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O mito da eleição direta para presidente dos tribunais

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17/08/2018 às 15:38
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5. A Esfera do Poder Legislativo: as Eleições para a Presidência das Casas do Congresso Nacional

É interessante destacar que no âmbito do Poder Legislativo - no que pertine ao fato de não recair na massa da população com capacidade eleitoral ativa a escolha de seus cargos diretivos -, a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados igualmente não inclui os senadores, que também são congressistas, sendo certo que, inclusive, para eleição da Mesa Diretora do Senado Federal - incluindo o cargo de Presidente do Senado e de todo o Congresso Nacional -, não votam os deputados federais[12], mesmo sendo fato que, nos trabalhos conjuntos englobando ambas as Casas Legislativas, a presidência recai sobre um senador, escolhido exclusivamente por seus pares.


6. O Clamor pela Democratização do Poder Judiciário

Resta incontestável que uma das naturais aspirações de um juiz de carreira, - que através de seus reconhecidos méritos logrou aprovação em dificílimo concurso público de acesso -, é não somente ser promovido ao respectivo tribunal a que se encontra adstrito, na medida em que avança temporalmente na carreira, como também participar mais ativamente das decisões que, em grande medida, alteram os rumos do Poder Judiciário.

É exatamente dentro desse contexto que não somente se faz imperativa, como, igualmente, se almeja, - como um autêntico clamor de seus membros -, uma verdadeira "democratização do Poder Judiciário". Tal pretensão, legítima em sua origem e em sua intenção, - resta lícito concluir -, passa, necessariamente, por amplas e profundas mudanças estruturais que afastem definitivamente o conservadorismo predominante, sobretudo aquele ditado pelo poder político a que, reconhecidamente, o Judiciário se encontra criticavelmente subordinado.

Assim, é de se registrar que, essencialmente, as legítimas aspirações dos magistrados de 1º grau, em última análise, não são satisfeitas pelo simples fato de que os mesmos não possuem o direito de eleger (ou serem eleitos para) os cargos de direção dos Tribunais, mas, muito mais acertadamente, porque dificilmente chegarão a estes importantes cargos pelo isento critério de antiguidade em razão da própria carreira não permitir esta natural evolução gradualística, em razão, sobretudo, de antidemocráticas intervenções políticas externas que permitem admitir, de forma ampla e gradual, nas instâncias superiores, o ingresso de juízes oriundos de outras carreiras ou funções, como a advocacia ou o Ministério Público, e que, - além de simplesmente não se submeterem ao concurso público de acesso à magistratura nacional -, subvertem a natural ordem hierárquica implícita em todas as carreiras do serviço público (situação em que a carreira da magistratura não pode ser apontada como exceção), em efetivo prejuízo das mais corriqueiras aspirações daqueles que continuam a aguardar, ano após ano, por uma ansiada promoção aos Tribunais dos mais variados graus e, porque não, à última instância, ou seja, ao Supremo Tribunal Federal.

Este é exatamente o cerne da questão democrática que precisa ser verdadeiramente enfrentado, sem os "desvios de atenção" que se pretende, ainda que inconscientemente, impor, camuflando os verdadeiros caminhos a serem trilhados para efetivamente se avançar no processo democrático, rompendo com as últimas amarras da herança autoritária do período getulista.

Senão, vejamos: 100% das vagas de Juízes de 1º grau são, atualmente, providas exclusivamente por candidatos que, unicamente pelo critério meritório do concurso público de provas e títulos, lograram aprovação no mesmo, revelando um grande avanço democrático, na exata medida em que, no período compreendido entre 1966 e 1973, os cargos de juízes federais de 1º grau eram providos por simples indicação política do Poder Executivo[13].

Todavia, nos Tribunais Intermediários, por uma herança da Era Vargas[14] (até hoje não objeto de necessária correção democratizante), apenas 80% das vagas de desembargadores (Juízes de 2º grau) são destinadas aos magistrados de carreira e, ainda assim, apenas metade destas, ou seja, 40% do total são reservadas aos juízes de 1º grau pelo critério de antiguidade, sem qualquer ingerência política[15].

Nos Tribunais Superiores a situação é ainda mais desafiadora, posto que no Tribunal da Cidadania, o STJ, órgão de cúpula das justiças comum  local (estadual e distrital) e federal, o quinto constitucional é transformado em terço constitucional, ou seja, o percentual de 80% de acesso de juízes de carreira é reduzido para 67%, sendo certo que todas as vagas são providas por critérios políticos de formação da lista tríplice com posterior escolha discricionária e soberana pelo Chefe do Poder Executivo[16].

No Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula de todo o Poder Judiciário, todas as vagas (11 no total), insta salientar, são exclusivamente providas por livre escolha do Chefe do Executivo, excluída qualquer vinculação à necessária nomeação de juízes de carreira[17].

