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Unidades de conservação como instrumento de gestão ambiental para a preservação do bioma cerrado

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05/04/2018 às 12:22
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A Constituição não reconheceu o cerrado como patrimônio nacional, dispensando, contudo, a outros biomas de biodiversidade menos expressiva tal proteção.

1. INTRODUÇÃO

Com a finalidade de assegurar a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal de 1988, no inciso III do §1º, do art. 225, incumbiu ao Poder Público a criação de espaços especialmente protegidos. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, instituído pela Lei Federal nº 9.985/00, regulamenta o disposto na Constituição da República e se consubstancia pelo conjunto de Unidades de Conservação federais, estaduais, municipais e particulares.

Diante desse quadro, almeja-se, modestamente, chamar a atenção, em especial da comunidade acadêmica, para a necessidade de criação de novas Unidades de Conservação e de sua manutenção efetiva para preservar o Bioma Cerrado, tão rico, mas tão devastado.

2. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA frente À PROTEÇÃO DE RECURSOS NATURAIS E À CRIAÇÃO DE ESPAÇOS AMBIENTAIS protegidos

A legislação ambiental brasileira evoluiu ao longo dos anos, culminando com o estabelecimento de leis que visam a preservação da biodiversidade de forma integral ou sustentável e outras que tipificam condutas atentadoras ao meio ambiente, tais como as resoluções elaboradas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/00) e o Novo Código Florestal (Lei 12.651/12). 

Em 1965, foi editado o Código Florestal, revogado pela Lei 12.651/12, o qual previa a criação de Unidades de Conservação de uso indireto e de uso direto, portanto, de proteção integral e de uso sustentável, como são denominadas atualmente.

Em 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938, foi um avanço em termos de proteção ao meio ambiente, no sentido de objetivar a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental, assegurando condições ao desenvolvimento sócio-econômico e à proteção da dignidade da vida humana. Definiu conceitos, previu instrumentos de gestão ambiental, criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA (com competências ambientais no âmbito federal, estadual e municipal) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA. Ainda, dispôs acerca da criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, bem como reservas extrativistas. Desse modo, o direito ao meio ambiente equilibrado foi, finalmente, positivado.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi destinado especificamente um capítulo ao meio ambiente, elevando tal direito à categoria de direito constitucional, considerado, outrossim, direito fundamental, devendo protegê-lo e preservá-lo o Estado e a coletividade.

Com efeito, objetivando assegurar a todos a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, a Constituição Federal de 1988, no inciso III do §1º, do art. 225, encarregou ao Poder Público a criação de espaços especialmente protegidos, ao dispor que seria sua incumbência: “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção". 

Por conseguinte, ao regulamentá-lo, a Lei nº 9.985/2000 instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza-SNUC, cujos objetivos, elencados em seu art. 4º, demonstram a preocupação do legislador em preservar os espaços naturais. Nesse sentido, a Lei do SNUC dispôs sobre a criação de espaços ambientais protegidos, definindo categorias de Unidades de Conservação, como as de uso sustentável e as de proteção integral, revelando uma perspectiva socioambiental, como consequência do embate entre conservacionistas e preservacionistas.

Por sua vez, o §4º, do art. 225, da Constituição de 1988, define como patrimônio nacional a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. Assim, não obstante a riqueza e a importância do Bioma Cerrado, foi ele esquecido pelo Poder Constituinte de 88.

3. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

De acordo com o art. 3º, da Lei nº 9.985/2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza é composto pelo conjunto das Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais. Segundo o art. 2º, inciso I, da Lei do SNUC, Unidade de Conservação é o "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção".

A referida lei, em seu art. 4º, elenca os objetivos do SNUC, dentre os quais vale destacar: a manutenção da diversidade biológica no território nacional; a proteção das espécies ameaçadas de extinção; a preservação e a restauração da diversidade dos ecossistemas; a promoção do desenvolvimento sustentável; o incentivo às atividades de pesquisa científica; a valorização econômica e social da diversidade biológica; a promoção da educação ambiental; e a proteção dos recursos naturais necessários às populações tradicionais.

Em virtude da diversidade biológica e sociocultural e objetivando criar uma ampla estratégia de preservação, o SNUC divide as Unidades de Conservação em dois grandes grupos, conforme seu artigo 7º.

O primeiro grupo são as Unidades de Conservação de proteção integral, que visam a preservação da biodiversidade em áreas com nenhuma ou pouca intervenção humana, fazendo uso indireto dos recursos naturais, de forma que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, com exceção dos casos previstos na própria lei. Tal grupo é composto pelo Parque Nacional, pela Estação Ecológica, pela Reserva Biológica, pelo Monumento Natural  e pelo Refúgio da Vida Silvestre.

O segundo grupo é constituído pelas Unidades de Conservação de uso sustentável, que conciliam a preservação da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais, mantendo a biodiversidade e demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável. Integram tal grupo as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável.

