A responsabilidade civil das concessionárias de energia elétrica

Tratado sobre a responsabilidade das concessionárias brasileiras neste ramo

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Resumo:


  • A responsabilidade civil das concessionárias brasileiras e do Estado tem sido objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu, em certos casos, a aplicação da responsabilidade solidária, contrapondo-se à tradicional responsabilidade subsidiária do Estado.

  • A responsabilidade objetiva é um avanço na proteção dos administrados, dispensando a comprovação de culpa e baseando-se na teoria do risco administrativo, enquanto a responsabilidade subsidiária tem sido criticada por favorecer a Administração Pública em detrimento da iniciativa privada e do cidadão.

  • Um julgado recente do STJ mudou a perspectiva anterior, reconhecendo a responsabilidade solidária do Município de São Paulo e da SABESP em caso de dano ambiental, indicando uma possível evolução na interpretação da responsabilidade civil do Estado em relação às concessões de serviço público.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discussão acerca da responsabilidade civil do Estado em relação às concessionárias de energia elétrica.

INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, considerando o tema da responsabilidade civil no que tange às concessionárias brasileiras e a novel possibilidade de mudança do tema pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tivemos o reconhecimento em determinados casos, mesmo ante à concessão integral do serviço público da aplicação da responsabilização na modalidade solidária.

Isso porque, com contorno óbvio da obscuridade da legislação específica, vê-se que quando caracterizado um dano em decorrência da prestação do serviço público quando realizado por estas empresas, aplicava-se, invariavelmente, a responsabilidade subsidiária em relação ao Estado.

Pretende-se no presente trabalho apresentar uma análise crítica em relação ao instituto da responsabilidade do Estado frente à concessão e à permissão de serviço público, quando caracterizados fatos passíveis de indenização por danos morais.

Doravante, a estrutura da pesquisa se resolve em:

a. O estudo do contrato de concessão;

b. a responsabilidade objetiva;

c. a responsabilidade subsidiária;

d. a possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva pelo entendimento do STJ.

De outro ângulo, a responsabilidade objetiva, por exemplo, é considerada um avanço na diminuição das desigualdades presentes em determinadas relações, ou seja, se fala em equalização das relações contratuais ou extracontratuais. O mesmo acontece com a responsabilidade solidária, em diversos meios.

Por fim, a ideia nuclear que visamos é propor uma diminuição na distância hodierna que encontra-se o Estado em relação aos administrados, concentrando-se na possibilidade da utilização da responsabilização solidária um meio equitativo de solucionar alguns problemas para o avanço da iniciativa privada.

1. O CONTRATO DE CONCESSÃO

Primordialmente, sabemos que o Estado muitas vezes deve realizar concessões com o fito de melhor prestar serviços à coletividade, isto conforme o mandamento consagrado em nossa Constituição no seu Art. 175, vejamos: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

A concessão nada mais é do que quando a Administração Pública transfere ao particular a execução de atividades que estão atreladas ao interesse público, melhor detalhado nas palavras de José Carvalho Filho, vejamos:

Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários. Nessa relação jurídica, a Administração Pública é denominada de concedente e o executor do serviço, de concessionário. (grifo nosso)

[...] Pelos contornos do instituto, trata-se de um serviço público que, por beneficiar a coletividade, deveria incumbir ao Estado. Este, porém, decide transferir a execução para particulares, evidentemente sob sua fiscalização. Como o serviço vai ser prestado para os membros da coletividade, a estes caberá o ônus de remunerá-lo em prol do executor.[1]

Assim, o Estado quando atua diretamente na ordem econômica, prestando o serviços de forma indireta, exerce a função de mera fiscalização[2] - transfere a execução do serviço à pessoa jurídica (à iniciativa privada), com o intuito de beneficiar a todos, imprimindo maior agilidade na atividade e também visando a obtenção de qualidade adequada.

