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A convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e o ordenamento jurídico brasileiro

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Resumo:


  • A globalização dos direitos humanos é uma questão central do século, envolvendo o equilíbrio entre poder e direitos individuais.

  • A universalidade dos direitos humanos, promovida pela ONU, enfrenta desafios de aceitação e implementação, especialmente em países com diferenças culturais ou políticas que resistem a esses conceitos.

  • A efetivação dos direitos humanos demanda ações concretas e pode envolver medidas como ações afirmativas, incluindo cotas, para promover igualdade e combater discriminações históricas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Buscaremos elucidar as principais questões que norteiam os direitos humanos frente à nova ordem internacional, bem como analisar minuciosamente os meios de que o Brasil vem se utilizando para cumprir com as Convenções Internacionais acerca do racismo.

1 INTRODUÇÃO

            A globalização ou internacionalização dos direitos humanos é uma das mais importantes questões do início deste século. O grande problema deste tema é que ele versa sobre a essência da relação política, isto é, poder e pessoa, ou seja, quanto mais direitos do homem menos poder e vice-versa.

            Os ideais de universalidade dos direitos humanos defendidos pela ONU desde sua criação, manifestados com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, estão adquirindo uma maior consistência, inobstante a flagrante constatação de desrespeitos em vários pontos do mundo. A preocupação internacional sai da retórica e procura a concretude. Há uma tendência para o processo de construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos.

            Uma das objeções suscitadas quanto à globalização dos direitos humanos foi levantada pelos países islâmicos e asiáticos. Estes acusaram que os propósitos universalistas dos direitos humanos são, na verdade, princípios ocidentais, que desprezam as particularidades regionais de cada povo. É uma discussão que deve ser aprofundada, ainda mais em face dos recentes acontecimentos político-religiosos do Afeganistão e da China, só para darmos um exemplo.

            O fundamentalismo religioso afegão nega uma série de direitos que nós, ocidentais, reputamos como ínsitos à natureza humana, principalmente a liberdade religiosa e de expressão. O Islão, por sua vez, vem fechando cada vez mais as suas portas, procurando um isolamento frente ao Ocidente, no ideal de formar uma comunidade vinculada aos preceitos do Alcorão. Tal política isolacionista dificulta sobremaneira a vigilância internacional sobre os direitos humanos. É o tribalismo maléfico.

            Com a China, o processo de abertura econômica não causou a devida abertura política e, por conseguinte, a sua democratização. Atualmente a situação é delicada, principalmente para os EUA, posto que os maciços investimentos das empresas ocidentais e, evidentemente, os avantajados lucros, estão em conflito com as posturas políticas de seus países, no tocante às exigências de respeito aos direitos humanos pelos chineses. Pequim ameaçou retaliar se continuassem as intromissões em sua política interna. Os prejuízos econômicos podem ser enormes. Eis o dilema. Qual a prioridade: investimentos ou direitos humanos?

            O Brasil, ao lado da Guatemala e Honduras, figura entre os países com os mais elevados índices de discriminação e injustiça social no mundo, segundo um documento da Anistia internacional. O estudo foi elaborado pela entidade para a 3ª Conferência das nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em Durban na África do Sul.

            O racismo existe em todas as sociedades, em todo o mundo. Há o testemunho de que a globalização tem aspectos negativos e positivos. O que tem prevalecido até agora, são os reflexos que essa globalização causa e que reforça os padrões de racismo e de discriminação racial estabelecidos pela herança do sistema colonial-escravagista em todo o mundo.

            A nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade.

            Ainda podemos dizer que a nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.

            Diante desse contexto, é possível perceber qual a importância e qual o valor dos direitos humanos na sociedade moderna, e, sobretudo, da igualdade racial. Sendo assim, buscaremos, através deste estudo, elucidar as principais questões que norteiam os direitos humanos frente à nova ordem internacional, bem como analisar minuciosamente os meios de que o Brasil vem se utilizando para cumprir com as Convenções Internacionais acerca do racismo.


2 O SISTEMA INTERNACIONAL DE PREVENÇÃO E PUNIÇÃO À DISCRIMINAÇÃO RACIAL

            2.1 O SISTEMA ESPECIAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

            Segundo José Augusto Lindgren Alves, o sistema especial de proteção dos Direitos Humanos desenvolve-se por meio de um grande número de Declarações e Convenções Internacionais.

