Suspensão parcial da Lei Complementar nº 157/2016: um equivocado juízo político econômico pelo STF

27/03/2018 às 09:21
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Comenta decisão monocrática proferida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes nos autos da ADI 5835 em que suspendeu- se dispositivos da Lei Complementar 157/2016 quanto ao ISS sobre serviços de plano de saúde, leasing, cartão de crédito/débito e outros.

O ano de 2016 findou com um alento financeiro aos municípios de nosso Brasil, sobretudo os de pequeno porte, escorchados pela crise arrecadatória, subfinanciamento de recursos federais, concentração ampliativa de encargos...Tratara-se da Lei Complementar nº 157 de 29 de dezembro de 2016, que, atendendo ao histórico reclamo dos movimentos municipalistas, migrou o local do fato gerador do ISSQN para os municípios em que se situam o “tomador do serviço” em relação às seguintes espécie de serviços: planos de medicina de grupo ou individual; administração de fundos quaisquer e de carteira de cliente; administração de consórcios; de administração de cartão de crédito ou débito e congêneres; e de arrendamento mercantil.

Antes, a lei destinava o produto do recolhimento desta importante fatia de arrecadação do ISSQN em favor dos municípios em que se localizam os “estabelecimentos prestadores”, os quais, na prática, representam as sedes das empresas que exploram tais serviços, majoritariamente concentradas em municípios nas regiões Sudeste e Sul do país.

Com a mudança promovida pela da LC nº 157/2016, municípios do Brasil inteiro passaram então o ano de 2017 adequando as suas legislações locais para, em observância ao princípio da anterioridade tributária (artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal), iniciarem neste ano de 2018 a tão necessitada e almejada arrecadação tributária.

Em paralelo e no sentido oposto, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, em conjunto com a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNSeg,  ajuizaram, em 27/11/2017, perante o Supremo Tribunal Federal, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 5835), objetivando a suspensão dos dispositivos da LC nº 157/2016 que tratam da já referida alteração do local da incidência do ISSQN.

A ADI 5835 fora distribuída para a relatoria do Ministro Alexandre de Morais.

Apreciando pedido de concessão de medida cautelar formulado à Presidência do STF durante o recesso, a Ministra Carmem Lúcia prudentemente indeferiu o pedido cautelar.

Frustrada na tentativa de obstar os efeitos da LC nº 157/2016, a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) deu prosseguimento à execução de contrato por esta mantido com o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO) para o desenvolvimento e manutenção de um sistema que unifica o recolhimento do ISSQN, implementando a Declaração Padronizada de ISS (DPI)[1], havendo a primeira versão sido implantada no mês de dezembro de 2017, contemplando a etapa em que os municípios iniciaram o cadastro de informações para posterior pagamento pelos contribuintes.

O sistema DPI ganhou ampla adesão dos municípios, havendo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apoiado a sua difusão e implementação, emitindo a NOTA TