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A convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e o ordenamento jurídico brasileiro

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3 O BRASIL E O SISTEMA INTERNACIONAL DE PREVENÇÃO E PUNIÇÃO Á DISCRIMINAÇÃO RACIAL

            3.1 A ORIGEM DO RACISMO NO BRASIL

            O racismo nos países do sistema de colonização escravagista teve suas origens com o sistema econômico, ou seja, a economia baseada no trabalho do africano e índio escravizado. Esses fatos fazem com que a posição inferiorizada dessa população explorada seja forçosamente derivada desta história e deste sistema econômico.

            O problema da discriminação no país é um fenômeno histórico, surgido no Brasil-colônia. Iniciou com a inferiorização da figura feminina, vista como objeto de exploração sexual pelos seus senhores. Surge também a idéia da "democracia racial" brasileira, face à escassez da mão de obra branca com a conseqüente colocação do mulato e do índio para exercerem trabalhos braçais e funções específicas, levando-os aos trabalhos nas casas grandes coloniais. E é deste modo, com a escravidão física, que o afro-descendente e o indígena vão integrar o mundo escravocrata, a serviço da elite branca dominante, cominando com a conseqüente destruição da identidade desses sujeitos. (27)

            Com a campanha abolicionista, movimento para a libertação dos escravos, intensificada a partir do final da Guerra do Paraguai, milhares de negros foram utilizados nas frentes de batalhas. Anos mais tarde, o Exército assumiu a defesa da abolição e se negou a perseguir os negros que fugiam.

            O principal responsável pelo processo de abolição foi o grupo da aristocracia cafeeira paulista, que introduziu o trabalho assalariado explorando imigrantes. A passagem do trabalho escravo para o trabalho livre deixou na população negra seqüelas não admitidas, permeadas por falsos argumentos. Não é exagero dizer que a mais perversa estratégia de exclusão contra a população negra remonta às políticas de imigração, voltadas para beneficiar a população de origem européia e levada a cabo nos últimos anos do Império e nas três primeiras décadas da República. Isso foi realizado sob o argumento de uma inata falta de adaptação da mão-de-obra recém-emancipada às novas regras do trabalho livre e a insuficiência de braços para atender a expansão da lavoura cafeeira.

            Vale ressaltar, que outro fator de grande importância foi a pressão externa sendo mais fortemente manifestada pela Inglaterra, sendo que o Brasil era o único país americano que mantinha a escravidão. Diante da forte pressão, o governo imperial decretou algumas leis abolicionistas como a Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea.

            Mesmo com o negro alcançando a igualdade jurídica com a abolição, mantinha-se não só a desigualdade econômica e social entre os escravocatas e a população branca e a classe dos negros e índios, mas a antiga ideologia que definia bem a diferença entre os dois e reservava a esses indivíduos uma posição de submissão. O preconceito racial continuou a ser exteriorizado de maneira discreta e branda, ou seja, o preconceito de cor está presente em várias regiões do Brasil, e penetra em maior ou menor grau, em todas as classes sociais, sem contudo associar-se com manifestações ostensivas.

            Após a abolição da escravatura, verifica-se que desenvolve-se paralelamente a uma legislação a que pode chamar " emancipadora do cidadão negro", outros mecanismos legais para "controlar" os novos cidadãos. Quanto aos Direitos Civis desses novos cidadãos, o Estado Brasileiro entende que não há nada especial a fazer. Nenhum programa, nenhuma ação. (28)

            O processo de passagem da condição de escravo para a de cidadão foi feito de maneira errada e sem se pensar o que fazer com o contingente de trabalhadores livres. Da noite para o dia os negros foram declarados livres e após a "comemoração" encontravam-se sem abrigo, trabalho e meios de subsistência. Mesmo sendo forçado, no trabalho escravo o negro recebia um mínimo para sua subsistência. Com a libertação, não se considerou a necessidade de proporcionar-lhes meio de sobrevivência, como posse da terra para sua fixação. Supondo-os sem direito àquela, dava-se o primeiro passo para sua marginalização e desfavorecimento.

