera a Lei nº 9.807/99, para criar mecanismos de proteção às vítimas e testemunhas. Em junho de 2015 o projeto foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação participativa (38ª reunião extraordinária).
Embora pequena tenha sido a participação na enquete oficial do Senado o PLS 89/2015 tem apoio de mais de 90% dos participantes.
Na justificação ao projeto o Senador Humberto Costa, autor da proposta, recomenda a sua aprovação com o escopo de amparar, de modo mais eficiente e célere, as pessoas em condições especiais de vulnerabilidade, mormente idosos, crianças, adolescentes, portadores de necessidades especiais e mulheres em situação de violência doméstica. Em síntese, assim se expressa o parlamentar21:
Dito de outro modo, as medidas de urgência devem ser aplicadas de pronto, sempre que a vida ou a integridade das vítimas e testemunhas estejam sob grave risco, e isso se dá nos momentos mais inesperados, quando apenas a delegacia de polícia encontra-se aberta para recebê-las. O objetivo do presente projeto, portanto, é tornar as delegacias de polícia locais de defesa da cidadania, da dignidade e de proteção imediata à vítima e à testemunha, especialmente as vulneráveis. Para tanto, urge a adoção de medidas eficazes à proteção destas vítimas, quase sempre relegadas ao esquecimento pelo legislador. Diariamente, situações das mais diversas naturezas, envolvendo pessoas em situação de risco, chegam à delegacia de polícia e ao conhecimento do delegado, que é, a toda evidência, a autoridade mais adequada para providenciar as medidas urgentes.Com efeito, a autoridade de polícia judiciária foi eleita, por nossa tradição e cultura, como o primeiro juízo da causa, responsável pela solução dos conflitos que atingem os bens jurídicos mais relevantes – a vida, a incolumidade física, o patrimônio e a segurança individual e coletiva. (grifamos)
E conclui:
Deve ser registrado que não há entre as medidas previstas nenhuma sujeita à reserva de jurisdição, não incorrendo em qualquer vício de constitucionalidade ou legalidade. E não poderia ser diferente, pois se o delegado de polícia judiciária pode o mais, que é determinar a prisão em flagrante, não há óbice para o menos, que é determinar medidas menos gravosas com o objetivo especial de promover o imediato atendimento e amparo às vítimas em situação de vulnerabilidade. Por fim, acrescenta-se que todas as medidas previstas terão natureza precária, vigendo temporariamente até sejam apreciadas pelo juiz de direito, ouvido previamente o Ministério Público, de modo que o delegado atuará como meio de proteção da vítima na situação de emergência. É, portanto, com esse relevante e imperioso objetivo, que apresentamos este projeto, voltado especialmente à defesa das vítimas vulneráveis.
Na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o relator Senador José Medeiros pontuou: “(…) parece-nos de bom alvitre que, com efeito, pessoas vulneráveis sejam passíveis de serem protegidas por medidas protetivas de urgência quando se encontrarem na condição de vítimas ou testemunhas. Medidas análogas já são previstas com sucesso, por exemplo, na Lei Maria da Penha. Deve-se ter em conta que, no momento de maior necessidade, não se pode permitir que as pessoas particularmente vulneráveis padeçam em função justamente de sua condição intrínseca. O delegado de polícia, portanto, deve, sim, ter legitimidade para intervir em favor da segurança da vítima ou testemunha vulnerável.”
Atuar na defesa dos vulneráveis é dever do Estado que não pode titubear na nobre função. O atraso na adoção de medidas protetivas pode ser irreversível. No caso do PLS nº 89/2015 a adoção das medidas pelo Delegado de Polícia (apreensão de objetos que coloquem a vida da vítima ou testemunha em risco e afastamento temporário e proibição de aproximação da vítima ou testemunha) resguardam a vida daquela pessoa vulnerável, o que requer absoluta urgência na atuação do órgão público. Francisco Sannini Neto22 adverte:
Temos a convicção de que é chegado o momento em que interesses corporativos23 devem ser deixados de lado em respeito aos direitos das vítimas, direitos estes, vale dizer, que são assegurados pela Constituição da República e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil. O delegado de polícia com formação jurídica tem sua origem umbilicalmente ligada ao Poder Judiciário, devendo agir como uma espécie de longa manus do juiz na tutela dos direitos e garantias fundamentais.