Como bem sobreleva sobre essa prerrogativa da Administração Pública os exímios Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo com a proposição a seguir:

A prerrogativa, que possui a administração, de controlar e fiscalizar a execução do contrato administrativo é um dos poderes a ela inerentes e, por isso, a doutrina assevera estar esse poder implícito em toda contratação pública, dispensando cláusula expressa. De qualquer forma, a Lei 8.666/1993 expressamente enumera como prerrogativa da administração a fiscalização da execução dos contratos administrativos (art. 58, III).[3]

A maneira sutil de atuar do Estado se dá através da última mudança de seu modelo, nos referimos aqui enquanto sua transformação econômica: a tentativa de retirada do intervencionismo na iniciativa privada e, o que se vê brilhantemente explicado pelo jurista Luís Roberto Barroso com o seguinte:

A terceira transformação econômica de relevo - a denominada privatização - operou-se sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei 8.031, de 12.04.90, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, depois substituída pela Lei 9.491, de 9.09.97. Entre os objetivos fundamentais do programa incluíram-se, nos termos do art. 1, incisos I e IV: (i) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à inciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; (ii) contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia.[4]

Certamente o programa de desestatização (PND)[5] teve como principal fito proporcionar a concessão como meio gradativo de livrar o Estado da prestação desses serviços.  

De fato, verifica-se que a atuação do Estado passou a ser de regulação e como já dito anteriormente de fiscalização, o que não se olvida nestas circunstâncias é a sua posição de agente econômico importantíssimo, reforçada a ideia pelas palavras de Barroso a seguir:

A redução expressiva das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômica não produziu um modelo que possa ser identificado com o de Estado mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. O Estado, portanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo. Para demonstrar a tese, basta examinar a profusão de textos normativos editados nos últimos anos.[6]

Temos esse exercício através das normas constitucionais e infraconstitucionais e a representação por parte das agências reguladoras, autarquias especiais, que atuam por meio de resolução normativa por exemplo[7], com autonomia político-administrativa[8] e econômico-financeira[9]. Apesar do entendimento da doutrina, as autarquias aqui sublinhadas têm dificuldade em permanecer pareadas com o princípio da legalidade quando normatiza essas situações (a construção dogmática do cognominado fenômeno da deslegalização).

Mas o fato deste contrato existir não retira do serviço o seu status público. O Estado continua a ser e deve ser responsabilizado por eventual inadequação, inclusive, neste momento (de tentativa de mudanças em todos os setores da Administração Pública), sob uma ótica mais severa.

Isso porque com o cenário anterior, aquele em que o próprio Estado executava tais serviços e não era incentivado a apontar suas próprias falhas, gerir/fiscalizar, a possibilidade deste cenário era incogitável – hodiernamente, dada a transição apontada acima: é necessário que se faça essa reivindicação.

No entanto, destaca-se que antes, o seu dever de velar pela prestação de um serviço público eficiente já existia, talvez menosprezada, porque ele próprio era incumbido das duas atribuições, opostas por natureza, quais sejam: gerir e executar - no cenário atual, passou a ser ainda mais patente considerando a outorga de seus serviços.

De mais a mais, como em qualquer contrato administrativo deve-se pressupor a supremacia do concedente aplicando à hipótese as cláusulas exorbitantes e sublinhando sempre a sua preponderância nas relações que venham a se desenvolver não previstas a priori num contrato preliminar.

Não obstante, a prestação realizada pelo concessionário deve respeitar uma série de exigências dado o status do serviço (público) como: o serviço adequado, transparência na execução e as contratações do concessionário.

A Lei 8.987/1995 por força de imposição constitucional, enumera elementos deste serviço adequado, vejamos:

Capítulo II

DO SERVIÇO ADEQUADO

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. (grifo nosso)[10]

Por outro lado, traçaremos aqui principalmente uma crítica no que tange à responsabilidade do Estado.

Nessa senda, ajudando a concretizar a compreensão mediante o princípio da responsabilidade do Estado que nos pautamos pela exposição trazida no Curso de Diogo Figueiredo, no seguinte sentido:

Responder pelo mal praticado é dever tão antigo quanto o próprio Direito. Desde as mais primitivas comunidades já se procurava identificar o violador das normas para aplicar-lhe sanções. No Direito Público estruturado, a responsabilidade é ainda uma pedra angular, porque, se todos devem responder por seus atos, com muito maiores razões, deve fazê-lo o Estado, por ser o responsável direto pela manutenção da ordem jurídica, bem como os seus agentes, pois que assumiram livremente o múnus da execução das várias e distintas funções que essa mesma ordem se lhes impõe.[11] (Grifamos)

Com efeito, na Constituição da República de 1988 encontra-se também estatuída a responsabilidade civil das concessionárias do setor elétrico no Art. 37, parágrafo 6º, ipsis litteris:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Por conseguinte, ainda que pela outorga do serviço, o Estado continuará responsável, talvez até mais concretamente.