            Os negros que viviam na cidade encontravam-se agora perambulando pelas ruas como mendigos e começaram a habitar cortiços que deram origem às atuais favelas. Os que viviam no campo emigraram para as cidades causando o primeiro êxodo rural em nosso país. Durante muito tempo, os negros não conseguiram acesso a profissões ou ocupações, mesmo aquelas das quais foram desalojados, principalmente devido à chegada de emigrantes europeus que passaram a substituir o homem negro primeiramente nas lavouras de café. Os serviços mais modestos, que exigiam especialização mínima, e eram mal remunerados representavam normalmente as "oportunidades" do negro no mercado de trabalho.

            Com o capitalismo o negro, por não possuir qualificação, fica à margem do processo ou é utilizado em serviços pesados nas industrias.

            Essa situação se refletiu tanto no nível econômico dos negros quanto os levou a um processo de marginalização social. O escravo passa de meio de produção para assalariado, porém não participa da elevação social no mesmo nível que os senhores brancos.

            "Termos como desclassificados, vadios e marginais foram comuns para designar um contingente populacional expressivo, composto sobretudo por ex-escravos e seus descendentes" (29)

            A reprodução da deterioração do nível de vida do negro dá-se então a partir daí, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalhador livre, uma vez que não tem fácil acesso ao mercado de trabalho.

            Com o escravismo, constituíra-se uma estrutura de privilégios a favor da população branca. Admitir o negro como um cidadão significaria, para esse contingente dominante, a provável perda dos benefícios alcançados ao longo da adoção do trabalho escravo. Preconceito e discriminação ganham, então novos significados e espaços de atuação voltados para a defesa desta estrutura de privilégios.

            Demoramos muito para perceber que o Brasil é um país racista, pois durante bastante tempo acreditamos viver em uma democracia racial. "A idéia ganhou força nos anos 30, inspirada pela obra do sociólogo Gilberto Freyre, para quem não havia no Brasil distinções rígidas entre brancos e negros e a discriminação era social, feita aos pobres" (30).

            O mito começou a cair a partir do final da década de 60, quando se se descobriu que o Brasil não só tinha preconceito em relação aos pobres como a discriminação era especialmente dirigida a negros, pardos e índios.

            As principais propostas para vencer o preconceito estão agrupadas em uma categoria chamada "ações afirmativas", as quais serão apresentadas no próximo capítulo.

            Em suma, o racismo no Brasil tem suas raízes, segundo Salomon Blajberg, na ideologia do antinegro:

            Surgida durante a expansão marítima portuguesa, servindo de legitimação para o tráfico negreiro e o escravismo. A imagem da África e da pessoa negra no Brasil foi essencialmente moldada pelo colonialismo português. Além de transformar as pessoas negras em mercadorias e bens, elementos significativos de dominação sexual, religiosa e lingüistica, estão associadas ao escravismo no Brasil: a) a miscegenação que se tornou fundamento lógico de um sistema de idéias conducentes ao embranquecimento e ao mito de democracia racial; b)a conversão ao catolicismo, feita de maneira incompleta, não se estendendo aos escravos o sacramento do matrimônio e nem lhes proporcionando instrução religiosa; com a imposição do idioma português, misturando-se os escravos de diversas procedências. (31)

            Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, o trabalho escravo ainda existe no Brasil, pois no interior do Pará, há atualmente, 13 fazendas que mantêm mais de 500 trabalhadores em regime de escravidão por dívida e trabalho forçado em grandes fazendas (32).

            O trabalho escravo, além de presente no Estado do Pará, ainda é grande no interior do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde empreiteiros percorrem essas regiões em busca de trabalhadores rurais, que na promessa de bons empregos e salários, acaba por sofrer a exploração do trabalho escravo, ameaças e até penas corporais.

            As principais propostas para vencer o preconceito estão agrupadas em uma categoria chamada "ações afirmativas", as quais serão apresentadas no próximo capítulo.

