A relativização da coisa julgada na investigação de paternidade.

Verdade material e verdade real em conflito com falta do exame de DNA

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24/03/2018 às 15:14
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4. RELATIVIZANDO A COISA JULGADA TENDO PROVA MATERIAL O TESTE DE DNA.

Falar em relativização da coisa julgada nos dias de hoje significa desmistificar um instituto visto, desde a sua criação até pouco tempo, como absolutamente intocável. “Há casos excepcionais em que se configura extrema injustiça, como, por exemplo, numa decisão de investigação de paternidade proferida sem a realização do exame pericial”. (CARRION, 2010). A seguir será explanado sobre a utilização do Exame de DNA.

4.1 CONSEQUÊNCIAS DO AVANÇO E POPULARIZAÇÃO AO EXAME DE DNA

O avanço e popularização junto ao exame de DNA ocasionou uma corrida voltada para busca da suposta verdade biológica, acabado por ocasionar profundas e significativas discussões na área de Direito de Família. Isso ficou mais acentuado nas ações investigatórias.

Não se pode olvidar que a colaboração do investigado é essencial para o sucesso do resultado. Muitos se negaram a se submeter ao exame, fazendo com que inclusive essa questão chegasse ao STF – Supremo Tribunal Federal, que pela maioria dos Ministros entendeu não estar o investigado obrigado a realizar o exame.

Se o DNA é a solução mais avançada para identificar a paternidade, com um grau de certeza quase que absoluto, não há como prosperar a presunção pater est quem justae nuptiae demonstrat, substituindo a verdade material pela ficta. Prevalece, hodiernamente, o atendimento ao superior e legítimo interesse do filho (Kinderwohl, na Alemanha, ou the best interest of the child, do direito norte-americano) em descobrir sua identidade genética, ou, melhor, a verdade real biológica. Logo, não poderia prevalecer o fetichismo injustificável de dispositivos legais retrógrados, nem se poderia deixar de admitir a produção das provas que fossem necessárias à realização da justiça e à descoberta da verdade real. (DINIZ, 2011, p.527).

Em vários casos paternidades que então não eram reconhecidas pela ausência do exame de DNA foram realizadas. Diametralmente, paternidades que foram reconhecidas tiveram a oportunidade e serem contestadas. O exame de DNA acabou trazendo mais consistência, somado a outros elementos probatórios para a construção da convicção do juiz.

Quando se utiliza o vocábulo para designar a atividade probatória ou os meios com que ela se desenvolve, diz-se que está falando de prova num sentido objetivo. Quando ele á utilizado para designar a convicção que as provas produzidas no processo geram no íntimo do julgador, isto é, o resultado que a atividade e os meios probatórios induzem no espírito do juiz, diz-se que se está usando aí o termo prova num sentido subjetivo. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 16).

Deve-se atentar para saber se, na instrução não ocorreu o exame de DNA. Caso já tenha sido produzida essa prova, não se pode em nova ação rediscutir o mesmo tema.

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO COM OS MESMOS PEDIDOS E FUNDAMENTOS - REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA NA PRIMEIRA AÇÃO - RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - IMPOSSIBILIDADE. - Se em ação anterior foram produzidos todos os atos processuais, sem a constatação de qualquer nulidade, com ampla instrução probatória, inclusive com realização de teste de DNA, opera-se coisa julgada material. - Extinção do processo, sem resolução do mérito. - Dicção do art. 267, inciso V, do CPC. - Recurso não provido (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2015)

Diferentemente, caso se perceba que o exame de DNA não foi produzido, abre-se a possibilidade de rediscutir o mérito e dependendo do caso concreto e lapso temporal, desconstituir a sentença.

Deve-se destacar que essa nova prova pericial pode sofrer dificuldades em sua colheita. De início, tem que haver a colaboração do demandado para sua realização., afinal, ambas as partes têm o dever de colaborar com o Poder Judiciário. O Artigo 378 do NCPC dá ênfase a essa importância. “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”.

Sendo o processo, por sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade, agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. Já vimos que o processo é um instrumento posto à disposição das partes não somente para a eliminação de seus conflitos para que possam obter respostas às suas pretensões, mas também para a pacificação geral na sociedade e para a atuação do direito. Diante dessas suas finalidades, que lhe outorgam uma profunda inserção sócio-política, deve ele revestir-se de uma dignidade que corresponda a seus fins. O princípio que impõem esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da justiça; advogados e membros do Ministério Público) denomina-se princípio da lealdade processual. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 77).