O clamor por mais democracia no Poder Judiciário, portanto, preconiza, em tom sublime, uma maior defesa pelo fortalecimento da carreira, o que se traduz pelo reforço dos critérios meritórios e, consequentemente, por cada vez menos ingerências políticas de outros Poderes e, sobretudo, menor politização interna corporis, reafirmando o preceito democrático de amplo acesso de seus membros exclusivamente por critérios de antiguidade que melhor traduzem os esforços naturais de desempenho na carreira judicante.


7. Conclusões

É importante salientar que, nos últimos tempos, o verbo "democratizar" ganhou uma notável importância que, entretanto, não tem sido acompanhada de sua correspondente e correta interpretação.

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Democratizar não significa, necessariamente, tornar todas as funções do Estado elegíveis e, de igual forma, ampliar irrestritamente o Colégio Eleitoral daquelas em que se faz pertinente o critério de escolha.

Em verdade, é muito mais o princípio do amplo acesso, - ainda que por critérios distintos da eleição, tais como o concurso público -, o caminho que se revela mais democrático para o preenchimento dos cargos e funções do Estado, em praticamente todos os seus níveis, notadamente nos que se exercem à margem da política e que se afirmam por desempenho técnico.

No caso específico da função judicante, não é possível deixar de reconhecer que, hodiernamente, esta se perfaz através de um viés no qual a experiência de vida permite uma interpretação crescentemente mais justa das leis, tornando-se cada vez melhor quanto maior for o tempo em atividade. Relembre-se, neste sentido, que, na antiguidade, os julgamentos eram efetuados por conselhos de anciãos, ou seja, a "justiça" era proporcionada pelos indivíduos mais experientes no seio social, reconhecendo-se a maturidade, a experiência de vida e o conhecimento prático e teórico acumulado ao longo do tempo como essenciais ao mister da função jurisdicional e administrativa correlata.

É exatamente por esta razão que não é possível que se cogite faltar democracia no fato de continuarmos a seguir o consagrado critério de antiguidade na eleição de presidentes dos Tribunais pátrios, como medida de salutar equilíbrio e não-politização do Poder Judiciário nacional, seguindo os melhores e mais diversos exemplos presentes nos países mais democráticos da atualidade, bem como do próprio processo de democratização do Judiciário, inaugurado a partir de 1946, que buscou sepultar, em definitivo, o "populismo" da Ditadura Vargas, que permitiu curvar todos os Tribunais sobreviventes (é importante lembrar que a Constituição de 1937 simplesmente extinguiu a Justiça Federal) às suas ordens e interesses, através, e sobretudo, da aplicação do amplo critério eletivo (e eleitoreiro) de seus Presidentes.

Não é por outra sorte de considerações, portanto, que devemos sempre ter em mente que o verdadeiro caminho para a democratização do Judiciário passa, não pela politização tanto de sua estrutura como de seus membros, mas sim (e principalmente) pelo fortalecimento da própria carreira (exclusivamente composta de magistrados concursados), como ainda e fundamentalmente, pela sinérgica efetividade do poder jurisdicional inerente aos magistrados de 1º grau, o que implica dizer em restringir os inúmeros recursos e a ampla gama de nefastos efeitos suspensivos que vêm transformando, na prática, os juízos monocráticos em simples juízos de instrução, como bem assim seus respectivos julgadores em meros magistrados de iniciação processual[18].

Por efeito conclusivo, é exatamente a despolitização e o afastamento do caráter populista e eleitoreiro nos Tribunais que, historicamente, - ao reverso do que preconizam os mais desavisados -, se constituem na grande e verdadeira conquista democrática pós-ditadura Vargas, sendo certo que ainda resta o desafio de ver sepultada a última herança daquele sombrio regime, ou seja, a extinção da figura política do quinto constitucional, a permitir, por derradeiro, a prevalência do critério meritocrático de acesso a todos os Tribunais, com a consequente promoção de seus membros circundada exclusivamente aos juízes de carreira, afastando-se, desta feita, qualquer ingerência política de outros poderes ou mesmo de politizações indesejadas, em efetiva consagração da democracia (e dos valores democráticos) que preconiza a existência de um Poder Judiciário realmente independente. Afinal, não é do interesse do povo brasileiro que o Poder Judiciário venha a se transformar em simples Serviço Judiciário.


Referências Bibliográficas

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  • HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
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Sobre os autores
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Luciano Aragão

Mestre em Direito das Relações Econômicas. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado, Sócio da Aragão Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis ; ARAGÃO, Luciano. O mito da eleição direta para presidente dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5525, 17 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64826. Acesso em: 23 abr. 2024.

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