            Embora a Carta Internacional dos Direitos Humanos, com seu escopo abrangente e sua pretendida universalidade, pudesse constituir per se instrumental suficiente para garantir proteção a todos os direitos humanos, as Nações Unidas, ainda na fase de elaboração dessa Carta, iniciaram um processo paralelo de proteção especializada contra certos tipos de violação e para determinados grupos de indivíduos, cujas características especiais exigiram atenção particular de normas específicas mais pormenorizadas. (1)

            Flávia Piovesan (2) entende que o sistema especial de proteção é endereçado a um sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na sua concreticidade de suas diversas relações. Ao contrário, do sujeito de direito abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, etnia, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Portanto, o sistema normativo internacional passa a reconhecer e a tutelar direitos endereçados às crianças, às mulheres, aos idosos, às pessoas vítimas de tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, etc.

            Há que se fazer uma diferenciação entre os sistemas geral e especial de proteção, na medida em que um complementa o outro. O sistema especial de proteção é voltado à prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos de pessoas que merecem uma proteção especial, enquanto que o sistema geral de proteção tem por destinatário toda e qualquer pessoa, abstrata e genericamente considerada. Vale dizer, ao lado da International Bill of Rights, que integra o sistema geral de proteção, organiza-se o sistema especial de proteção, que adota como sujeito de direito o indivíduo historicamente situado, o sujeito de direito "concreto", na peculiaridade e particularidade de suas relações sociais.

            Pode-se dizer que foi com o processo de universalização dos direitos humanos que os Estados partes concordaram em submeter ao controle da comunidade internacional o que até então era de seu domínio reservado.

            A carta da ONU adotada em 1945, estabelece que as Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

            Por direitos humanos, cito o conceito de DALLARI, para o qual os mesmos representam "uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida" (3)

            A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, vem atestar o reconhecimento universal de direitos humanos fundamentais, os quais são "justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas" (4).

            Costuma-se sustentar que a declaração não apresenta força jurídica obrigatória e vinculante. Após a sua adoção, instaurou-se uma larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz em assegurar o reconhecimento e a observância universal dos direitos humanos nela elencados. Chegou-se a conclusão de que a Declaração deveria ser "juridicizada" sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e vinculante no âmbito do Direito Internacional.

            Esse processo de "juridicização" da Declaração, começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (5) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (6), os quais passaram a incorporar os Direitos constantes da Declaração Universal.

            Portanto, foi a partir da elaboração desses Pactos que forma-se a Carta Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of Rights, a qual inaugura o sistema global de proteção desses direitos, ao lado do qual já se delineava o sistema regional de proteção.

            Os sistemas global e regional são complementares, inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal eles compõem o universo instrumental de proteção dos direitos humanos no plano internacional. Tendo em vista, este complexo universo de instrumentos internacionais, fica a escolha do indivíduo que sofreu a violação de direito à escolha do aparato mais conveniente, uma vez que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional.

            Por sua vez, o sistema global veio a ser ampliado com o advento de diversos textos de proteção aos direitos humanos de alcance regional e abrangência setorial, tais como o genocídio, a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, dentre outras formas específicas de violação.

            Segundo Antonio Augusto Cançado Trindade (7), tem-se reconhecido o caráter complementar de procedimentos não apenas sob tratados e instrumentos gerais "de direitos humanos, mas também sob tratados e instrumentos "especializados" voltados a aspectos específicos da proteção de direitos humanos, a nível global e regional."

            2.2 ASPECTOS RELEVANTES DA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL

            A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação Racial foi adotada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965, tendo sido ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968. Nos dizeres de Flávia Piovesan (8) três relevantes fatores históricos impulsionaram o processo de elaboração desta Convenção na década de 60, destacando-se o ingresso de dezessete novos países na ONU em 1960, a realização da Primeira Conferência de Cúpula dos Países Não-Aliados em Belgrado em 1961 e o ressurgimento de atividades nazifacistas na Europa dos países.