            3.2 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO NACIONAL

            Em 1831, foi editada a primeira lei que aboliu o Tráfico Negreiro e declarou a liberdade dos escravos (33) - a chamada Lei Diogo Feijó.

            Após, em 1850, foi editada a Lei 581 denominada Lei Eusébio de Queiroz, que ficou conhecida como a segunda Lei contra o Tráfico Negreiro no Brasil.

            Lei Nabuco de Araújo, de 1854, foi editada por força da pressão inglesa em pôr fim ao comércio dos escravos no território nacional.

            Em 28 de setembro de 1871 foi editada a Lei Rio Branco, também conhecida como Lei do Ventre Livre.

            Apenas com a edição da Lei dos Sexagenários ( Lei Saraiva-Cotejipe)-Lei n.º 3.270, de 28 de setembro de 1885, juntamente com a Lei Áurea - Lei n.º 3.353, de 13 de maio de 1888, o Brasil acabou por proibir definitivamente a escravidão.

            Segundo Flávia Piovesan, (34) a Carta de 1934:

            Foi influenciada pela Constituição de Weimar, que ineditamente na história constitucional brasileira alargou a dimensão dos direitos fundamentais, no sentido de também incluir os direitos sociais. Com efeito, a característica básica de Weimar- o sentido social dos novos direitos - foi incorporada à Carta de 1934. Com a tutela dos direitos sociais, objetiva-se disciplinar aquela categoria de direitos que assinalam o primado da Sociedade sobre o Estado, afastando o absenteísmo estatal do século XIX, para consolidar a reabilitação do papel do Estado com referência à democracia, à liberdade e à igualdade.

            A Constituição de 1946, em termos de garantias e direitos individuais, assegurava aos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, liberdade, segurança individual e à propriedade, trazendo, ainda, a garantia do direito ao exercício de qualquer profissão, atendidas as condições de capacidade que a lei viesse a estabelecer.

            Em 1948, a Convenção da ONU, aprovada em Paris em 09 de dezembro de 1948, considerou o crime de genocídio como sendo contra "o Direito Internacional, contrário ao espírito a aos fins das Nações Unidas e que o mundo civilizado condena", reconhecendo ainda, que em todos os períodos da história, o genocídio causou grandes perdas à humanidade, sendo a cooperação internacional necessária na sua prevenção e punição.

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            O Brasil incorporou esse documento ao seu ordenamento jurídico em 1949, promulgando-o através do Decreto № 30.822/49 e com fundamento neste tratado, foi editada a Lei № 2.889/56, que definiu o crime de genocídio como comportamento com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, não o considerando, porém, como crime político para efeito de extradição, confirmando, mais uma vez, a doutrina do espírito do povo brasileiro, avesso a qualquer discriminação desde as suas origens, já que produto de um conjunto diversificado de povos e etnias.

            Vale ressaltar, que desde 1951, o Estado Brasileiro é parte da Convenção para a Prevenção do Crime de Genocídio.

            O primeiro texto legal que buscou combater a discriminação racial foi a Lei № 1.390/51, mais conhecida como Lei Afonso Arinos. Esta lei tipificou uma das formas de racismo, qual seja, a recusa de entidades públicas e ou privadas em atender pessoa em razão de cor ou raça. No entanto, pode-se dizer que suas penas eram apenas simbólicas, uma vez que, puniu estas condutas com mera contravenção penal, ou seja, delito de menor potencial ofensivo.

            Nos dizeres de Jorge da Silva (35) " Por ironia, o principal mérito da Lei Afonso Arinos foi descrever a forma como se dava a discriminação".

            A Constituição de 1967, juntamente com a emenda n.º 1 de 1969, implantaram a constitucionalização do crime de preconceito e de raça, bem como consagraram o princípio da igualdade perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicção política.