De acordo com o artigo 5o NCPC “Aquele que de qualquer forma participar do processo deve comporta-se de acordo com a boa-fé”’. Claro que, ainda que se leve em consideração a boa fé, o demandado pode se omitir para realização do exame ou procurar retardar o andamento. Logo, seria incongruente se interesses unilaterais do demandado fossem suficientes para formação do juízo e certeza jurídica.

Ainda merece desataque:

Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - COISA JULGADA - EXAME DE DNA - PROVA DA VERDADE REAL - RELATIVIZAÇÃO. O estado de filiação consiste em direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, especialmente abordado pelo art. 27 da Lei 8.069 /90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente ), estando ainda ligado aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, previstos respectivamente no art. 1o , inc. III , e no art. 226 da Constituição da República, erigindo o reconhecimento da filiação a direito fundamental. Em face do progresso tecnológico, que disponibilizou técnicas de aferição e certeza da paternidade biológica, surgiu a necessidade de relativização da coisa julgada, em sede de investigação de paternidade, em prestígio da busca da verdade real, em razão da inviabilidade dos exames biológicos ao tempo da ação ordinária, assegurando às partes a substituição da verdade ficta pela verdade real. Nesse sentido, tem-se admitido o laudo de DNA, apresentado após o trânsito em julgado da sentença prolatada em sede de investigação de paternidade, como documento novo, hábil a embasar ação rescisória, nos termos do art. 485 do CPC. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2006)

Não se pode esquecer que reconhecimento voluntário é ato que se opera de modo espontâneo, sem a necessidade de imposição. As formas são elencadas no artigo 1.609 do Código Civil, sendo a mais comum o reconhecimento no registro de nascimento.

Todavia, quando o reconhecimento da paternidade não ocorre de forma espontânea é necessário o encaminhamento pela forma judicial, através da ação de investigação de paternidade. Possui rito ordinário e é imprescritível. Tem espécie declaratória, pois almeja a declaração da relação jurídica de filiação por ser um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

4.2 A VERDADE REAL, A VERDADE FORMAL E VERDADE PRESUMIDA NO DIREITO DE PATERNIDADE COM ADVENTO DO EXAME DE DNA

A Lei n° 8.560/92, de 29 de dezembro de 1992, trata da regulamentação de investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Pelo parágrafo único do Art. 2o-A da Lei no 8.560/92, acrescentado pela Lei no 12.0004/2009: A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade. Até nesse ponto, não se chegou necessariamente a verdade real.

A paternidade jurídica é, portanto, imposta por presunção (CC, art. 1.597, I a V), pouco importando se o marido é ou não responsável pela gestação, despreza-se a verdade real para atender à necessidade de estabilização social de proteção ao direito à filiação, mas se outorga ao pai o direito de propor a negatória, havendo suspeita de que o filho não é seu, a qualquer tempo (CC, art. 1.601), ou após exame de DNA, segundo alguns julgados. (DINIZ, 2011, p.499).

Logo, por não ter se chegado necessariamente a verdade real, essa verdade presumida poderá ser corroborada. Para Oliveira Filho (2011) “A sentença de mérito, conquanto transitada em julgado, pode conter vício que a torne rescindível (judicuim rescindens) com rejulgamento, se for o caso, da causa nela retratada (judicium rescissorium).

Essa busca pela verdade se consubstanciou ainda mais com leis infraconstitucionais. O exame de DNA veio suplantar a deficiência probatória que assolou muitos casos passados.

A deficiência probatória, ou a negligência do réu em subsidiar o juiz para que forme sua convicção, não pode gerar certeza jurídica de inexistência do estado de filiação, a ponto de impedir o retorno do investigante a juízo. O que ocorre é nada mais do que falta de pressuposto eficaz ao desenvolvimento da demanda. A impossibilidade de formação de um juízo de certeza leva à extinção do processo sem resolução de mérito (CPC 267 IV), e não a uma sentença de mérito. De qualquer forma, mesmo julgada improcedente a ação, a sentença não gera coisa julgada a ponto de inviabilizar a volta ao Judiciário. O vínculo biológico não foi submetido à apreciação judicial. Logo, esse ponto não foi alvo de julgamento. Em consequência, finda a ação por falta de prova, não está impedido o autor de retornar a juízo, buscando a realização da prova pericial para descobrir a verdade biológica e estabelecer o vínculo de filiação. (DIAS, 2015 p. 442).