            Para José Augusto Lindgren Alves, a CIEFDR (9) foi inspirada de perto pelas atrocidades cometidas pelos nazistas em nome da "superioridade da raça ariana" e como já foi mencionado, o ingresso de países afro-asiáticos recém-emersos do regime colonial.

            Estes países, independentes nos anos 60, haviam sofrido na pele a discriminação do colonizador liberal, submetidos ao regime do apartheid que separava as raças em todos os setores, inclusive no tocante a utilização de espaços públicos.

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            O sentimento anticolonialista predominante nesta época, associado a repugnância pelas práticas racistas do nazismo nos anos 30 e 40, foi o marco para a definição de normas internacionais contrárias à discriminação racial com aplicabilidade em qualquer parte do mundo.

            Portanto, foram estes os fatores que estimularam a edição da Convenção, como um instrumento internacional voltado ao combate da discriminação racial.

            A CIEFDR, de 1965, foi a primeira grande Convenção das Nações Unidas na área dos direitos humanos. Teve por base legislativa o artigo 1°, parágrafo 3°, da Carta de São Francisco, que define o propósito de promover os direitos humanos de todos "sem distinção de raça, sexo, língua ou religião" e o Artigo 2° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual afirma terem todas as pessoas capacidade para gozar dos direitos e liberdades nela consagrados "sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza (... )".

            Em 1946, o Conselho Econômico e Social autorizou a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas a estabelecer uma subcomissão, a ela subordinada, dedicadas à prevenção da discriminação, bem como duas outras destinadas respectivamente à liberdade de informação e de imprensa e à proteção de minorias. Porém, a subcomissão para a liberdade de expressão não chegou a ser concretizada e, quanto às outras duas Subcomissões, foram amalgamadas num único órgão, estabelecido em 1947, sob a denominação de: Subcomissão das Nações Unidas Para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias. (10)

            A subcomissão foi durante muito tempo, o único órgão das Nações Unidas de composição não-estatal: seus membros não representam governo, ou seja, não atuam em nome dos países de origem, mas tem natureza técnica, seu trabalho mais significativo desenvolve-se na forma de estudos e anteprojetos, em muitos casos, têm constituído a origem de vários dos instrumentos e mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

            A subcomissão dedicou-se desde o começo de seu funcionamento, ao tema da prevenção da discriminação, sob diversas faces, mas dedicou-se a uma delas com exclusividade que foi a luta internacional contra o apartheid. Também, em muito contribuiu para a redação da cláusula não-discriminatória do Artigo 2° da Declaração Universal dos Direitos Humanos e deu um grande impulso para a elaboração da Convenção Internacional Sobre Todas as Formas de Discriminação Racial agilizando a sua implementação. Porém, nos primeiros anos, limitou-se a formular sobre a matéria a redação do Artigo 27° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, relativo aos direitos das pessoas pertencentes a minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, o qual veio a suprir omissão da Declaração Universal (11).

            2.3. ANÁLISE DOS ASPECTOS CENTRAIS DA CONVENÇÃO

            Ao analisar a CIEFDR, chega-se a conclusão que a mesma reafirma o propósito das Nações Unidas, qual seja o da promoção do respeito universal dos direitos humanos, sem discriminação de raça, sexo, idioma, ou religião. Enfatizando ainda os princípios da Declaração Universal de 1948, em especial a concepção de que todas as pessoas nascem livres e iguais em direitos, sem distinção de qualquer espécie e principalmente de raça, cor, ou origem nacional.

            Em seu preâmbulo a Convenção afirma que qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, inexistindo justificativa para a discriminação racial, em teoria ou prática, em lugar algum. Pois, a existência de barreiras raciais repugna os ideais de qualquer sociedade humana.

            É com base nestes propósitos, que a Convenção tem por objetivos eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações e prevenir e combater doutrinas e práticas racistas.

            O conceito de discriminação racial está disposto no artigo 1º da Convenção, em que a expressão " discriminação racial " significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que têm por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano ( em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública. Isto é, a discriminação sempre tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Portanto, para garantir o pleno exercício dos direitos humanos fundamentais, faz-se necessário o combate à discriminação racial.

            Há que se enfatizar que a CIEFDR apresenta duas metas básicas, que visam à implementação do direito à igualdade. São elas: o combate a toda e qualquer forma de discriminação racial e a promoção da igualdade. (12)

            Ocorre que não são consideradas discriminatórias, as distinções estabelecidas pelos Estados entre cidadãos nacionais e estrangeiros.