Efetivamente, no ramo da prestação de energia elétrica - especialmente observando clinicamente casos concretos - se vê claramente a parcela de contribuição negativa do Estado (ausência de fiscalização, v.g.), porém o regramento atual da responsabilização subsidiária, sempre aplicada genericamente, ainda apresente traços incongruentes.

Talvez, esse entendimento tenha se estabelecido pelo próprio aparato legislativo que precisa transferir aflitivamente toda a parcela de responsabilidade ao contratado.

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Menciono nesse sentido o Art. 69 da Lei 8.666 de 1993, ipsis litteris:

Art. 69.  O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados.

Ou ainda pelo próprio Poder Judiciário, aludindo ao precedentes do Supremo Tribunal Federal como o que ocorreu na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 16/DF[12] que reconheceu a compatibilidade com o texto constitucional do dispositivo § 1º do Art. 71 da Lei 8.666/1993.

Para que o debate seja completo, é importante nesta altura a análise da responsabilidade objetiva que passaremos a investigar, outro semblante do tema que vem a ser importante para o estudo que se pretende e outro sustentáculo da mudança de posicionamento tanto dos tribunais quanto da doutrina que precisa ocorrer.

1.1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SEUS EFEITOS

Em primeiro lugar, transcrevo os belíssimos ensinamentos da Ministra Cármen Lúcia[13], pela sua pertinência, vejamos:

A responsabilidade é a marca fundamental do Estado contemporâneo.

Vislumbrado sob a perspectiva democrática, que constitui seu ideal e sua justificativa, o Estado contemporâneo é repensado e tem o seu Direito revisto e refeito sob o binômio participação e responsabilidade da sociedade e da própria entidade estatal.

A responsabilidade, aqui visualizada em seu aspecto mais inteiro e estendido a todo o corpo social e a toda estrutura estatal, traduz o sinal de coerência interna da proposta democrática na convivência política. O sentido de responsabilidade entronizou-se na essência do Direito, por ser considerado atualmente elemento imprescindível à realização da Justiça material.

O princípio da responsabilidade estatal - que não se desgarra nem se surpreende politicamente em estado de isolamento da responsabilidade social, vale dizer, de cada indivíduo em face de seu grupo social — indica, como nenhum outro, a profunda transformação do conceito, estrutura e dinâmica do Estado Moderno, como o acentuava sabiamente DUGUIT, e a própria noção e dinâmica do Direito Público nos momentos mais recentes de nossa história, quando se substitui a tônica fundamental do tratamento Jurídico do Estado para o indivíduo, que o cria e nele vive para se aperfeiçoar e se realizar, e não o contrário. (grifo nosso)

Ao passo que, conforme leciona Diogo de Figueiredo a reparação de um dano na órbita pública é distinta da órbita privada, pelo seguinte motivo:

Na órbita pública, do mesmo modo, o Estado, ao administrar direta ou indiretamente os interesses públicos postos a seu cargo, se sujeita igualmente a respeitar o patrimônio dos administrados e a sua incolumidade pessoal. Portanto, uma atuação do Poder Público que os prejudique de fato é objetivamente injurídica e o torna, e, se o caso, a seus delegatários de serviços públicos, responsáveis pelas perdas e danos causados, embora, nesta hipótese, não se trate, rigorosamente, de uma responsabilidade instituída em sede civil, mas de uma responsabilidade pública, pois que tem fundamento constitucional próprio e originário (art. 37, § 6.º) e suas diretrizes doutrinárias específicas.

As concessionárias são responsáveis por atos de seus agentes, que no exercício da prestação de serviço público, causarem a terceiros, independentemente da lesão. Como disposto acima esta responsabilidade da concessionária independe de qualquer previsão contratual, haja vista, a regra contida no texto constitucional.

Outrossim, pelos ditames da Constituição da República de 1988, também ficará garantido a essas pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público o direito de regresso, contra aquele que agiu com dolo ou culpa.

De mais a mais, os tribunais vêm entendendo que as concessionárias de serviço público respondem de forma objetiva, o que já está consolidado pela jurisprudência pátria, pelo simples fato dessas últimas prestarem serviço de natureza pública, aplicando-se nestes casos a teoria do risco administrativo.