            Vale ressaltar, que no ano de 1968, o Brasil passou a integrar, a Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo de ensino, promulgada em 6 de setembro pelo Decreto № 63.223. Também é parte da Convenção 111 da Organização Internacional do trabalho, a qual faz menção à eliminação da discriminação em matéria de emprego e profissão, cujo Decreto № 62.150 incorporou definitivamente, em 23 de setembro desse mesmo ano, tal documento ao ordenamento jurídico interno.

            O maior marco contra todos os tipos de discriminação é sem dúvida, a Constituição Federal de 1988." Reconhecendo formalmente a especificidade da situação discriminatória dos negros e dos seus valores culturais, pois cuida da questão em vários dos seus dispositivos. Trata-se, evidentemente, de uma grande perspectiva que se abre no sentido da emancipação civil dos afro-brasileiros" (36)

            É interessante citar a respeito, a justificação oferecida pelo ex constituinte Carlos Alberto de Oliveira, o CAÓ, ao propor à Assembléia Constituinte de 1988 a tipificação do racismo como crime:

            Passados praticamente cem anos da data da abolição ( da escravatura ), ainda não se completou uma revolução política...iniciada em1988.Com efeito, imperam no país diferentes formas de discriminação racial, velada, ou ostensiva, que afetam mais da metade da população brasileira, constituída de negros ou descendentes de negros, privados do pleno exercício da cidadania. Como a prática do racismo eqüivale a decretar a morte civil, urge transformá-la em crime. (37)

            Nos dizeres de Flávia Piovesan (38) o texto de 1988, ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre direitos humanos, na história constitucional do país.

            Logo no Preâmbulo, propugna por uma sociedade "fraterna, pluralista e sem preconceitos" ( grifei ).

            A atual Constituição Federal Brasileira, além de aludir ao princípio da igualdade no preâmbulo, de forma genérica, reservou a esse crime espaço próprio, colocando-o entre os direitos e deveres individuais e coletivos, dentro do Título dos Direitos e Garantias fundamentais, com a previsão de que o racismo constitui crime inafiançável e imprescritível ( como já o fazia a Cata anterior), sujeito à pena de reclusão, cuja definição é de lei ordinária. Além dessa garantia, ainda determinou que a lei estabelecesse a punição a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

            Princípio básico fundamental da Carta Magna é o da Dignidade da pessoa humana, do qual todos os outros são decorrentes. Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet temos por dignidade da pessoa humana:

            ...a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (39)

            "Está aqui o reconhecimento de que, para o direito constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a qualquer interesse coletivo" (40)

            O artigo 3º do texto constitucional de 1988, nos seus incisos III e IV, consagra como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a redução das desigualdades sociais e promoção do bem comum, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação. "O Estado reconheceu que não basta declarar que todos são iguais perante a lei; a República assume a responsabilidade de " promover" ( o que implica a adoção de providências objetivas) o bem de todos". (41)

            Não obstante, a Carta Política de 1988, no artigo 4º, dispõe que: "A República federativa do Brasil rege-se nas relações internacionais pelos seguintes princípios:...VII - repúdio ao terrorismo e ao racismo". Portanto, um dos princípios fundamentais que passam a reger as relações internacionais do Brasil é o "repúdio ao terrorismo e ao racismo".

            Igualmente, para proteger a cultura negra, seus ritos religiosos e costumes trazidos da África, a Constituição Federal garante, no seu artigo 5º, inciso VI, a inviolabilidade da "liberdade de consciência e de crença", "o livre exercício de cultos religiosos" e "a proteção aos locais de culto e suas liturgias" Esta disposição representa um avanço em relação aos textos constitucionais anteriores, que reprimiam a cultura negra, considerando-a atentatória à "ordem pública" e aos "bons costumes".

            No que se refere ao resgate dos valores étnicos dos integrantes da raça negra e à sua contribuição para a formação da cultura brasileira, o artigo 68 º da Disposições Constitucionais Transitórias, em referência aos "quilombos" (comunidades negras que se organizaram autonomamente no interior do Brasil, liberando-se de fato da situação da escravidão), dispõe o seguinte: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".