            Referida exceção, é em princípio justificável em razão da ótica da formação e da proteção das nacionalidades e possivelmente imprescindível à aceitabilidade da Convenção para muitos Estados, mas, por outro lado, possibilita uma falsa aparência de legalidade em relação a medidas claramente discriminatórias, particularmente intensificadas no período atual, onde imigrantes, tanto os clandestinos, quanto os legais, que vivem em países desenvolvidos, sofrem com o racismo.

            O equilíbrio dessa exceção discriminatória encontra-se no próprio artigo 1º, parágrafo 4º, da Convenção, e que segundo José Augusto Lindgren Alves:

            Abriu caminho para as chamadas ‘ações afirmativas’, em defesa de grupos ou indivíduos que se encontrem em situação de inferioridade dentro das sociedades nacionais. Ele estipula que não serão consideradas discriminatórias ‘as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais e étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção’ para que possam ter o gozo efetivo de seus direitos humanos, ‘contando que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais’ e não prossigam após terem sido alcançados os níveis eqüitativos que se têm em mira para fruição dos direitos fundamentais. (13)

            Outrosssim, o artigo 2º da Convenção define os compromissos assumidos pelos Estados-partes, nas esferas política, legislativa e administrativa, para combater a discriminação racial, devendo tais compromissos abranger a atuação de "todas as autoridades públicas nacionais e locais".

            Sendo que o artigo 3º diz respeito ao apartheid, que foi uma das motivações principais a acelerar a redação da Convenção. Este artigo determina que os Estados-partes eliminem em seus territórios todas as práticas desta natureza e, por conta do artigo 4° os Estados-partes da Convenção devem condenar toda propaganda e todas as organizações que se inspirem em teorias racistas, devendo proibir qualquer incitamento ao ódio e discriminações raciais, punindo a difusão de idéias baseadas na superioridade racial.

            Já o artigo 5° , apresenta um amplo catálogo de direitos, que inclui: o direito a um tratamento igual perante os Tribunais, o direito à segurança da pessoa ou à proteção do Estado contra a violência, direitos de participação política, direito à liberdade de locomoção, direito à nacionalidade, direito de casa-se e escolher o cônjuge, direito à propriedade, direito à herança, direito à liberdade de pensamento, direito à liberdade de expressão, direito à liberdade de reunião, direitos econômicos, sociais e culturais, como direito ao trabalho, a habilitação, à saúde pública, à previdência social, à educação, a participação em atividades culturais, ao acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso público, dentre outros direitos.

            O artigo 6º refere-se a importância de os Estados-partes assegurarem a todas as pessoas, que estiverem sob a sua jurisdição, proteção e recursos eficazes perante os Tribunais nacionais, assim como o direito à indenização justa e adequada por qualquer dano decorrente do ato discriminatório.

            No artigo 7°, a Convenção estabelece aos Estados-partes o dever de adoção de medidas eficazes nos campos do ensino, educação, cultura e informação, contra os preconceitos que levem à discriminação racial, ressaltando, assim, a importância de uma educação para a cidadania, fundada no respeito à diversidade, tolerância e dignidade humana.

            2.4 MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO

            Os tratados internacionais de direitos humanos não se limitam a enunciar direitos e consagrar deveres dos Estados-partes. Ao elenco dos direitos, adicionam uma sistemática peculiar de garantia destes direitos, mediante a instituição de organismos internacionais e mecanismos de implementação de direitos. Neste sentido, a CIEFDR prevê a criação do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial.