A obrigação nesta teoria se encontra consubstanciada necessariamente na própria atividade desenvolvida: considerada por si como geradora de riscos. A Administração Pública, neste caso, através da concessionária, consequentemente, fica obrigada a reparar.

Ressalta-se que no momento da análise a ser realizada, dispensa-se a falta de concorrer ou não com o fato gerador do dano em questão. Nesse sentido, inexiste a necessidade de comprovar a culpa do agente, tão somente o fato que ensejou o dano que decorre da prestação do serviço.

Nas palavras do renomado Hely Lopes Meirelles[14] acerca do tema ora discutido:

A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.

A teoria tem por escopo nivelar a igualdade entre a grandeza da figura estatal e por outro lado a minoritária forma do administrado: presumindo sua vulnerabilidade.

Por outro lado, o Estado poderá demonstrar culpa por parte da vítima, caso em que ficará livre de reparar o dano. Como demonstra Mirna Cianci[15] “[...] podendo ser elidida a responsabilidade civil do Estado mediante a prova de ocorrência das excludentes civis (culpa da vítima, caso fortuito etc.).”

Se a culpa for exclusivamente da vítima, nada mais justo do que esta suportar sozinha os devidos encargos. Assim como na teoria geral da culpa, tirada dos institutos essenciais do direito civil, há na teoria do risco administrativo também a previsão de excludentes de ilicitudes.

Tal passo, concebido por conta da construção doutrinária - impede abusos por parte daqueles que concorressem diretamente com o dano e visassem apenas o locupletamento ilícito (indenizações em valores altíssimos) ou demais formas de favorecimento indevido contra as concessionárias.

Ademais, o principal efeito da objetividade é conceder a inversão do ônus da prova e não a imputação automática de eventual responsabilização, assim nas palavras de Roberto Wagner e Mariana Motta Barbosa, a seguir:

Sem embargo, o fato de o Estado responder objetivamente pelos danos que provoca aos particulares não significa que, sempre e necessariamente, as demandas judiciais ajuizadas contra ele serão exitosas. Não se trata, na verdade, de impedir a discussão da culpa no caso concreto, mas sim de desobrigar o autor de demonstrá-la ao juiz. No fundo, a adoção da teoria objetiva da responsabilidade civil tem como efeito principal a inversão do ônus da prova, e não a imputação automática da responsabilização civil ao Estado.[16]

Mas ainda temos que registrar que a doutrina não é uníssona e que curiosamente Celso Antônio Bandeira de Mello[17] discorda, vejamos:

A culpa do lesado – frequentemente invocada para elidi-la – não é, em si mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de automóveis, demonstra-se que a culpa não foi do Estado, mas do motorista do veículo particular que conduzia imprudentemente, parece que se traz à tona demonstrativo convincente de que a culpa da vítima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se de um equívoco. Deveras, o que se haverá demonstrado, nesta hipótese, é o que o causador do dano foi a suposta vítima, e não o Estado. Então, o que haverá faltado para instaurar-se a responsabilidade é o nexo causal. Isto aparece com nitidez se nos servimos de um exemplo extremo. Figure-se que um veículo militar esteja estacionado e sobre ele se precipite um automóvel particular, sofrendo avarias unicamente este último. Sem os dois veículos não haveria a colisão e os danos não se teriam produzido. Contudo, é de evidência solar que o veículo do Estado não causou o dano. Não se deveu a ele a produção do evento lesivo. Ou seja, inexistiu a relação causal que ensejaria responsabilidade do Estado.

Para este ilustríssimo doutrinador, há excludente apenas quando faltar inexoravelmente o nexo de causalidade entre o ato e o dano.

Destaca-se que este último entendimento não é utilizado pelos tribunais brasileiros, com fundamento de que sempre o exija-se o espeque em uma válvula que funcione em favor da razoabilidade, deste modo ela se apresenta aqui como sendo as excludentes de ilicitudes civis. 

Finalmente, após apresentado o desenho completo que compreende a responsabilidade objetiva e a teoria do risco integral - a denominada responsabilidade sem culpa - elucidaremos uma nova perspectiva para a aplicação da responsabilidade em relação ao Estado.