5- O Projeto de Lei do Senado nº 90/201524
Também de autoria do Senador Humberto Costa, o projeto de lei nº 90/2015 altera o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), para aprimorar os mecanismos de proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade. Encontra-se, atualmente, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Embora tenha mais de 80% de aprovação na pesquisa pública efetuada pelo Senado, o Senador Flexa Ribeiro rejeitou o projeto em seu voto, alegando que tal ofenderia o princípio da reserva de jurisdição, o que como já se pontuou alhures não é verdadeiro, mormente se considerarmos que o juiz sempre toma conhecimento da medida e da mesma forma o órgão ministerial, sendo a medida submetida a criteriosa análise ministerial e judicial. Também a participação da defesa resta assegurada em nada sendo afetada pelas tais medidas protetivas. Maria Berenice Dias, apud Hoffmann e Carneiro25, se posiciona: “É indispensável assegurar à autoridade policial que, constatada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, aplique provisoriamente, até deliberação judicial, algumas das medidas protetivas de urgência, intimando desde logo o agressor.” Os doutrinadores citados também ponderam que a adoção das medidas homenageia o princípio da eficiência e citando Luís Virgílio Afonso da Silva pontuam que o princípio da proporcionalidade ao mesmo tempo em que veda o excesso, proíbe no mesmo tom a proteção insuficiente.
A alteração no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e que atinge o artigo 45 da lei, permite que o Delegado de Polícia ao tomar conhecimento de situação de risco atual ou potencialmente lesivo a idoso atuará para que cesse o mais rápido possível a violação (seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; seja por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; ou, finalmente, mesmo em razão da condição pessoal senil) adotando medidas protetivas, tais quais encaminhamento à família ou curador, requisição para tratamento da saúde, abrigo em entidade e inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio. Toda esta atuação do Estado requer máxima celeridade no sentido de preservar a vida e a dignidade do idoso. Dados estatísticos do IBGE26 apontam que no Brasil a população idosa atinge 23,5 milhões de pessoas (12,1% do total) e que no mundo existem 810 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (11,5% do total).
O Ministério dos Direitos Humanos, em sua página oficial,27 elenca dois programas principais em relação à pessoa idosa: Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra Pessoa Idosa (o Plano lista mecanismos de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa com base em orientações do Estatuto do Idoso) e Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento (o Plano lista ações para a promoção da saúde e bem-estar na velhice considerando contextos nacionais e internacionais). Quer-nos parecer que as medidas protetivas em sede policial vem a ser uma facilitador na consecução de tais objetivos.
A morosidade na atuação do Estado em relação a graves violações podem fulminar de nulidade direitos consagrados no Estatuto como vida, liberdade, respeito e dignidade. Como diz o artigo 9º da lei que se debate, é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. Neste sentido é inegável que as medidas protetivas efetivam políticas públicas de tutela a este grupo de vulneráveis, medidas estas que necessitam de trâmite rápido.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, será alterado em seu capítulo III, com o acréscimo do artigo 102-A com o objetivo de fazer cessar a violação a direito dos menores (encaminhamento aos pais, responsáveis ou ao Conselho Tutelar; matrícula e frequência em estabelecimento de ensino; inclusão em programas de promoção oficiais de proteção; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico; e inclusão em programas de tratamento a alcoólatras e toxicômanos). Também serão permitidas medidas pertinentes aos pais ou responsáveis e, em casos excepcionais, poderá ser aplicada a medida de afastamento do agressor.