            Segundo José Augusto Lindgren Alves:

            O Comitê Para a Eliminação da Discriminação Racial- CERD- foi estabelecido formalmente em 10 de julho de 1970. Com autonomia em relação aos Estados de origem de seus integrante, inclusive para instituir seu próprio regulamento, o CERD tem desenvolvido ponderável conjunto de atividades na luta contra o racismo e a discriminação racial, muitas das quais extrapolam as funções para que fora originalmente constituído. (14)

            O CERD é um mecanismo de supervisão, com funções de assessoramento e supervisão, de conciliação e de investigação, as quais encontram-se definidas nos artigos 8° a 16°. É precursor de todos os mecanismos congêneres existentes na área de direitos humanos, cabe a este Comitê realizar o monitoramento dos direitos reconhecidos pela Convenção. (15)

            Conforme o disposto no artigo 8º da Convenção, o Comitê será composto por dezoito peritos de grande prestígio moral e reconhecida imparcialidade, que serão eleitos pelos Estados-partes dentre os seus nacionais e que exercerão suas funções a título pessoal, levando-se em conta uma distribuição geográfica eqüitativa e a representação das formas diversas de civilização, assim como dos principais sistemas jurídicos. Os seus membros serão eleitos em votação secreta, para um mandato de quatro anos, dentre uma lista de pessoas indicados pelos Estados-partes, sendo que cada Estado-parte poderá indicar uma pessoa dentre os seus nacionais.

            O artigo 9º determina que as funções de assessoramento e supervisão dizem respeito principalmente ao exame dos relatórios periódicos que os Estados-partes se comprometem a apresentar bienalmente sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas e de outra ordem que tenham tomado para implementar as disposições da Convenção. "O exame dos relatórios se completa, após argüição dos representantes governamentais que os defendem, com o envio dos Estados-partes das conclusões do CERD sobre os respectivos informes." (16)

            Nos artigos 11º a 13º estão previstas as funções de conciliação para os casos objeto de queixas interestatais.

            Além desta instância internacional, a Convenção estabelece mecanismos de implementação dos direitos nela enunciados. Vale ressaltar, que os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos apresentam, em geral, três mecanismos de implementação de direitos:

            a)os relatórios;

            b)as comunicações inter-estatais; e

            c)as petições individuais.

            "O sistema de relatórios é, a despeito de variações processuais, um método de implementação internacional de direitos humanos ou controle exercido ex offício pelos órgãos de supervisão internacionais" (17)

            O artigo 11° da Convenção estabelece que um Estado poderá denunciar que um outro Estado-parte não está cumprindo as disposições da Convenção. Caberá ao Comitê receber e examinar a comunicação inter-estatal, com observância do princípio do contraditório. Este mecanismo vem previsto sob a forma de cláusula facultativa, exigindo que o Estado-parte faça uma declaração específica admitindo essa sistemática. Vale dizer, em se tratando de cláusula facultativa, as comunicações interestatais só podem ser admitidas se os Estados envolvidos, ambos ("denunciador" e "denunciado"), reconhecerem e aceitarem tal sistemática.

            Já o artigo 14° consagra o direito de petição, que consolida a capacidade processual internacional dos indivíduos. O direito de petição, contudo, também é previsto sob a forma de cláusula facultativa. Isto é, o direito de petição fica condicionado à declaração do Estado-parte de que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar comunicações de indivíduos ou grupo de indivíduos que se considerem vítimas de violação, pelo referido Estado-parte, de qualquer direito de Convenção.

            O direito de petição está sujeito a determinados requisitos de admissibilidade, como o prévio esgotamento dos recursos internos disponíveis. Ao admitir uma petição, o Comitê solicita informações e esclarecimentos ao Estado violador e, à luz das informações colhidas, formula sua opinião e faz recomendações. O Estado é convidado a informar o Comitê a respeito das ações e medidas adotadas, em cumprimento às recomendações feitas. A opinião ou decisão do Comitê é destituída de força jurídica vinculante. Todavia, é revestida de alta força política e moral, pois é publicada no relatório anual laborado pelo Comitê, que é, por sua vez, encaminhado à Assembléia Geral das Nações Unidas. (18)

            Nas palavras de Antonio Augusto Cançado Trindade (19) "O sistema de petições vem a cristalizar a capacidade processual internacional dos indivíduos, constituindo "um mecanismo de proteção de marcante significação, além de conquista de transcendência histórica".

            Somente a título de esclarecimento até a data de 31 de julho de 2001, trinta e quatro Estados-partes haviam feito a Declaração no sentido de aceitar a competência do Comitê para receber e considerar as comunicações individuais nos termos do já referido artigo 14°da Convenção.

            O Brasil, através do Decreto №. 4.738, de 12 de junho de 2003, promulga a Declaração Facultativa prevista no art. 14 da CIEFDR, reconhecendo a competência do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de violação dos direitos humanos cobertos na mencionada Convenção.