1.2 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Posição da corrente dominante doutrinária e jurisprudencial nos ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o assunto:

Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.[18]

A tese principal se crava na ideia de que, primeiro, a empresa privada age em nome de um exercício estatal, no entanto, por sua conta e risco. Segundo, quando o concessionário não conseguisse efetivar a reparação de maneira satisfatória, surge somente nesta hipótese de exceção o Estado como integrante da mesma relação jurídica para satisfazer de forma sempre subsidiária a pretensão ressarcitória. Terceiro, subsiste ainda corrente que afasta a solidariedade pela ideia de não reconhecimento ao caso em comento não restar inserido no conceito de preposição (aquele instituto talhado no Art. 932, inc. III do CC/02).

a. Vimos anteriormente, que a atividade na verdade não é exercida tão somente pelo empresário e sim na pressuposição haveria dura fiscalização por parte Estado (noutras palavras, participação essencial).

b. Utilizar-se da regra genérica de responsabilização subsidiária, ou seja, atingi-lo somente numa circunstância excepcional compreende tornar omisso sempre o delegatário do serviço público, concebendo normatização no mínimo injusta.

c. Além disso, o cerne da discussão nunca foi estabelecer esse tipo comparação – entre a preposição do Código Civil e a outorga da atividade, ou seja, a regra lá existe para que o preposto que numa relação de poder age na maioria das vezes em nome de seu empregador não seja exclusivamente responsabilizado: não havendo qualquer relação com a possibilidade ou não de aplicação de solidariedade no cenário destacado.

Talvez o critério por trás dessa regra encontrasse respaldo na primeira fase de (i)responsabilização do Estado na era absolutista, como leciona Roberto Wagner e Mariana Motta Barbosa quando tratam das fases históricas de responsabilização estatal, veja-se:

A primeira fase, na verdade, é a fase da irresponsabilidade do Estado. Essa noção vigorava desde tempos mais remotos, mas foi com o Absolutismo que ela teve as suas nuances mais acentuadas. O Estado caracterizava-se pela soberania absoluta, isto é, estava hierarquicamente acima dos seus súditos. Ora, se o rei, cujo poder tinha origem divina, inimaginável seria que o Estado violasse o direito de algum dos seus súditos – o que foi consagrado pela célebre fórmula: the king can do no wrong.[19]

Contudo, a melhor proposição para o administrado seria a que se respalda na responsabilidade solidária, não parecendo adequado a subsidiariedade como fundamento, pela posição privilegiada em que o Estado se encontra quando confrontada com a figura do administrado ou até mesmo com a do concessionário no plano contratual, levando-se em consideração qualquer outro parâmetro de cunho estritamente negocial.

Se considerarmos as últimas mudanças das quais o Estado passou no que tange às ideias convencionais de sua atuação no plano econômico, inclusive do que o princípio da supremacia do interesse público apresenta, retira-se da Administração Pública esse escudo impérvio, como preleciona Barroso, vejamos:

[...] a superação do caráter axiomático e absoluto do princípio da supremacia do interesse público, em um universo jurídico no qual se verificou a ascensão dos direitos fundamentais e foram desenvolvidas novas fórmulas doutrinárias, como a teoria dos princípios. Direitos e princípios passam, assim, a ser valorados à vista do caso concreto, de acordo com sua dimensão de peso específico, à luz de critérios como o da razoabilidade-proporcionalidade e o da dignidade da pessoa humana.[20]

Desta feita, o modelo atual adotado traz ao administrado confusão e deslinde diferenciado no processo que demandar – uma vez que sua presunção de vulnerabilidade é descartada ante a regra de responsabilidade subsidiária: que tem por escopo apenas preservar a Administração Pública.