4. Características do Bioma Cerrado brasileiro e a importância de sua conservação

Consoante Diniz et al. (2010, p. 28), o Cerrado possui uma história antiga de evolução, que passou a despertar o interesse da ciência a partir das expedições realizadas pelos naturalistas europeus no século XIX, sobretudo a partir do século XX, quando houve a consolidação da comunidade científica brasileira.

É o segundo maior Bioma da América do Sul, com uma extensão de 2 milhões de km², ou seja, cerca de 25% do território nacional (WWF, 2012). Percorre os Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal (IBGE, 2004). Possui grande disponibilidade de recursos hídricos, tendo em vista que as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata) fazem parte de seu espaço territorial (WWF, 2012).

Segundo o WWF (2012), "nove em cada dez brasileiros consomem eletricidade gerada com águas do Cerrado, que geram metade da energia produzida no país".

Considerado um dos 34 hotspots de biodiversidade do planeta (Conservation International, 2012), por ser um dos Biomas mais ricos e ameaçados do planeta, o Cerrado apresenta alta riqueza de espécies, estimada em 30% da diversidade biológica do Brasil (DINIZ et al., 2010, p. 189).

Segundo estudo do WWF (2012), o Cerrado abriga 150 espécies de anfíbios, 120 de répteis, 161 espécies de mamíferos, 90 mil espécies de insetos, 1.200 tipos de peixes, 837 espécies de aves, bem como mais de 11,6 mil tipos de plantas catalogadas, o que "significa que o Cerrado protege 5% de todas as espécies mundiais e três em cada dez espécies brasileiras".

O relevo do Cerrado tem poucas elevações, com vegetação esparsa de árvores baixas, retorcidas e de casca grossa, características que o inferiorizaram por muito tempo (WWF, 2012). No entanto, é "fonte de culturas e paisagens de surpreendente exotismo e rara beleza, com alto potencial turístico e econômico" (WWF, 2012).

Possui inúmeros campos naturais, veredas e florestas, com muitos rios, córregos e cachoeiras (WWF, 2012).

De acordo com análise do WWF (2012), metade da vegetação original do Cerrado foi desmatada pela plantação de soja, algodão e cana-de-açúcar, pela pecuária extensiva, pela geração de energia e pela urbanização, estimando-se que apenas uma área de 20% do Bioma esteja intacta, vez que suas áreas remanescentes encontram-se muito fragmentadas.

Com efeito, conforme projeto elaborado pela SEMARH (2011), o estágio atual de desmatamento do Cerrado é grave:

Estudos têm mostrado que o Cerrado está seriamente ameaçado. Um número considerável de espécies animais e vegetais está ameaçado de extinção. O desmatamento foi extremamente elevado nas últimas décadas, atingindo 2,6 milhões de hectares (ha) por ano, o que equivale a 7.000 hectares por dia. Estimativas indicam que apenas 20% da cobertura vegetal original permanecem em um estado próximo do natural, mas menos de 9% mantém-se em fragmentos maiores que 1.000 ha, considerada a dimensão mínima viável para a manutenção de populações geneticamente viáveis. Seguindo essa tendência, o Bioma desaparecerá até 2030.

Assim, o Cerrado teve uma área de 43,6% desmatada até 2002 e de 47,8% até o ano de 2008. Nos anos de 2009 e 2010, a taxa anual de desmatamento foi de 0,3%, sendo a maior taxa de supressão em relação aos outros Biomas brasileiros, segundo relatório do MMA; IBAMA (2011).

Ainda, acerca da degradação do Cerrado, extrai-se de projeto realizado pela SEMARH (2011) que:

Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o Bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Com a crescente pressão para a abertura de novas áreas, visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação, tem havido um progressivo esgotamento dos recursos naturais da região. Nas três últimas décadas, o Cerrado vem sendo degradado pela expansão da fronteira agrícola brasileira. Além disso, o Bioma Cerrado é palco de uma exploração extremamente predatória de seu material lenhoso para produção de carvão.

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Conquanto de inegável importância para o país, a Constituição Federal não reconheceu o Cerrado como patrimônio nacional, dispensando, contudo, a outros Biomas de biodiversidade menos expressiva tal proteção (MOURA, 2012, p. 34). Destaque-se que o reconhecimento do Cerrado como patrimônio nacional é objeto de Projeto de Emenda à Constituição, aprovado no Senado Federal e atualmente encaminhado à Câmara dos Deputados. A inclusão do Cerrado como patrimônio nacional ensejaria maior proteção pelo Estado, viabilizando a realização de cooperações internacionais (MACARENHAS, apud MOURA 2012, p. 34).

Não obstante ser proclamado internacionalmente como um hotspost, além de sua riqueza e extensão, sendo o segundo maior Bioma da América Latina, a Constituição Brasileira não reconheceu a importância do Cerrado para a biodiversidade do país e do planeta ao negligenciar sua inclusão como patrimônio nacional do país.