            "Sob a responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça, o décimo relatório, enviado ao CERD em fins de 1995, teve características especialmente abrangentes, com vistas a suprir os informes devidos nos anos de 1988, 1990, 1992 e 1994" (20). Este relatório, ressaltava a promulgação em 1988 da nova Constituição da República, a qual constituiu um marco jurídico da transição democrática da institucionalização dos direitos humanos e seu enfoque antidiscriminatório de todos os temas.

            Segundo Antonio Augusto Cançado Trindade (21), os direitos dos indivíduos de acionar os procedimentos internacionais de proteção (sistema de petições) e o poder dos órgãos de supervisão internacionais de receber e examinar reclamações (sistema de petições), assim como tomar providências e exercer controle ex ofícios (sistemas de relatórios e investigações), acompanham-se como métodos comumente utilizados por mecanismos de proteção no plano global e regional.

            Os sistemas de petições, em particular, compreendem as petições ou comunicações, ou reclamações individuais ( direito de petição individual ), assim como as petições ou comunicações ou reclamações dos Estados ( petições interestatais ). As condições de seu uso e de sua admissibilidade estão consignadas em distintos instrumentos de direitos humanos que as prevêem.

            2.5 CONTROLE DE VIOLAÇÕES

            A Comissão dos direitos Humanos (CDH) possui um conjunto de mecanismos para lidar concretamente com as violações de direitos humanos. Inicialmente, a Comissão reconhecia não ter poder para tomar qualquer medida a respeito de reclamações referentes aos direitos humanos. Porém, atualmente, conta com amplo arsenal para a realização de cobranças aos Governos, tanto em função de comunicações recebidas, como por iniciativa própria.

            É preciso esclarecer que os mecanismos de controle da CDH não se confundem com os órgãos de monitoramento dos Pactos e das Convenções. Pois, estes supervisionam apenas os Estados-partes de cada instrumento jurídico, seja pelo exame dos respectivos relatórios, seja em ações mais diretas que dependerão sempre do consentimento expresso do Governo envolvido (para a acolhida de queixas individuais e interestatais e para missões de investigação). Os mecanismos da CDH funcionam de forma semi permanente, são mais ágeis do que o dos Comitês, são estabelecidos por simples resoluções da Comissão exercendo seu mandato sobre qualquer país, sendo ele parte ou não dos instrumentos jurídicos e, tais mecanismos são atualmente os que mais fiscalizam as situações nacionais e, consequentemente, mais têm exigido ações e respostas do Brasil. (22)

            A constituição desses mecanismos para tratar de violações é relativamente recente, foi a partir de 1970 que o ECOSOC ( Conselho Econômico e Social ), aprovou algumas resoluções, estabelecendo os mecanismos extra-convencionais de monitoramento e supervisão dos direitos humanos. Os principais são o Procedimento 1503, intitulado "Procedimento para lidar com comunicações relativas a violações de direitos humanos e liberdades fundamentais", conhecido como procedimento confidencial e a designação de Relatores Especiais, por temas, ou por países.

            O nome Procedimento 1503 decorre da Resolução do ECOSOC, que estabeleceu que um Grupo de Trabalho da Sub-Comissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, que integra a Comissão de Direitos Humanos, a qual receberia uma lista de queixas ou reclamações ("comunicações"), junto com um resumo das provas que as acompanham.

            Quando o Grupo de Trabalho encontrar prova de haver um padrão consistente de grave violação aos direitos humanos, este remete a matéria para a Sub-Comissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, a qual, por sua vez, pode encaminhar a matéria para a Comissão de Direitos Humanos.

            Através do chamado Procedimento 1503 não são tratados casos individuais, mas situações de graves violações coletivas e consistentes de direitos humanos (23).

            2.5.1 Relatores Especiais

            Em razão da relevância ou importância de um assunto, ou em razão dos problemas enfrentados por países específicos, a Comissão de Direitos Humanos e o Conselho Econômico e Social têm estabelecido mecanismos extraconvencionais conhecidos por Relatores Especiais, que podem ser Temáticos ou por Países, incidindo a escolha em especialistas, que atuam a título pessoal, ou em particulares independentes, denominados relatores especiais, representantes ou especialistas, os quais tem a incumbência de acompanhar a evolução de determinadas situações nacionais.