Os direitos das crianças e adolescentes sofrem inúmeras violações no Brasil. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) recebeu ao longo do ano de 2016, 77.290 denúncias de violação dos direitos das crianças e adolescentes, número 3% menor que o registrado em 2015.28
Considerando que a lei, em seu artigo 70, reza que é dever de todos, prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente e que o princípio da proteção integral estampado no ECA (artigo 4º- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária) reclama a efetivação dos direitos deste grupo de vulneráveis, tem-se que medidas protetivas em muito auxiliarão na concretude e preservação destes direitos.
Remover as causas que motivam violações de direitos de direitos humanos estabelecendo-se políticas preventivas é propor a afirmação de tais direitos, segundo a lição de Sorto.29 Ora, quando o agressor é afastado rapidamente da vítima não se está afirmando o direito fundamental à vida? Ou esperar o pronunciamento judicial não é ato temerário e, possivelmente, de efeitos irreversíveis?
6- Os direitos dos vulneráveis e documentos internacionais correspondentes
O Decreto nº 99.720/1990 promulgou a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1990, assinada pelo Brasil juntamente com mais de uma centena de países e que considera criança todo ser humano com menos de 18 anos. Diversos direitos destacados na Convenção restariam melhor assegurados com a aplicação de medidas céleres e protetivas pela autoridade policial.
Já com relação ao idoso, o Brasil assinou a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, no que certamente maior agilidade na promoção dos direitos destas pessoas garantiria melhor resultado àquilo que se propôs: De acordo com o Itamaraty, este é o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculante voltado para a proteção e a promoção dos direitos das pessoas idosas - “Sua aprovação constitui avanço nos esforços para assegurar, em caráter permanente, os direitos desse grupo populacional. A convenção reconhece as pessoas idosas como sujeitos de direitos, empoderando-as e garantindo a sua plena inclusão, integração e participação na sociedade”, destacou o ministério, em nota.30
Também as pessoas com deficiência são objeto de proteção. O Decreto nº 6.949/2009, promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007. As mulheres, por seu turno, foram contempladas, entre outros documentos, pelo Decreto nº 4.316/2002, o qual promulgou o Protocolo Facultativo à Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinado em 1999. Vale ressaltar que o Brasil foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ser tolerante com a violência doméstica praticada contra as mulheres (Relatório CIDH 54/2001)31
Flávia Piovesan32 ressalta a importância dos tratados de direitos humanos
(…) os tratados internacionais de direitos humanos podem contribuir de forma decisiva para o reforço da promoção dos direitos humanos no Brasil. No entanto, o sucesso da aplicação deste instrumental internacional de direitos humanos requer a ampla sensibilização dos agentes operadores do Direito no que se atém à relevância e à utilidade de advogar estes tratados junto a instâncias nacionais e inclusive internacionais, o que pode viabilizar avanços concretos na defesa do exercício dos direitos da cidadania. A partir da Constituição de 1988 intensifica-se a interação e conjugação do Direito Internacional e do Direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. A Carta de 1988 lança um projeto democratizante e humanista, cabendo aos operadores do direito introjetar, incorporar e propagar os seus valores inovadores. Os agentes jurídicos hão de se converter em agentes propagadores da ordem democrática de 1988, impedindo que se perpetuem os antigos valores do regime autoritário, juridicamente repudiado e abolido. Hoje, mais do que nunca, os operadores do Direito estão à frente do desafio de reinventar, reimaginar e recriar seu exercício profissional a partir deste novo paradigma e referência: a prevalência dos direitos humanos. (grifamos)
Qualquer medida que venha a assegurar e dar efetividade aos direitos fundamentais é válida e deve ser implementada. Vivemos na era da máxima efetividade dos direitos humanos. Bobbio33 destaca que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los (…). Não se trata mais de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” E a demora do Estado em fazer cessar a violência contra o vulnerável é quedar-se inerte frente a violação do direito fundamental daquela população.