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O mito da eleição direta para presidente dos tribunais

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17/08/2018 às 15:38
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Notas

[1] A PEC 187/2012 teve sua origem encabeçada pelo Deputado Wellington Fagundes, congressista filiado ao Partido da República (PR) e eleito pelo estado do Mato Grosso. Foi apresentada em 05/06/2012, tramitando sob o regime especial, sendo a última ação legislativa referente a ela a aprovação de parecer pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em 15/10/2013.

[2] A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas logo após o início do período ditatorial do Estado Novo e que ficou conhecida vulgarmente como a "Polaca", em virtude de sua grande semelhante com a contemporânea constituição autoritária da Polônia, simplesmente extinguiu a Justiça Federal, bem como retirou poderes dos Tribunais pátrios, dentre eles o de elegerem seus próprios dirigentes, restando apenas o disposto em seu art. 93, verbis:

"Art 93 - Compete aos Tribunais:

        a) elaborar os Regimentos Internos, organizar as Secretarias, os Cartórios e mais serviços auxiliares, e propor ao Poder Legislativo a criação ou supressão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos;

        b) conceder licença, nos termos da lei, aos seus membros, aos Juízes e serentuários, que lhes são imediatamente subordinados."

[3] Constituição de 1946: art. 97, I; Constituição de 1967: art. 110, I; Constituição de 1988: art. 96, I, "a''.

[4] É conveniente lembrar que toda a estrutura corporativa, - seja no contexto interno dos Tribunais, ou mesmo de todo o Poder Judiciário -, encontra-se indubitavelmente construída sobre os pilares do critério da antiguidade na carreira. Assim, a própria organização da disposição física (assentos) no Plenário é por ordem de antiguidade, bem como, nos juízos monocráticos, o acesso à titularidade das Varas Judiciárias é realizado por antiguidade, sendo certo que quando providas (quer a titularidade dos juízos, que a promoção ao tribunal) pelo critério alternativo de merecimento, os juízes precisam figurar necessariamente na quinta parte da lista de antiguidade.

[5] É de se pensar refletidamente que a aprovação da PEC 187/2012 abriria um importante precedente para se promover, em uma segunda etapa, a ampliação da medida supostamente "democratizante" para os Tribunais superiores - e mesmo para o STF -, permitindo-nos questionar, neste momento, que, caso tal hipótese já se constituisse em uma realidade e, consequentemente, se houvesse eleições para a Presidência do STF, a Ação Penal nº 470 ("mensalão") já teria sido julgada com os excepcionais (e inéditos) resultados alcançados?

[6] Insta salientar que referida tradição convencionada só foi posta de lado durante o governo de Indira Gandhi, no qual foi nomeado presidente da Suprema Corte A. N. Ray, apesar de haver 3 (três) juízes mais antigos do que ele naquele momento. Pressupõe-se que a nomeação de A. N. Ray deu-se por ser um grande defensor do governo de Gandhi, algo muito importante em um período em que tal governo estava visivelmente se atolando em uma crise política e constitucional.

[7] É importante esclarecer, por dever de lealdade acadêmica, que tal tradição somente foi afastada por uma única vez, quando da eleição para substituir o presidente Milton Juica. Os ministros Adalis Oyarzún e Jaime Rodríguez Espoz eram os subsequentes na ordem de antiguidade mas, por lhes faltar pouco tempo para atingir 75 (setenta e cinco) anos de idade e aposentar-se obrigatoriamente, os outros ministros calcularam que, se ocorresse a eleição de um dos dois, muitos dos que os seguiam na linha de antiguidade atingiriam a idade expulsória antes de poderem ter acesso à Presidência. Nesta ocasião, optou-se então por uma votação fechada, na qual cada juiz escreveu em um papel o nome de seu candidato, sendo vencedor Rubén Ballesteros Cárcamo, o quarto ministro na ordem de antiguidade daquela Corte Suprema.

[8] Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi palco de movimentação em favor da adoção de eleições diretas. De acordo com o desembargador Nelson Missias de Morais, as eleições democráticas, nas quais todos possam participar, são um forte instrumento de aperfeiçoamento do Poder Judiciário, em razão dos debates acerca das questões institucionais e compromissos de cada candidato. Ainda segundo ele, “dessa forma, com vontade política e atitude, Minas se antecipará ao legislador e, de maneira pioneira, reconhecerá o juiz de 1ª instância como membro de Poder, e o é, tal qual os desembargadores”.