Não se pode olvidar que a lei Lei 8.069, de 13/07/1990 – Estatuto da Criança e adolescente surgiu em decorrência da atenção que a Constituição Federal de 1988 deu ao estado de filiação.

O Capítulo III, Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, o Título II, Dos Direitos fundamentais, a Seção II, da Família Natural, são elementos dos novos princípios jurídicos relacionados ao ao estado de filiação.

Nessa análise de igualdade, paralela a chegada do exame de DNA, as provas que no passado consubstanciaram uma verdade presumida ou dependendo da instrução e andamento processual, uma verdade formal, foram mitigadas.

Ademais, não se pode esquecer que a prova material tem considerável relevância sobre um depoimento e confissão. Claro, dependendo das peculiaridades do caso concreto.

(...) As pessoas, ainda que tragam em seu corpo a representação de um fato, não podem ser consideradas documentos, por serem estes, como se viu, um meio real de representação. O seu depoimento, contudo, pode ser considerado um fato representativo de um outro fato, mas ele deverá ser colhido por outro meio probatório que não a prova documental (depoimento pessoal ou prova testemunhal, por exemplo). Coisas e pessoas são fontes de provas distintas. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 136).

Por outro lado, a apreciação das provas está sujeita a certas regras quanto à formação do convencimento, que fica limitada:

a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica discutida; b) às provas desses fatos colhidas no processo;

c) às regras legais de prova;

d) e às máximas de experiência.

Paralelo a esse entendimento, não se pode esquecer que o convencimento há de ser motivado e a motivação deve, ainda, ser pautada em argumentos racionais – não se admite, por exemplo, a apreciação das provas de acordo com critérios de fé religiosa, por exemplo. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 39).

A verdade real, a verdade formal e a verdade presumida devem ser analisadas de forma sincronizada com o que foi instruído no processo. Caso contrário, o juiz corre o risco de se tornar apenas um mero homologador.

Igual preocupação colhe-se de acórdão relatado pelo então Des. Sérgio Gischkow Pereira, na Apelação Cível 595.074.709 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao apontar essa divinização do DNA como se fora uma fórmula milagrosa de resolução de todos os problemas pertinentes à investigação dos vínculos de filiação. Alerta, por isso, que é tempo de repensar a metodologia processual, para que o juiz não se converta em um mero “agente homologador da perícia genética”. (JUSTO, 2014, p. 607)

Contudo, independente da força probatória que o exame de DNA carrega, o judiciário deve atentar para as peculiaridades que o caso concreto carrega. Essa análise do conteúdo probatório é de grande importância para que não se ocorram injustiças.

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4.3 ANÁLISE DO HABEAS CORPUS No 71.373-4 EM QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SE POSICIONOU SOBRE A POSSIBILIDADE DE SE SUBMETER COERCITIVAMENTE UMA PESSOA AO EXAME DE DNA.

Os tribunais exercem influência direta no entendimento e interpretação de leis. Por ser de relevante importância o desempenho desse papel é primordial analisar o posicionamento do STF – Supremo Tribunal Federal.

Nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado (Artigo 101 da CF/88), o STF é composto por onze ministros. Esse tribunal exerce jurisdição constitucional em todo o Brasil, sendo o intérprete máximo da Constituição.

Num ordenamento jurídico comandado por normas principiológicas e recheado de regras veiculadoras de cláusulas gerais, como é o nosso atual sistema, importantíssimo de torna o papel da jurisprudência. Cabe aos Tribunais – mormente os Superiores – a aplicação da obra do legislador mediante o mecanismo de precedentes criteriosa e adequadamente elaborados, para a oferta de previsibilidade que propicie a convivência humana e os negócios nela desenvolvidos. Muito dependerá da forma com que a jurisprudência atuar nos casos concretos tal previsibilidade e confiança dos jurisdicionados, se, as quais não se poderá admitir a configuração de um verdadeiro Estado de Direito Democrático, comprometido, fundamentalmente, com o princípio da segurança. (THEODORO JR et al, 2015, p. 68).

Não se pode esquecer que a atual Constituição é bem recente, de 1988. Logo, é comum o STF se posicionar sobre temas voltados para sua interpretação. Para isso, os princípios constitucionais devem ser analisados com prevalência.