            Em decorrência dos princípios fundamentais da Carta Magna, notadamente contra a discriminação racial em 5 de janeiro de 1989 foi promulgada a Lei 7..716, conhecida como " Lei Anti-Racismo" ou " Lei Caó" de condutas discriminatórias.

            Esta lei define considera o preconceito como crime. Apesar do seu nome, essa lei não representou maior avanço no campo da discriminação racial por ser excessivamente evasiva e exigir, para a tipificação de crime de racismo, que o autor declare após praticar o ato discriminatório que a sua conduta foi motivada por razões de discriminação racial. A mencionada lei, mostrou ser de difícil aplicação, já que não cria mecanismos que facilitem a prova de efetiva prática desse crime. Por outro lado, ao tornar necessário provar a intenção discriminatória, conduz a situações de prova em que a palavra do agressor compete com a do agredido e faz evidenciar a ofensa objetiva. E, também não previu as decorrentes de ofensa à honra em razão da raça, muito comum no dia a dia, levando as autoridades policiais a classificarem este tipo de ofensa como calúnia, injúria ou difamação, com penas bem inferiores, além de dependerem de ação privada, facilmente prescritíveis. Isso evidentemente não ocorreriam se fossem classificados como racismo, com reprimenda severa, demandando ação penal pública e sendo constitucionalmente inafiançáveis e imprescritíveis.

            Cabe ainda observar que a Lei № 7.716/89 definiu tão somente os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, não prevendo as práticas resultantes de preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica, que à luz da CIEFDR integram também a definição de discriminação racial (42).

            A Lei № 9.459/97, alterou em parte a Lei № 7.716/89 Lei Anti-Racismo, incluindo novos tipos penais, visando combater crimes resultantes de discriminaç

ão ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A nova lei amplia as formas de discriminação, acrescentando ao lado de cor e raça, os critérios etnia, religião e procedência nacional. É interessante ressaltar que esta lei não só inclui estes critérios alinhando-os à definição de discriminação racial prevista pela CIEFDR, bem como inclui o critério religião, não previsto pela mesma.

            No tocante ao crime de injúria, a nova lei acrescenta um parágrafo ao artigo 140 do Código Penal, prescrevendo pena de reclusão de um a três anos e multa "se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem".

            No entanto, o fato da Constituição e do Código Penal serem tão explícitos em relação a punição das práticas de discriminação racial apenas significa a existência da discriminação e do preconceito racial em nosso país. Porém, entre as intenções punitivas das leis e a sua real implementação, o que se vê de concreto é um grande abismo. As atitudes preconceituosas ou racistas, como agressões verbais contra o cidadão negro são, em geral, interpretadas pelos juízes como sendo apenas casos de ofensa à honra, deixando de ser crimes.

            As outras formas de discriminação, como as que ocorrem no âmbito das relações de trabalho, dificilmente podem ser enquadradas na lei. A pesquisa realizada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) informa que, dos 250 boletins de ocorrência registrados na Delegacia Especial de Crimes Raciais de São Paulo, apenas 130 resultaram em inquéritos e destes, pelo menos, 70% foram arquivados a pedido do Ministério Público. O que presenciamos de concreto é que apenas 15% das denúncias de racismo podem levar a alguma punição do criminoso.