Destarte, destaque-se a importância da instituição de espaços especialmente protegidos, regulamentados pela Lei nº 9.985/2000, como forma de proteção à biodiversidade do Bioma Cerrado, o qual urge por medidas prioritárias de conservação.

5. análise da IMPORTÂNCIA das Unidades de Conservação para a preservação da biodiversidade do Cerrado e a necessidade de sua instituição

Atualmente as Unidades de Conservação protegem 8,2% da área do Cerrado (CNUC, 2012). Em 2006, o Brasil estabeleceu a meta de conservação de 10% da área do Cerrado, como resposta ao Plano Estratégico da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas - CDB (MMA, 2011). A referida Convenção estabeleceu que cabe aos países signatários criar e manter adequadamente diversas Unidades de Conservação, capazes de atender à conservação da biodiversidade, à utilização sustentável de seus componentes e à divisão justa e igualitária de seus proveitos (MEDEIROS et al., 2011, p. 8). No ano de 2010, na COP10 realizada pela CDB, novas Metas Globais de Biodiversidade foram definidas para serem cumpridas nos anos de 2011 a 2020 (MMA, 2011).

No entanto, a área de 8,2% do Cerrado efetivamente protegida é pequena e há necessidade de criação de novas Unidades de Conservação no âmbito federal, estadual, municipal e particular, tendo em vista que o Cerrado possui mais de 400 áreas prioritárias de conservação, consoante estudo realizado pelo WWF (2012), com base em mapeamento do Governo Federal.

De acordo com o MMA (2011), o baixo investimento nas Unidades de Conservação resulta da falta de conhecimento acerca do retorno financeiros que tais espaços podem propiciar quando efetivamente instituídos.

Contudo, as Unidades de Conservação possibilitam que setores econômicos e a população brasileira usufruam de seus benefícios, como por exemplo, suas águas que compõem os reservatórios das usinas hidrelétricas, o desenvolvimento de fármacos e cosméticos produzidos por espécies protegidas, o turismo que auxilia a economia dos municípios e a mitigação de gases de efeito estufa decorrentes da degradação dos ecossistemas naturais (MEDEIROS et al., 2011, p. 6).

Cumpre salientar que, de acordo com Medeiros et al. (2011, p. 38), as Unidades de Conservação são extremamente necessárias para a promoção da preservação ambiental e da provisão de serviços ambientais, os quais são importantes para uma série de cadeias econômicas.

De acordo com estudo realizado pelo MMA (2011), são permitidos usos econômicos de efeitos positivos imediatos à economia regional em 88,3% da área protegida pelas Unidades de Conservação, por meio de atividades de produção florestal, extrativismo, turismo, agropecuária, agricultura e atividades de baixo impacto ambiental; a área de 11,7% restante é capaz de favorecer o desenvolvimento local.

Consoante estudo realizado por Diniz et al. (2010, p. 26), nos municípios onde a cobertura vegetal nativa foi mantida, por meio das Unidades de Conservação, as populações locais possuem opções de desenvolverem suas atividades econômicas de forma sustentável.

Ademais, o ICMS Ecológico garante a transferência anual de mais de R$ 400 milhões dos Estados para os Municípios, como compensação pela criação e  manutenção das Unidades de Conservação em seus territórios (MEDEIROS et al., 2011, p. 38).

Apesar de insuficientes para garantir sua perpetuação, as Unidades de Conservação do Cerrado protegem belezas incomparáveis e têm um importante papel nas economias locais e regionais, sendo que "cerca de 300 plantas nativas do Cerrado são usadas como alimento, remédio ou matéria-prima para artesanato, principalmente por populações tradicionais" (WWF, 2012).

Em relação aos proveitos trazidos à sociedade, as Unidades de Conservação geram benefícios diretos para a população, visto que protegem mananciais de água, auxiliando a regular o clima, contendo erosões, oferecendo lazer e turismo, preservando riquezas culturais e fornecendo alternativas econômicas sustentáveis de desenvolvimento (MMA, 2012). Investir em tais espaços, portanto, “significa retorno imediato na forma de benefícios sociais e econômicos para todos os brasileiros" (MMA, 2012).

6. CONCLUSÃO

Para que sejam logrados os propósitos da Constituição Federal e da Lei 9.985/00, o Poder Público deve investir nas Unidades de Conservação, vez que constituem uma das mais eficientes formas de proteção da diversidade biológica, mormente para a preservação do Bioma Cerrado. Assim, necessária a criação de corredores ecológicos e mosaicos para que tal proteção seja realmente efetiva.

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Sobre a autora
Raquel Giovanini de Moura

Defensora Pública Federal. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Foi advogada, com atuação na área criminal, e pesquisadora bolsista voluntária de Iniciação Científica, tendo desenvolvido pesquisas na área de Propriedade Intelectual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Raquel Giovanini. Unidades de conservação como instrumento de gestão ambiental para a preservação do bioma cerrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5391, 5 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64662. Acesso em: 21 nov. 2024.

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