Como toda Constituição é provida pelo menos de um mínimo de eficácia sobre a realidade – mínimo que o jurista deve procurar converter, se possível, em máximo – é claro que o problema constitucional toma em nossos dias nova dimensão, postulando a necessidade de coloca-lo em termos globais, no reino da Sociedade Essa Sociedade, invadida de interferências estatais, não dispensa, por conseguinte, o reconhecimento das forças que nela atuam poderosamente, capazes de modificar, com rapidez e frequência, o sentido das normas constitucionais, maleáveis e adaptativas na medida em que possam corresponder, de maneira satisfatória, às prementes e fundamentais exigências do meio social. (BONAVIDES, 2011, p. 97).

Antes de tudo é primordial tratar da posição do STF que debateu a possibilidade de submeter coercitivamente uma pessoa ao exame de DNA. Essa temática foi analisada no Habeas Corpus no 71.373-4, originária do Rio Grande do Sul.

Na época o Relator foi o Ministro Francisco Rezek, no julgamento datado de dez de novembro de mil novecentos e noventa e quatro, por seis votos a quatro se entendeu o cabimento do habeas corpus, com o argumento da intimidade e preservação da dignidade humana.

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.

STF - HABEAS CORPUS HC 71373 RS (STF) (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1994)

Tendo seu voto vencido, o Ministro Relator Francisco Rezek destacou que o direito ao próprio corpo não pode ser viso como algo absoluto ou ilimitado. Sendo que algumas vezes a incolumidade corporal deve ceder espaço a um interesse preponderante, como no caso da vacinação, em nome da saúde pública.

O referido Ministro Relator reforçou a atenção do legislador infraconstitucional a partir da Constituição Federal de 1988, para com os direitos da criança e do adolescente. As inovações que a constituição trouxe no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso deram nova conformação ao direito da criança, de que é exemplo o artigo 227 da Carta Política.

A legislação infraconstitucional tem acompanhado, por igual, os avanços verificados neste exato domínio. Assim, a Lei 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei n. 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, entre outras.

Em seu voto o Ministro Francisco Rezek destacou:

O que temos agora em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade, ou o do indigitado pai à sua intangibilidade física.

[...] Provas periciais vinham servindo até pouco tempo atrás, para produzir apenas a certeza negativa da paternidade. De outro modo, conduziam ao non liquet no campo da ciência, e à busca de formas menos seguras de convicção. Com o novo exame surge, pela vez primeira, a possibilidade de se substituir a verdade ficta pela verdade real. Há hoje uma técnica que proporciona certeza tanto para exclusão como para confirmação do vínculo genético.

É certo ainda, como ponderou o Ministério Público Federal, que a recusa do investigado implica descumprimento de um "dever processual de colaboração, normativamente posto no artigo 339 do CPC, verbis:

Artigo 339 - ‘Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade’."

[...] A Lei n. 8.069/90 veda qualquer restrição ao reconhecimento do estado de filiação, e é certo que a recusa significará uma restrição a tal reconhecimento. O sacrifício imposto à integridade física do paciente é risível quando confrontado com o interesse do investigante, bem assim com a certeza que a prova pericial pode proporcionar à decisão do magistrado.

Também tiveram votos vencidos os Ministros Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.

Merece atenção o voto vencido do Ministro Ilmar Galvão. O qual entendeu que a simples recusa do réu em fornecer o material necessário ao exame pericial DNA já basta para a configurar uma prova indiciária da paternidade, satisfazendo assim por inteiro ao autor da ação.

Esclareceu também que na investigatória, não há satisfação de interesse meramente patrimonial, mas, sobretudo, a consecução de interesse moral, que só encontrará resposta na revelação da verdade real acerca da origem biológica do pretenso filho

Em seu voto o Ministro Galvão destacou:

Trata-se de interesse que ultrapassa os limites estritos da patrimonialidade, possuindo nítida conotação de ordem pública, aspecto suficiente para suplantar, em favor do pretenso filho, o egoístico direito à recusa, fundado na incolumidade física, no caso, afetada em proporção ridícula.

Não é por outra razão que, nas ações da espécie, que são ações de estado (status familiae), a intervenção do Ministério Público é obrigatória (art. 82, II, do CPC).

No confronto dos dois valores, Senhor Presidente, não tenho dúvida em posicionar- me em favor do filho, razão pela qual meu voto é no sentido de indeferir o habeas corpus.