            Pode-se dizer, que atualmente a legislação nacional evolui, havendo além desta legislação específica a existência de leis esparsas com relevantes dispositivos normativos que procuram amenizar as disparidades existentes entre os diversos grupos sociais brasileiros. Neste sentido, destacam-se: Lei №. 2.889/56, que define e pune o crime contra o genocídio; Lei №. 5.250/67, que regula a liberdade de pensamento e informação, vedando a difusão de preconceito e raça; Lei №. 6.620/78 que define os crimes contra a segurança nacional, como a incitação ao ódio ou à discriminação racial; Lei №. 6.815, Estatuto do Estrangeiro; Lei №. 8.081/90, que estabelece as penas aplicáveis as atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicações de quaisquer natureza; Lei №. 8.069/90, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de discriminação; Lei №. 8.213/91, em proteção aos portadores de Deficiência, que garante vaga em emprego de empresa privada ( além de garantia constitucional de empregos públicos, consoante o art.37, inciso VIII ); Lei №. 6.001/73, proteção das sociedades indígenas pelo Estatuto do Índio; Lei №. 7.210/84, que instituiu a Execução penal, proibindo distinção de natureza racial, social, religiosa ou política na aplicação da lei de execução penal; Lei №. 8.78/90, que dispõe sobre a proteção ao consumidor, proibindo toda publicidade enganosa, discriminatória ou que incite à violência; Lei №. 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; Lei №. 9.455/97, que, ao definir e punir o crime de tortura, prevê constituir crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa, entre outras.

            3.3 O BRASIL E A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE TODAS AS FORMAS DE ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL

            Primeiramente, cumpre observar que, somente a partir do processo de democratização do país em 1985, o Estado Brasileiro passou a ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos.

            Importante destacar a relação entre o processo de democratização do Brasil e o processo de incorporação de relevantes instrumentos de proteção dos direitos humanos, uma vez que, se o processo de democratização permitiu a ratificação de importantes tratados de direitos humanos, essa ratificação desencadeou o fortalecimento do processo democrático, através da ampliação e do reforço do universo de direitos fundamentais por ele assegurado.

            Conforme salienta Flávia Piovesan (43) "o marco inicial do processo de incorporação de direitos humanos pelo Direito Brasileiro foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes". Foi a partir dessa ratificação que outros instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos foram incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a luz da Constituição Federal de 1988, cabendo destacar as seguintes ratificações:

            a)a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989;

            b)a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990;

            c)o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992;

            d)o Pacto Internacional do Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992;

            e)a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.

            A CIEFDR foi adotada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965, tendo sido ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968.

            Como já foi dito anteriormente, os dois aspectos centrais da CIEFDR são combater a discriminação racial e promover a igualdade, portanto, combina uma vertente repressiva com uma vertente promocional, no que diz respeito à implementação do direito à igualdade. Pode-se dizer que, no tocante à matéria, a ênfase do direito brasileiro centra-se na vertente repressiva.

            No que tange ao impacto desta no Direito Brasileiro, observa-se que a CIEFDR introduz relevantes mecanismos internacionais de monitoramento dos direitos que enuncia, o que exige do Estado Brasileiro, por exemplo, a apresentação de relatórios que evidenciem o modo pelo qual o Brasil tem cumprido os dispositivos da mesma.

            Como já foi mencionado, o envio do décimo relatório periódico ao Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial foi fato marcante, tendo em vista que o Brasil havia deixado de apresentar os relatórios por vários anos consecutivos. O novo relatório foi muito elogiado pelos membros do CERD, pois o mesmo se produziu sob a influência da respeitável revisão da postura brasileira sobre o problema da discriminação racial, mostrando que o fenômeno da discriminação e do racismo devem ser combatidos com determinação. (44)

            Portanto, a consideração desse relatório pelo respectivo comitê, em 1996, assinalou a definitiva incorporação do Brasil ao conjunto de países que mantém com a comunidade internacional um diálogo sereno, franco e objetivo sobre seus problemas de direitos humanos.

            Até pouco tempo o governo brasileiro, apesar de ser signatário da CIEFDR, não reconhecia a competência do Comitê Internacional para a eliminação do racismo, desta forma o Comitê não podia receber e analisar denúncias de violações dos direitos humanos decorrentes de crime de racismo.

            Somente através do Decreto №. 4.738, de 12 de junho de 2003, promulgou-se a Declaração Facultativa prevista no art. 14 da CIEFDR, reconhecendo a competência do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de violação dos direitos humanos cobertos na mencionada Convenção.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETTO, Flávia Emanuelle. A convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 634, 3 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6488. Acesso em: 23 nov. 2024.

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