Por ocasião do VII Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”, promovido pelo IBDS – Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, ocorrido em São Paulo, assisti a irretocável palestra da Professora Judith Martins Costa, intitulada “Boa-fé e Regulação de Sinistro”.
Na referida palestra, a Professora bem salientou a importância do princípio da boa-fé na regulação e liquidação do sinistro, destacando sua função inibidora de condutas desatreladas à correta, leal e transparente apuração do sinistro, ressaltando que, in verbis:
“Agir em proveito alheio está no núcleo finalístico de contratos que contêm obrigação de garantia”.
De fato, o contrato de seguro tem por base a confiança, a segurança do segurado em transferir para o segurador os riscos contratados. A legítima expectativa do segurado é que a seguradora aja em seu proveito, pautada na boa fé.
Destacou a Ilustre Professora que, in verbis:
“A função corretiva da boa-fé veda:
- práticas oportunistas e vexatórias na fase de gestão e liquidação do sinistro;
- o escudar-se em formalismos exacerbados prejudiciais às legítimas expectativas do outro contratante;
- comportamentos contraditórios (deslealmente contraditórios)”
E, ainda na função corretiva da boa-fé, mencionou a Emérita Jurista, o art. 187 do Código Civil, que normatiza expressamente a vedação ao abuso do direito.
Por sua vez, o projeto de Lei de seguros nº 29/2017, atualmente em tramitação no Senado Federal, bem ilustra e normatiza os princípios da boa-fé, probidade e transparência que devem nortear essa fase de execução do contrato de seguro pela Seguradora. Dada a relevância do tema, o projeto ocupou-se de um capítulo específico para tratar da “Regulação e Liquidação de Sinistros”, art. 77 e seguintes.
Depreende-se, portanto, que o processo de regulação de sinistro deve ser realizado no interesse da prestação de garantia, finalidade precípua do contrato de seguro, atendendo-se ao princípio da boa-fé e transparência, vedando-se o abuso de direito, sempre com vistas ao correto esclarecimento, ficando proibidas medidas protelatórias, ilícitas, meramente intimidadoras ou desacompanhadas da lealdade na contraparte.
Na mesma linha, também é direito dos segurados/beneficiários serem devidamente informados acerca das causas que levaram a seguradora à eventual recusa ao pagamento da indenização. Meras respostas abstratas e desprovidas de qualquer justificativa plausível não são mais admissíveis.
Se a Seguradora, por exemplo, alegar a recusa com base em omissões de doenças preexistentes do segurado na declaração pessoal de saúde, deve demonstrar e comprovar qual foi a doença deliberadamente omitida, assegurando-se aos beneficiários o exercício do contraditório, inclusive no âmbito, ainda, da regulação de sinistro.
Mormente no seguro de vida, para a cobertura de morte, onde os beneficiários são pessoas distintas do contratante do seguro, a ausência de informações precisas acerca da recusa e dos documentos comprobatórios por parte da Seguradora, impede que os beneficiários sequer possam avaliar se, de fato, têm ou não algum direito.
Lamentavelmente, não são raras as vezes em que beneficiários se deparam com respostas evasivas, tais como “conforme os documentos que se encontram em nosso poder, o segurado omitiu doença preexistente no ato da contratação do seguro, levando a perda ao direito à indenização.”.
Enfim, o que se observa é que, em muitos casos, as seguradoras, com sua falta de transparência na regulação e conclusão do sinistro, acabam, seja de forma intencional ou não, transferindo, indevidamente, o seu “serviço de atendimento ao cliente” para o Judiciário, contribuindo, assim, para a Judicialização do contrato de seguro.
Tal conduta deve ser veementemente reprimida, pois onera o cidadão de bem e tumultua o Poder Judiciário, causando prejuízos à sociedade como um todo.
A correta e leal liquidação do sinistro, além de ser direito dos segurados/beneficiários, contribui para a diminuição dos litígios e para harmonia nas relações contratuais.