Por outro lado, os Ministros favoráveis ao deferimento do habeas corpus foram Marco Aurélio, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves, Octavio Galloti. Segue análise.

O Ministro Sydney Sanches se posicionou contra a condução coercitiva de alguém a juízo para submetê-lo extração de sangue. Da mesma forma, entendeu que não se mostrava razoável forçá-lo à ejaculação, para obtenção de esperma.

Em seu voto o Ministro Galvão destacou:

Mesmo no processo penal, o réu pode ser citado para comparecer ao interrogatório e não comparecer. Poderá o Juiz, nesse caso conduzi-lo coercitivamente ou terá que decretar a revelia?

Mesmo que se admita que possa ou deva ser conduzido coercitivamente, não poderá ele se calar? Claro que sim. Parece-me repugnar à natureza das coisas e à própria natureza humana compelir alguém, contra sua vontade, a servir como objeto de prova, com violação à intimidade até do corpo (art. 5º, inc. X, da C.F.).

A recusa, obviamente, poderá repercutir, negativamente, contra aquele que dela se vale, podendo-se, até, considerar provado o que se pretendia provar com o exame recusado.

Aliás, em situação como a dos autos, a recusa do paciente pode facilitar, ainda mais, o êxito da ação investigatória de paternidade, de sorte que não há prejuízo para a parte contrária.

Dando continuidade aos votos, o Ministro Moreira Alves entendeu que o direito a investigação de paternidade é um direito disponível, tanto assim que se pode deixar de propor a ação. Por estar diante de dois valores: um disponível e outro que a Constituição resguarda, e que é o da inviolabilidade da intimidade, prevaleceu o que é resguardado pela Constituição, logo, não podendo ser violado.

Já o Ministro Néri da Silveira primeiramente destacou o então Código de Processo Civil, que em seu artigo 339 tratava das provas "Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade."

Contudo, discutiu se esse artigo, então infraconstitucional, tinha a eficácia de forçar o réu pelo dever de colaborar com o Poder Judiciário, a dispor de direito indisponível, segundo a Constituição.

“[...] O réu não quer que lhe seja extraído do corpo material hematológico destinado ao exame do DNA. Pergunta-se: O Poder Judiciário pode obrigar alguém a submeter-se a esse tipo de exame? O paciente considera constrangimento ilegal ser obrigado ao exame aludido. Em favor desse posicionamento, invoca-se o disposto no inciso X do artigo 5o da Constituição que assegura a inviolabilidade da intimidade, e aqui cabe ver compreendida, também, a inviolabilidade do corpo. Há outro dispositivo que, a meu ver, não pode deixar de ser levado em conta: é o inciso II do artigo 5o da Constituição que reza: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Tendo como base o resumo dos argumentos acima, o então Ministro Néri da Silveira deferiu o habeas corpus, entendendo que não existia lei obrigando a coleta pericial de DNA. Ademais, ia contra o próprio sistema constitucional forçá-lo.

Para o Ministro, não se tratava apenas de uma da ação cível, mas também de uma questão concernente à liberdade e aos direitos individuais. Elementos consagrados constitucionalmente. Ninguém poderia ser constrangido contra sua vontade a um exame de DNA que implicaria extração de material hematológico de seu corpo.

Lembra-se, a esse propósito, que nem caberia condução coercitiva (sub vara) do Réu ao exame médico-pericial, conforme proclamou o Supremo Tribunal Federal, em conhecido julgamento de habeas corpus, reformando decisão da 8a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A solução, nos termos do voto vencedor do Min. Marco Aurélio, reside “não no campo da violência física, da ofensa à dignidade humana, mas no plano instrumental, reservado ao Juízo competente – ou seja, da investigação de paternidade – a análise cabível e a definição, sopesadas a prova coligida, e a recusa do réu. (JUSTO, 2014, p. 610)

Dando prosseguimento na análise dos votos, o Ministro Marco Aurélio também deferiu o habeas corpus, entendendo que seria inegável constrangimento forçar o então paciente a coleta pericial de DNA, ainda que fosse feira coleta em pequena quantidade. [...] inexiste lei reveladora de amparo à ordem judicial atacada neste habeas corpus – no sentido de o Paciente, Réu na ação de investigação de paternidade, ser conduzido ao laboratório para a colheita do material indispensável ao exame.

