No seu aspecto subjetivo, “justa causa” é a consequência de uma falta contratual grave praticada pelo empregado ou pelo patrão, que impede, mesmo provisoriamente, a continuidade da relação de emprego. A falta grave destrói de modo definitivo a confiança entre o patrão e o empregado. Como o contrato de trabalho é um acordo de vontades, a confiança entre as partes é sua base ética.
A CLT não define justa causa. Traz róis de faltas que podem, eventualmente, ser cometidas pelo empregado (art.482) ou pelo patrão (art.483) e que, pela sua gravidade, podem provocar a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
Certas faltas são graves em qualquer contexto. Outras, podem ser graves num ambiente e irrelevantes em outro. Por isso, é preciso cuidado ao avaliar uma falta imputada ao empregado ou a uma empresa. Há um exemplo clássico, citado por Bortolotto e sempre repetido nos julgados e nos livros de doutrina: se o patrão põe um aviso de “proibido fumar” numa fábrica de tijolos, e algum empregado fuma, a desobediência não chega a ser grave porque evidentemente não põe ninguém em risco e não quebra a confiança do empregador. Mas, se esse mesmo aviso é descumprido numa fábrica de explosivos, a falta é gravíssima. É por essa razão que se diz que o juiz, ao avaliar a gravidade de uma falta imputada ao empregado, ou ao patrão, deve contar, pesar e medir os fatos dos pontos de vista objetivo e subjetivo, isto é, o contexto em que a falta foi cometida, o grau de discernimento do autor da falta, a intenção do agente em praticá-la, a reincidência do autor da falta nesse tipo de deslize contratual, a sua repercussão no ambiente interno da empresa e na imagem corporativa do negócio diante da clientela, da concorrência e do público em geral.
A Lei nº 13.467/2017[1] trouxe para o cardápio das discussões um novo tipo de falta grave[2], e que pressupõe dois aspectos, um subjetivo e outro objetivo.
Pela regra atual do art.482 da CLT, constitui falta grave suficiente para a rescisão do contrato de trabalho, por justa causa, a
“perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado”.
A regra alcança todas as profissões que, por lei, exigem habilitação comprovada por documentos expedidos pelos organismos competentes, como é o caso de vigilantes[3], motoristas, bombeiros civis, enfermeiras, técnicos em enfermagem, contador, médico, engenheiro, advogado etc.
Não é qualquer perda da habilitação para o exercício da profissão que permite a rescisão por justa causa do contrato de trabalho, mas apenas aquela que decorrer de uma conduta ou ação dolosa do trabalhador. O empregado tem de ter cometido a falta intencionalmente, ou assumido o risco de produzir o resultado. Esse é seu aspecto subjetivo. O aspecto objetivo é o de que a falta efetivamente inabilite o trabalhador ao exercício da profissão.
Exemplo clássico desse novo tipo de falta é o do motorista profissional de uma empresa que perde o direito de dirigir por excesso de multas de trânsito e, em consequência, tem a carteira de habilitação suspensa ou cassada pela perda de pontos decorrentes das faltas cometidas. Se não pode dirigir porque o excesso de multas o inabilita pela suspensão da carteira de motorista, a condição essencial do seu contrato de trabalho desaparece e a empresa poderá rescindir o contrato de trabalho, por justa causa. Mas, para que a rescisão por justa causa seja possível é preciso que o empregado tenha cometido as infrações de trânsito por dolo, seja para forçar a rescisão do contrato de trabalho ou impor à empresa algum prejuízo com a aplicação de multas por infração de trânsito. Se são multas ocasionais decorrentes da atribulação normal do trânsito, devem ser levadas à conta das vicissitudes da profissão e não podem servir de fundamento para a rescisão.
Da mesma forma, pode ser punido por rescisão por justa causa o médico que, por mau exercício da profissão, comete falta punível pela ética médica com a suspensão ou a cassação do registro profissional[4], ou o advogado que, por algum deslize ético, é punido pela OAB com a suspensão ou com a cassação do seu registro profissional[5].
Como a lei é nova, a jurisprudência é escassa. O que é preciso anotar, desde logo, é que não é qualquer falta que permite a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, mas somente aquela praticada com dolo (intencionalmente) e que, efetivamente, inabilite o empregado para o exercício da profissão.
Notas
[1] Lei da Reforma Trabalhista
[2] CLT, art.482, letra “m”.
[3] A L.nº 7.102/1983, que regulamenta a profissão de vigilante, proíbe o exercício da profissão de vigilantes a quem tem antecedentes criminais. O art.22 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) prevê como uma das medidas protetivas deferíveis à mulher agredida ou ameaçada a proibição de o agressor obter porte de arma ou portar arma. Se o agressor for vigilante isso inviabiliza o exercício da profissão.
[4] Lei nº 3.268/57, art.22, “d” e “e”.
[5] Lei nº 8.906/94, art.11.