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Juízes que oficiam à OAB para apuração de inépcia de advogados: Alguma violação de prerrogativa?

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05/03/2018 às 10:15
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3. A pretexto de comunicação de fato à OAB, A exposição de profissional à execração pública

Pontuadas as questões retro é preciso verificar algo um tanto distinto da possibilidade de comunicação da inépcia profissional. Como acima referido, seja o cliente prejudicado, seja o Magistrado que presidiu o ato onde se detectou a inépcia profissional, é franqueada a comunicação à Ordem dos Advogados para providências. Ao magistrado, inclusive, é seu dever de ofício.

Situação distinta é a forma de se fazer tal comunicação. Sem qualquer pretensão de proteção a profissionais desidiosos ou demonstradores de inépcia, é preciso trazer novamente ao debate uma frase de grande precisão proferida em julgamento perante o Conselho Federal:

“A suspensão do exercício profissional por inépcia, cuida de medida grave com repercussão imediata e duradoura sobre o patrimônio moral do Profissional do Direito. Milita em favor do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil a presunção de habilitação e capacitação para o exercício da profissão.”[17]

Não é exclusividade da Advocacia o sigilo em processos éticos. Uma situação desta gravidade pode macular toda uma vida profissional, especialmente em se tratando de profissionais em início de carreira. Não se deseja qualquer condescendência com o ilícito. Porém, mesmo no exercício do direito de representação, seja o cliente, seja uma autoridade constituída, não se pode realizar abuso de direito.

A exposição vexatória, espalhafatosa, escandalosa, do profissional e seu nome, sem que se proceda a comunicação com lhaneza é, salvo melhor juízo, passível de efeitos jurídicos.

Poderá — e até mesmo deverá — o profissional valer-se de todos os expedientes para ver sua honra reparada judicialmente.

Note-se: a referência é para exclusivamente casos de abuso de direito[18] e não para casos de regular comunicação[19] do fato. Nem mesmo basta que a representação seja arquivada para que se caracterize potencial lesão a direito do advogado. É essencial o abuso, a má fé, a exposição excessiva ou espalhafatosa capaz de lesar o advogado ou a advogada em seu bom nome e reputação.

3.1. Exemplo de comunicação com extrema lhaneza.

Cumpre referir que as comunicações por parte de Membros do Poder Judiciário dando conta de possível inépcia profissional não são novidades.

Tomemos como exemplo de comunicação feita com extrema lhaneza e discrição a ocorrida nos termos seguintes:

Neste exame precário, que não substitui o da Ordem dos Advogados do Brasil, parece-me que o comportamento processual do Advogado do Autor da ação rescisória subsume nesse dispositivo legal.

[...]

12. Pelo exposto, determino à Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal que encaminhe cópia dos presentes autos à Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, para conhecimento (art. 14 do Código de Processo Civil). [20]

Como se nota, são desnecessárias as bravatas, as ilações, a invasões de atribuição da Ordem como entidade reguladora da Advocacia.

O magistrado pode comunicar ao competente Conselho da Ordem dos Advogados a potencial ocorrência de violação do art. 34, XXIV da Lei 8906, cabendo fazê-lo com auto restrição, para que não efetue juízo de valor que invada a competência da OAB na apuração, e para que se preserve — tanto quanto possível — o profissional alvo da respectiva comunicação.