Ainda que houvesse, estaria maculada, considerados os interesses em questão – eminentemente pessoais e a inegável carga patrimonial – pela inconstitucionalidade. Digo isto porquanto a Carta Política da República – que o Doutor Ulisses Guimarães, em perfeita síntese, apontou como a "Carta Cidadã" – consigna que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas – inciso X do rol das garantias constitucionais (art. 5o). Onde ficam a intangibilidade do corpo humano, a dignidade da pessoa, uma vez agasalhada a esdrúxula forma de proporcionar a uma das partes, em demanda civil, a feitura de uma certa prova?

Por fim, no que concerne a análise dos votos o então Ministro Octavio Galloti, na época Presidente do STF, acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio. Acabou por deferir o habeas corpus. Entendeu que não se vislumbrava apenas uma questão patrimonial, mas também um direito indisponível.

Com esse julgamento, tendo os seis votos a favor e quatro contra o deferimento do habeas corpus, se entendeu pela ilegalidade da determinação judicial da então condução coercitiva, tido como “debaixo de vara”. Não se existia lei específica sobre o assunto, ademais, ia em confronto com princípios constitucionais indisponíveis consagrados pelo legislador originário.

4.4 ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 363.889/DF DE REPERCUSSÃO GERAL QUE ADMITIU QUE SE PUDESSE RELATIVIZAR A COISA JULGADA EM CASOS QUE NÃO FOI POSSÍVEL DETERMINAR A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO GENÉTICO.

A problemática sobre a coisa julgada nas ações que envolviam direito de paternidade chegou ao STF no ano de 2011 através do Recurso Extraordinário 363.889.

Antes de adentrar na análise, deve-se engrandecer a inovação da Constituição Federal sobre o conceito de família, junto com o Código Civil de 2002. Afinal, a forma passada, então patriarcal não se enquadrava mais na nova conjuntura social.

Não foi sempre assim. O revogado Código Civil de 1916, embora tenha sofrido mitigações em seu rigorismo no âmbito familiar, continha odiosas discriminações aos filhos havidos fora do casamento, chamados de “ilegítimos”, entre eles catalogando uma subespécie inferior, a dos “adulterinos” e “incestuosos”, tidos como “bastardos” ou “espúrios”, que nem seque podiam ser reconhecidos pelos seus pais de sangue (art. 358 do Código Civil, com as ressalvas da Lei 883/1949). (JUSTO, 2014, p. 604)

Sobre seu posicionamento sobre a temática, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de repropositura da ação em casos que não foi possível determinar a existência de vínculo genético.

De acordo com o caso concreto, a parte na época não tinha condições de custear o exame de DNA e o Estado não custeou a produção da prova.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE.

1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova.

2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.

3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.

RE 363889 / DF – DISTRITO FEDERAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI – Julgamento: 02/06/2011 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação ACÓRDÃO ELETRÔNICO – REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO – DJe-238 DIVULG 15-12-2011 – PUBLIC 16-12-2011. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2011)

De acordo com o posicionamento concernente ao RE 363889/DF de 2 de junho de 2011, percebe-se que o direito à filiação, junto a identidade e a dignidade da pessoa humana acabaram por predominar sobre a segurança jurídica, ou seja, sobre a coisa julgada.

Em outras palavras, para o Supremo Tribunal Federal pode ser relativizada a coisa julgada nas ações de investigação de paternidade em casos que não foi possível se determinar a efetiva existência de vínculo genético. Ou seja, em casos que não houve a realização do exame de DNA.

Contudo, não se pode deixar de reforçar que cada caso carrega suas peculiaridades que lhe são concernentes. Para isso, deve-se analisar com cautela o contexto probatório e não somente a pericial.

Com efeito, se a filiação não foi reconhecida voluntariamente, resta ao interessado a via judicial, mediante ação investigatória de paternidade, a ser proposta pelo filho contra o suposto pai ou seus herdeiros. A ação é de rito ordinário, admitindo todos os meios de prova, e não somente a pericial, que hoje assume grande relevância em face da evolução científica, desde os exames hematológicos (tipos sanguíneos – ABO, Rh, HLA etc.) aos mais modernos e precisos, relacionados à compatibilidade genética (DNA). (JUSTO, 2014, p. 605)

Diante desse contexto, ficou evidenciado no RE 363889/DF que o Supremo entende pela possibilidade da relativização da coisa julgada. Claro que, analisando as especificidades que cada caso concreto carrega.

