Capa da publicação Ofensas publicadas contra os mortos e delitos políticos: análise da morte da vereadora Marielle Franco
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Ofensas publicadas contra os mortos

28/03/2018 às 12:00
Leia nesta página:

A ofensa feita aos mortos é feita aos parentes ou herdeiros, como já dispunha o direito romano.

I - O FATO

De um lado, milhares de homenagens, memórias afetuosas e palavras de ordem. Do outro, mentiras, calúnias e ofensas publicadas (e curtidas) sem checagem. A execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes chocou o país e polarizou a internet. Já na noite do crime, 594 menções por minuto ao nome da vereadora foram registradas no Twitter, segundo estudo da Diretoria de Análises de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A morte da vereadora tem requintes de execução e pode ser classificado como homicídio qualificado, sem que fosse dada defesa às vítimas.


II - UM DELITO POLÍTICO?

Fala-se que seria um delito político.

Costuma-se ainda fazer uma dicotomia entre os critérios para o estabelecimento do crime político: de um lado, o subjetivista que toma em consideração o motivo, o caráter político do móvel que atribui natureza política ao fato. Por outro lado, para os objetivistas, será político todo crime que ofende ou ameaça diretamente a ordem política vigente em um país.

Necessário, pois, distinguir crimes subjetivamente políticos de objetivamente políticos.O artigo 8º do Código Penal italiano dizia: ¨é delito político todo delito que ofende um interesse político do Estado, ou um direito político do cidadão. Ainda seria delito político aquele que é determinado no todo ou em parte por motivos políticos. O motivo político seria o elemento predominante."

Leva-se em conta, no Brasil, na conceituação de crime político o critério objetivo-subjetivo, que leva em conta a natureza do interesse jurídico e a intenção do sujeito ativo do crime.


III - CRIMES CONTRA A  HONRA E A MEMÓRIA DE MORTOS

O artigo 139 do Anteprojeto do Código Penal prevê que é crime ¨ofender a honra ou a memória de pessoa morta.¨

A pena é de três meses a um ano.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sobre o qual poderá ser apresentada proposta de transação penal, benefício previsto na Lei 9.099/95.

Caso a ofensa consista em calúnia, consoante o previsto no parágrafo único do artigo, a pena será de prisão de seis meses a dois anos, estando a qualificadora ainda inserida dentro dos limites do rito previsto para os Juizados Especiais Criminais, com a previsão de seus institutos despenalizadores, inclusive a proposta de suspensão condicional do processo, nos limites do artigo 89 da Lei 9.099/95.

Na calúnia, a ação incriminada consiste em imputar a alguém falsamente a prática de um crime.

O fato atribuído, na calúnia, deve ser um crime, isto é, uma conduta penal vigente definida como crime. Assim, a imputação de contravenção pode se caracterizar em difamação. Nas mesmas penas do crime de calúnia incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala e divulga. Na redação do Anteprojeto, há que segue, no artigo 136,§ 1º: ¨Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a divulga."

No anteprojeto, a pena é de um a três anos, podendo haver a concessão do benefício de sursis processual.

O crime de calúnia exige o dolo específico, o ânimo de caluniar.

Como crime contra a honra, não há falar em calúnia, se é exercido tão-somente, nos devidos limites, um direito de crítica.

Na difamação, a ação consiste em atribuir a alguém a pratica de determinado fato, que lhe ofende  reputação ou o bom nome, a estima que goza na sociedade.

Na difamação, é necessário que o fato seja determinado e que esta determinação seja objetiva, pois a imputação vaga, imprecisa, mais se enquadra no crime de injúria(RT 89/366). Assim não se configura o crime de difamação se as increpações(censuras) são genéricas, sem que se impute um fato determinado.

Já a injúria imputa não fatos, mas defeitos morais que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, seja por gestos, palavras, atitudes, etc.

O Anteprojeto do Código Penal prevê pena de prisão de seis meses a um ano, com os benefícios da Lei 9.099/95.

Haverá injúria preconceituosa ou injúria qualificada, num conceito mais amplo do que o atual(artigo 138,§ 2º do Anteprojeto) se a injúria consiste em referência à raça, cor, etnia, sexo, identidade ou opção sexual, idade, deficiência, condição física ou social, religião ou origem. Aqui, o ideal, é a que a previsão legal seja, pelo menos, de ação penal pública condicionada, como se vê da Lei 12.033/94, em que as ações penais nos crimes de injúria qualificada por discriminação passaram a ser de natureza pública condicionada(à representação da vítima). Pela gravidade da conduta, a pena sobe de prisão de um a três anos.

Entende-se que o morto não é sujeito passivo do delito contra a honra , pois existe, no caso, como alertava Magalhães Noronha(Código penal brasileiro comentado, volume VII, pág. 10 ofensa a direito de seus parentes.

É certo que o Código Penal vigente, no artigo 138, § 2º, fala em calúnia contra o morto. Mas como disse Magalhães Noronha (Direito penal, Editora Saraiva, 2º volume, 1976, pág. 128) o homem exige respeito para com os que morreram, para os que se foram desta vida em demanda a um estado que importa uma ordem sobrenatural e que se acha acima da razão humana.

Sendo assim, a calúnia contra os mortos pode atingir não só os parentes, mas também os amigos íntimos, às vezes, mais a estes do que aqueles, como ainda disse Magalhães Noronha.Na ausência de parentes, inexiste o titular da ação que é privada. Somente o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão é que poderão intentar o processo, por analogia ao disposto no artigo 31 do Código de Processo Penal.

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Realmente, era incompreensível que o Código Penal limitasse a incriminação somente à calúnia.

O Anteprojeto segue os rumos do Código Penal italiano que pune a difamação e a injúria contra o morto e o suíço incrimina também a primeira.

A Lei de Imprensa, Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, editada em plena ditadura militar, que não foi recepcionada pela Constituição de 1988, no tocante à defesa do morto, artigo 24, não se limitou aos mortos apenas o crime de calúnia. Entendeu que a difamação e a injúria, contra a memória de um pai, mãe ou filho atinge o descendente ou ascendente, reflete-se diretamente sobre eles. Isso porque se entende que a memória do morto é patrimônio moral da família ou dos vivos.

A ofensa feita aos mortos, repito, ainda na linha traçada por Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, artigos 121 a 212 do Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, pág. 187) é feita aos parentes ou herdeiros, como já dispunha o direito romano. (injuria facta cadaveri dicendum est heredi facta).

Assim, o Anteprojeto do Código Penal, no artigo 139, fala em ofensa à honra ou memória de pessoa morta, com pena de três meses a um ano, dispondo, no parágrafo único, que se a ofensa consistir em calúnia, a prisão será de seis meses a dois anos.

De toda sorte, dos crimes contra a honra, na espécie, só é punível o crime de calúnia contra os mortos (artigo 138, § 2º do CP), que não são sujeito passivo. A ação penal será exercida pelas pessoas mencionadas no artigo 31, CPP, interpretado de forma analógica.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Ofensas publicadas contra os mortos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5383, 28 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64921. Acesso em: 21 nov. 2024.

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