Assim como, obstaculiza um contrato viável, real, que visasse a concorrência na prestação do serviço ou que fosse minimamente vantajoso também por parte da iniciativa privada. Não obstante, o posicionamento dos tribunais quando falamos em casos extremados, com resultados alarmantes como por exemplo, morte da vítima, temos o esgotamento apenas da concessionária que arca com a totalidade da condenação, a seguir exemplo de precedente:

Responsabilidade. Concessionária de serviço público de fornecimento de energia elétrica. Responsabilidade objetiva por força do art. 37, § 6º, da CF. Chuvas, trovoadas e raios são previsíveis e não constituem caso fortuito ou força maior, exceto, do que não se cogita, se fossem extraordinários para o local da ocorrência. Impossibilidade de se aferir culpa exclusiva da vítima. Isso porque comprovada a negligência da apelante que mesmo ciente da ocorrência não tomou medidas eficientes de sinalização e isolamento do local em que o fio se rompeu. Dano moral inquestionável pela perda do filho que morreu ao receber descarga elétrica. Valor do dano moral fixado em R$ 286.200,00 que não comporta redução, tampouco majoração. Dano material das despesas com enterro bem reconhecido. Denunciação da lide improcedente. Sentença Acertada. Recursos improvidos.[21]

   Significa que a questão não foi bem ponderada pelos nossos tribunais, porque impropriamente estabelece soluções injustas tão somente para a iniciativa privada - levando-se em conta o plano concreto, mais saliente é a disparidade.

Por fim, em recente julgado do STJ, por bem, resolveu mudar de posicionamento em uma demanda entre Estado, concessionária e o meio-ambiente reconhecendo a existência de solidariedade na responsabilização.

1.3 RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA COM O ESTADO

Em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a responsabilidade solidária do Munícipio de São Paulo juntamente com a SABESP (COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO), veja-se:

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ARTIGOS 23, INCISO VI E 225, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO. SOLIDARIEDADE DO PODER CONCEDENTE. DANO DECORRENTE DA EXECUÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO DE CONCESSÃO FIRMADO ENTRE A RECORRENTE E A COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP (DELEGATÁRIA DO SERVIÇO MUNICIPAL). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO POR ATO DE CONCESSIONÁRIO DO QUAL É FIADOR DA REGULARIDADE DO SERVIÇO CONCEDIDO. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO DA BOA EXECUÇÃO DO CONTRATO PERANTE O POVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.

I - O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou "convênio" para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Cairito, ou Ribeirão Taboãozinho.

II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n. º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e. portanto, solidária com o concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art 14, § 1 o da Lei n. º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação.[22]

Nessa senda, mesmo diante de hipótese de concessão total dos serviços públicos, foi reconhecida a responsabilidade solidária do Estado para reparar a lesão causada: uma vez que detectado os danos ambientais em virtude da contaminação de rios no estado de São Paulo.

Podemos citar que em 2002 o tema foi analisado e o conteúdo do REsp 287.599 foi totalmente contrário, fenômeno que passamos a transcrever ipsis litteris:

Ainda que exerça atividade concedida pelo Estado, responde em nome próprio pelos seus atos, devendo reparar os danos ou lesões causadas a terceiros. De efeito, a existência da concessão feita pelo Estado, por si, não o aprisiona diretamente nas obrigações de direito privado, uma vez que a atividade cedida é desempenhada livremente e sob a responsabilidade da empresa concessionária.[23]

Tal decisão, sem dúvida alguma, foge do regramento dominante de responsabilização subsidiária. E simultaneamente, acena negativamente a todos os fundamentos da utilização de aplicação genérica da subsidiariedade (principais nuances foram apresentados no tópico anterior).    

CONCLUSÃO

Tendo em vista as soluções e medidas que atualmente estão sendo adotadas para a solução do presente problema, verificou-se que sempre temos a possibilidade de enxergar diferentes faces de uma mesma situação e agir com versatilidade em adotar diferentes posicionamentos. Tudo isso, sem desrespeitar a segurança jurídica.

Com relação à responsabilidade civil, instituto qual tem sempre evoluído com escopo para açambarcar diferentes possibilidades das nossas necessidades fáticas, não deixará de exercer tal desenvolvimento, principalmente, no que tange aos contratos e relações com a Administração Pública.

A responsabilidade objetiva é resultado de um enorme passo no caminho em que busca a ciência jurídica a sua própria finalidade, considerando a posição de inferioridade que um lado da relação possa representar.

É nesse sentido que se investigou tais acepções sobre a responsabilidade civil da Administração Pública quando em colaboração com tais empresas, no qual se pretende abrir discussões em face de normas e regras que são sempre imperativas em demonstrar o prejuízo do Poder Público e não abraçar outros componentes da relação.

O precedente do STJ reabre a discussão e desengessa o tema da responsabilidade civil do Estado (REsp 28.222).

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Gonzales de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

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