Partindo-se dessa análise, a necessidade da relativização da coisa julgada deve ser aceita. O direito a identidade biológica tendo como embasamento a verdade real se dá com o exame da DNA, acompanhado do contexto probatório das demais provas.

Negar isso poderia causar inúmeros problemas, colocando inclusive em evidência o direito à vida. Como uma pessoa poderá saber as doenças que foram comuns nas suas gerações passadas?

Seria um retrocesso obstaculizar a realização do exame genético para a busca da verdade biológica. Em outras palavras, se uma pessoa fica sem saber os problemas de saúde que foram característicos de seus antecedentes, ficará sem meios para realizar um tratamento mais direcionado. A exemplo são famílias que possuem tendência para desenvolvimento de câncer e diabetes.

Mesmo que a dignidade da pessoa humana seja um princípio constitucional fundamental (art. 1o, III, CF 1988), quando se entra em colisão o direito a vida, deve ser ponderado. Afinal, nenhum direito pode ser considerado absoluto.

Em uma análise de investigação de paternidade, busca-se saber a verdade dos fatos. Porém, mesmo se revestindo da coisa julgada, o direito deve analisar se a verdade foi constituída sem o exame de DNA. Maria Berenice Dias discute o tema com bem afinco. Abaixo um caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

INVESTIGACAO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA. A SENTENCA QUE DESACOLHE A AÇÃO INVESTIGATÓRIA, SEM QUE TENHA SIDO REALIZADO EXAME DE DNA, NAO FAZ COISA JULGADA DA INEXISTENCIA DO VÍNCULO PARENTAL. A IMPROCEDENCIA DA ACAO SOMENTE RECONHECE QUE INEXISTE PROVA DA PATERNIDADE, SENDO POSSIVEL INTENTAR NOVA DEMANDA PARA QUE A PROVA SEJA REALIZADA. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTICA)

Processo 70006432256 Tribunal de Justiça do RS – Embargos Infringentes -Quarto Grupo de Câmaras Cíveis – Relator: Maria Berenice Dias – (BRASIL. Tribunal de Justiça do RS, 2003)

Partido desse pressuposto e em virtude dos vários problemas que podem ser ocasionados por sentenças injustas ou até mesmo contrárias ao ordenamento jurídico, mesmo que tenham alcançado a autoridade de coisa julgada, emerge a necessidade da discussão sobre a relativização da coisa julgada

Antes de tudo, deve-se ter prudência ao se analisar uma prova. Por mais robusta que seja.

Mas é preciso não olvidar que o teste de DNA não é uma prova infalível, logo, não se devem excluir os demais meios probatórios e o juiz deve avaliar, prudentemente, o resultado, pois é preciso averiguar não só a credibilidade do laboratório, a técnica utilizada, mas também se houve ou não uso de marcadores genéticos adequados, se não houve troca de amostras, falha na leitura o na transcrição dos dados obtidos etc. O exame científico do DNA não pode desviar o caminho da instrução probatória, transformando o órgão judicante em simples homologador de laudos pericias. Urge que, nas ações de investigação de paternidade, para declarar o vínculo biológico da filiação, o órgão judicante analise não só o teste de DNA, mas também o conjunto das provas produzidas pelas partes. (DINIZ, 2011, p.535).

Contudo, a ordem jurídica introduzida pela Constituição Federal de 1988, tem característica de e Estado social democrático de direito. No seu artigo 227, §6o, destaca o princípio da dignidade da pessoa humana, procurando dar fim às discriminações relativas à filiação, assegurando igualdade de direitos aos filhos havidos fora da relação de casamento ou por adoção.

A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social. Portanto, os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm de ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do Estado Social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder. (BONAVIDES, 2011, p. 371).

Nesse contexto, a família é um importante grupo social em que o indivíduo se desenvolve, logo não poderia albergar qualquer tipo de diferença entre seus membros. Esse entendimento é crucial para que se busque a verdade nas demandas envolvendo paternidade.

Mediante o exposto, mesmo que no passado as demandas tenham alcançado a confiabilidade de coisa julgada, surge a necessidade da discussão sobre sua relativização. Por outro lado, o juiz deve analisar a proporcionalidade tendo o escopo do exame de DNA. Porém, caso não tenha ocorrido o esgotamento de todas as provas admitidas em direito, nesse exemplo o exame de DNA, entende-se que não se chegou a verdade real. Ainda que a mesma seja considerada uma ficção. Logo, não se pode afirmar que há coisa julgada.

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