Já em São Paulo, onde o Tribunal de Justiça é composto de 350 (trezentos e cinquenta) desembargadores, a eleição para a presidência do órgão já ocorre sem se atentar especificamente para o critério da antiguidade, havendo atualmente uma forte movimentação política no sentido de que não apenas os desembargadores, mas todos os magistrados possam participar da escolha.

[9] Vale salientar que muitos ministros do STF se aposentam antes de chegarem ao topo da lista de mais antigos, como foi o caso recente do ministro Eros Grau, que completou 70 (setenta) anos e foi aposentado compulsoriamente, sendo à época o quarto mais moderno do STF.

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[10] Deve ser consignado que o texto do art. 8º da Lei nº 33/47, que dispõe sobre a criação do Tribunal Federal de Recursos - TFR, expressamente previu que o referido tribunal seria instalado sob a presidência do mais velho de seus titulares.

[11] É importante ressaltar que tal previsão normativa não se encontra prevista no texto da PEC 187/2012. Todavia, após sua aprovação, seria um natural desdobramento de sua aplicação prática, posto que em qualquer sistema eleitoral, o direito de eleger encontra-se irremediavelmente adstrito à potencialidade eleitoral de também poder ser eleito.

[12] Na Câmara dos Deputados, seu Regimento Interno dispõe, no artigo 7º, que a eleição dos membros de sua Mesa Diretora far-se-á em votação por escrutínio secreto e pelo sistema eletrônico, exigida maioria absoluta de votos, em primeiro escrutínio, e maioria simples, em segundo escrutínio, presente a maioria absoluta dos Deputados.

O Senado Federal é igualmente dirigido pela Mesa, composta pelo Presidente, Primeiro e Segundo Vice-Presidentes e 4 (quatro) Secretários. São indicados também, 4 (quatro) suplentes de Secretários para substituir os titulares em caso de impedimento. Os senadores se reúnem, em sessão preparatória, para eleger os componentes da Mesa, sendo a votação realizada de maneira secreta, por maioria de votos, presente a maioria dos senadores e assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação na Casa (Regimento Interno, artigos 3º e 46).

Vale lembrar que o Presidente do Senado Federal acumula a função de Presidente do Congresso Nacional.

[13] Esta sim revelou-se uma grande conquista democrática, na exata medida em que não somente restringiu, pelo menos na 1ª instância da Justiça Federal, as interferências políticas no Judiciário que tanto comprometiam sua necessária isenção, independência e imparcialidade.

[14] A implementação nos Tribunais pátrios do chamado quinto constitucional, ideia corporativista do governo Getúlio Vargas, ocorreu com a inserção desta no art. 104, §6º, da Constituição de 1934.

[15] As demais vagas (40% do total) são providas pelos magistrados de carreira, porém pelo critério político do "merecimento" em que a escolha final, dentre uma lista tríplice constituída pelos integrantes do Tribunal, é submetida ao Chefe do Executivo (estadual - Governador; ou federal - Presidente da República, conforme o caso) para sua livre escolha. Vale registrar que o próprio Presidente do STF já se manifestou contrariamente a tal critério (O Globo, ed. digital, 20/12/2012), defendendo a exclusividade do critério de antiguidade para a promoção de juízes aos Tribunais, que é objetivo.

[16] Deve ser registrado, por oportuno, que das 22 vagas (dentre um total de 33) destinadas a desembargadores estaduais ou distritais (11 vagas) e federais (11 vagas), as mesmas incluem os desembargadores oriundos do quinto constitucional, o que, na verdade, reduz, por vias transversas, o percentual real de magistrados de carreira a menos de 50% do total. Apenas no Tribunal Superior do Trabalho tal anomalia foi corrigida pelo disposto no art. 111-A da CRFB, que não somente manteve o critério do quinto constitucional, mas tornou exclusivo o acesso de 80% das vagas aos desembargadores do trabalho de carreira.

[17] O critério de acesso ao STF, previsto no art. 101 da CRFB, preconiza exclusivamente o "notável saber jurídico", o que implica dizer que não somente é possível não nomear nenhum juiz de carreira, como ainda nomear um juiz de 1º grau, em virtual subversão da própria carreira da magistratura nacional.

[18] É exatamente esta esdrúxula e condenável situação que clama pelo urgente resgate da própria dignidade da magistratura e do necessário orgulho de ostentar a condição de magistrado.

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Sobre os autores
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Luciano Aragão

Mestre em Direito das Relações Econômicas. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado, Sócio da Aragão Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis ; ARAGÃO, Luciano. O mito da eleição direta para presidente dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5525, 17 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64826. Acesso em: 20 abr. 2024.

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