            Nos dizeres de José Augusto Lindgren Alves:

            A figura dos relatores especiais para países é forma de controle polêmica. Para seu estabelecimento, quase sempre decidido em votações difíceis, conta sobretudo a capacidade de influência do governo iniciador da idéia junto aos demais membros da Comissão, assim como o peso específico ou a fragilidade política, muita vezes circunstancial, do Estado visado. Por seu caráter seletivo e por prestar-se a obtenção de "vitórias" parlamentares, essencialmente políticas, o mecanismo tem sua validade questionada tanto pelos governos alvos e seus aliados, quanto por muitos militantes autenticamente devotados à causa dos direitos humanos. (24)

            O mesmo autor faz menção a figura do relator temático:

            De todos os mecanismos de controle gradativamente estabelecidos pela Comissão dos Direitos Humanos, os que mais se têm ampliado e mais merecido apoio são os chamados relatores temáticos. Individualmente ou em grupos de trabalho, tais relatores recebem a atribuição de monitorar em todo o mundo, de forma não-seletiva, a observância de normas atinentes a determinados temas. (25)

            Os mandatos conferidos a esses procedimentos e mecanismos consistem em examinar e vigiar como está a situação dos direitos humanos nos países ou territórios específicos (os chamados mecanismos ou mandatos por país) ou fenômenos importantes de violação dos direitos humanos a nível mundial (os mecanismos ou mandatos temáticos), e informar publicamente a respeito, em ambos os casos. Esses procedimentos e mecanismos denominam-se coletivamente de Procedimentos Especiais da Comissão de Direitos Humanos. Atualmente, existem 49 mandatos (27 por países e 22 temáticos), entre eles 18 (10 por países e 8 temáticos) confiados ao Secretário Geral. Os que interessam mais ao presente trabalho são: Relator Especial contra a Tortura; Relator Especial para a Violência contra a Mulher; Relator Especial para a Alimentação; Relator Especial para a Educação; Relator Especial para a Habitação; Relator Especial para Execução Extrajudicial; Relator Especial para Racismo, Xenofobia, e outras formas de intolerância; etc.

            Todos os Procedimentos Especiais têm por objetivo central melhorar a eficácia das normas internacionais de direitos humanos, bem como procuram dispor diálogos construtivos com os governos e exigir sua cooperação em relação às situações, incidentes e casos concretos, que examinam a investigação de maneira objetiva com vistas a compreender a situação e a recomendar aos governos soluções aos problemas inerentes à tarefa de garantir o respeito dos direitos humanos. Às vezes, nas comunicações enviadas aos mecanismos extraconvencionais, informa-se que está na iminência de cometer uma grave violação dos direitos humanos. Nestes casos, o Relator Especial ou o Presidente de um grupo de trabalho pode enviar uma mensagem por fax ou telegrama às autoridades de Estado de que se trate para pedir-lhes esclarecimentos e formular um chamamento ao Governo, a fim de que se adote as medidas necessárias para garantir os direitos da possível vítima. Diante disso, esses chamamentos têm caráter preventivo e de nenhuma maneira prejulgam uma conclusão.

            Recebendo uma comunicação relatando a iminência de violação séria à direitos humanos, o Relator Especial adota as seguintes ações (26):

            a)apela ao Governo referido para assegurar proteção efetiva à alegada vítima;

            b)solicita das autoridades competentes que adotem procedimentos investigatórios urgentes e imparciais, e todos às medidas necessárias para prevenir violações futuras;

            c)identificação de vítimas presumíveis;

            d)identificação dos autores da violação;

            e)identificação da pessoa(s) ou organização (organizações) que apresentam a comunicação (por conseguinte, as comunicações anônimas não são admissíveis);

            f)descrição detalhada das circunstâncias do incidente em que se produziu a presumível violação.

            Por fim, as comunicações devem descrever os fatos relacionados com o incidente e os detalhes pertinentes que se tem mencionado de uma forma clara e concisa.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETTO, Flávia Emanuelle. A convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 634, 3 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6488. Acesso em: 25 dez. 2024.

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