4. Conclusão

Postas as razões acima, cabe concluir que:

a) O oferecimento de representação em desfavor de advogados ou advogadas por eventual cometimento de violação do art. 34, XXIV da Lei 8906/96 (reiterada inépcia profissional) pode ser realizado por autoridades públicas ou por qualquer pessoa interessada que tenha ciência dos fatos;

b) No caso específico do Magistrado que eventualmente presidiu o ato processual ou teve acesso à peça profissional onde o advogado ou a advogada cometeram a inépcia, pode atuar mediante Ofício ao respectivo Conselho da Ordem, sempre anexando cópias comprobatórias da inépcia;

c) Tratando-se de ato de apuração ético disciplinar, especialmente diante do alto poder de lesão que desde uma acusação deste tipo pode causar ao nome e reputação profissional, cumpre, desde o Ofício de representação, tratar a questão com máxima objetividade e discrição, em particular reservando-se o Juízo de Valor para a fase de apuração e processamento do processo disciplinar, a ocorrer perante o Tribunal de Ética e Disciplina;

d) É direito (em verdade é um dever) da autoridade pública oficiar à Ordem dos Advogados os casos de inépcia que eventualmente identificar. Como autoridade pública, toda e qualquer violação legal deve ser objeto da comunicação devida;

e) Eventual excesso no ato de comunicar ou representar pode ser alvo de sanção judicial, mesmo a título de reparação moral, pois — situação que só pode ser avaliada nos casos concretos — mesmo no exercício de direitos podemos tangenciar o que se costuma denominar por abuso de direito ou excesso;

f) Não cabe à Presidência dos Conselhos Seccionais a emissão de juízo de valor quanto ao Ofício ou Representação por violação do art. 34, XXIV, sem antes designar Relator, e este emitir seu posicionamento. Caberá ao Presidente do Conselho respectivo decidir por arquivamento sumário apenas nos casos de o Relator opinar neste sentido. Caso o relator não opte pelo arquivamento sumário, deverá proferir despacho ao Tribunal de Ética, na forma do art. 73 caput da Le 8906;

g) Tratando-se de processo disciplinar, todo “denunciante” deve ser comunicado do resultado, ainda que seja pelo arquivamento. Logo, não é qualquer afronta ao Conselho Seccional ou Federal a solicitação de aviso sobre o deslinde das representações.

h) Escoimadas as incongruências da legislação, podemos identificar que, de acordo com as decisões do Conselho Federal da OAB sobre o tema, são elementos essenciais para a sanção:

(i) Primeiro, é dever ético do advogado o aprimoramento pessoal e profissional, no que se justifica o tipo disciplinar do art. 34, XXIV da Lei 8906, bem como sua severidade;

(ii) O conceito de inépcia profissional não se confunde com o de simples inépcia de petição inicial. O advogado que não demonstra conhecimentos técnicos de direito material e processual e mesmo do idioma pátrio, formulando pedidos incabíveis e petições ou sustentações orais sem nexo, mostra-se, em tese, inapto para o exercício da advocacia, na forma de decisões do Conselho Federal;

(iii) Não basta um ato isolado para a aplicação da sanção de suspensão. Todavia, se um destes atos for constatado em processo administrativo regular, poderá somar-se para efeito de cômputo com outros atos que forem comunicados, concomitantemente ou não;

(iv) Não basta que um erro seja identificado em várias peças processuais. É necessária a noção de continuidade na inépcia. Todavia, não se descarta a hipótese de, num mesmo processo, serem praticados tantos atos ineptos, e de tamanha gravidade, que, eventualmente, sejam suficientes para a aplicação da sanção.

i) Os processos disciplinares, desde os atos de representação, devem guardar discrição ou sigilo até que sobrevenha decisão. Eventual excesso no ato de representar, caso chegue a caracteriza abuso de direito, poderá ser levado ao Poder Judiciário.

j) A prova de habilitação prevista para o encerramento da suspensão tem sido interpretada como nova aprovação em exame de ordem. Nada obstante, de le ferenda, é possível à Ordem dos Advogados regulamentar outras formas de habilitação para o caso do art. 34, XXIV, como cursos específicos de aperfeiçoamento, desde que credenciados pela OAB ou por ela oferecidos.

k) É nossa opinião que, em se tratando de suspensão, o encerramento da sanção após nova habilitação, deve conduzir ao mesmo número de inscrição, e todos os efeitos dele decorrentes, apenas escoimado o período de suspensão. Todavia, se reiteradas forem as suspensões, e estas se converterem em exclusão, deve-se então gerar número de inscrição novo, e, de igual modo, iniciar-se do zero a contagem do tempo de inscrição.

l) Por derradeiro, é preciso encarar as questões éticas de maneira menos conflituosa. Assim como cabe à Ordem dos Advogados comunicar às Corregedorias de Justiça eventuais erros de Magistrados, também os Magistrados devem reportar à Ordem dos Advogados eventuais erros dos profissionais de advocacia. Com um agravante: sendo autoridades públicas constituídas, os Magistrados não apenas podem como têm o dever de ofício de comunicar toda potencial infração que for de seu conhecimento.


Notas

[1] http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/2/art20180205-07.pdf

[2] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI275091,11049-Magistrado+diz+que+advogada+nao+esta+capacitada+para+exercer+a

[3] O texto original se encontra no link http://www.oabma.org.br/agora/noticia/nota-de-repudio-3314, mas também pode ser acessado em http://gilbertoleda.com.br/2018/02/05/oab-ma-repudia-desembargador-que-mandou-advogado-refazer-exame-de-ordem/

[4] Por exemplo: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI275091,11049-Magistrado+diz+que+advogada+nao+esta+capacitada+para+exercer+a

[5] http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/11/art20151104-01.pdf

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm

[7] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/4629?title=0046-2006-oep&search=0046%2F2006%2FOEP

[8] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/8452?title=2010-08-06698-05&search=RECURSO%202010.08.06698-

[9] Vejamos que a exclusão pode ocorrer por atos tão ou mais gravosos, como prescritos nos incisos XXVI a XXVII do artigo 34:

“XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;

XXVII - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;

XXVIII - praticar crime infamante;”

[10] Não se faz a referência o tempo profissional de forma vaga. Inúmeras situações na Ordem dos Advogados demando prazo específico de inscrição regular. Por exemplo a participação em cargos eletivos (art. 63, §2º da Lei 8906), ou a participação no quinto constitucional (art. 94 da Constituição Federal).

[11] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1516?title=2439-2001-sca&search=Ementa%20020%2F2002%2FSCA

[12] Da Lei 8906, salvo melhor juízo, não existe previsão para o Presidente do Conselho ou a Diretoria realizarem atos de valor e determinarem ex officio o arquivamento de representação recebida. Por mais excessiva em seus termos, a representação deve ser processada na forma da Lei. Ainda que escoimada dos exageros e abusos. Caberá ao Relator designado opinar, se for o caso, pelo arquivamento. Poderá o Presidente ou Diretoria proporem o desagravo quanto eventuais excessos na exposição do representado. Nada obstante, não se deve dispensar o processamento da representação, ainda que na forma do §2º do art. 73 seja sugerido seu arquivamento sumário pelo relator.

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[13] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/9715?title=49-0000-2011-006932-0&search=RECURSO%2049.0000.2011.006932-0%2FSCATTU

[14] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[15] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/4029?title=0317-2005-sca&search=RECURSO%20N%C2%BA%200317%2F2005%2FSCA

[16] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1952?title=0352-2002-sca&search=Ementa%20094%2F2003%2FSCA

[17] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1952?title=0352-2002-sca&search=Ementa%20094%2F2003%2FSCA

[18] Nos casos de atuação imoderada e abusiva tem-se reconhecido o direito à indenização por danos morais: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. REPRESENTAÇÃO CONTRA ADVOGADO, FORMULADA PERANTE O ÓRGÃO REPRESENTATIVO DE CLASSE (OAB/SC). EXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL (LEI FEDERAL N. 4.215/63, ART. 119, E A ATUAL LEI N. 8.906/94, ART. 72). ATUAÇÃO, ENTRETANTO, ANORMAL E IMODERADA DA PESSOA INTERESSADA. INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, REQUERIDA POR MEIO DE ADVOGADO. IMPUTAÇÃO DE FALTA DE ÉTICA E DE PATROCÍNIO INFIEL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR QUE ENCONTRA REGRAMENTO DE NATUREZA PENAL (ART. 355 DO CP). FUNDAMENTOS DE FATO UTILIZADOS EM DEMANDA JUDICIAL NO INTERESSE DO REPRESENTANTE E COM REPERCUSSÃO NA ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS REPRESENTADOS. INSUCESSO DA REPRESENTAÇÃO E DAS AÇÕES JUDICIAIS ENCETADAS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA O DANO, QUE SE CONSUMOU COM A IMPUTAÇÃO DE CONDUTA PROFISSIONAL INCOMPATÍVEL. REPUTAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL QUE INTEGRAM O DIREITO DA PERSONA-LIDADE. ABUSO DE DIREITO CARACTERIZADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 160, I, DO CÓDIGO CIVIL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO DO QUANTUM. CRITÉRIOS. RECURSO PROVIDO.    Consoante previsto em lei, "não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido" (CC, art. 160, I), donde se conclui, a contrario sensu, que ilícito é o ato praticado no exercício não regular de um direito, ou o seu uso anormal.    "O que a lei não tolera é que o direito seja exercido de maneira imoderada. Não tolera a atuação anormal" (J. M. de Carvalho Santos). (TJSC, Apelação Cível n. 1997.011244-0, da Capital, rel. Des. Cesar Abreu, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 26-08-1999).” No voto condutor foi realizada inclusive a verificação de ter o representante dado ciência da representação a terceiros, ao comunica-la judicialmente como forma de tentar anular atos processuais: “E não é só. Essa representação que, em tese, não deveria ultrapassar o âmbito interno do órgão representativo da classe, afeito a dar a tais ocorrências a sua exata dimensão e alcance, sem lhes permitir alarde e notoriedade prejudiciais aos seus filiados (art. 119 do Estatuto anterior e 72 da Lei n. 8.906/94), alcançou o processo judicial, denunciada a prática, como forma de desfazer o acordo judicialmente homologado, com a mesma força e vigor da representação encetada, assinalado o vício de vontade. É o que se colhe da petição inicial da ação cautelar inominada (fls. 14/20), preparatória da ação de anulação de ato jurídico, declarada extinta, por sentença, diante do abandono da causa pelo autor (fls. 45/80); da própria AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO (fls. 51/58), igualmente, na mesma sentença, declarada extinta, também por abandono da causa.”

[19] Nos casos de regular comunicação, de boa fé, sem excessos, a jurisprudência não reconhece qualquer dano o abalo moral ao representado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPRESENTAÇÃO CONTRA ADVOGADO JUNTO AO CONSELHO DE ÉTICA DA OAB. ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL AUSENTE. Ação que visa indenização por danos morais em face de representação. Não veio aos autos prova no sentido de que a requerida atuou com má-fé ou com o intuito de prejudicar o autor quando ouvida em juízo. O que efetivamente caracteriza o abuso é o anormal exercício do Direito, assim entendido aquele que se afasta da ética, da boa-fé, da finalidade social ou econômica, enfim, o que é exercido sem motivo legítimo, do que aqui não se cuida. Doutrina e jurisprudência. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 7004734869, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 19/07/2012)”

[20] AR 2241 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 14/09/2011, publicado em DJe-182 DIVULG 21/09/2011 PUBLIC 22/09/2011.

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Sobre o autor
Luiz Henrique Antunes Alochio

Doutor em Direito (UERJ)Mestre em Direito Tributário (UCAM) Sócio em Alochio Advogados.www.alochio.com.br+55(27) 3075-3545

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Juízes que oficiam à OAB para apuração de inépcia de advogados: Alguma violação de prerrogativa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5360, 5 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64492. Acesso em: 19 abr. 2024.

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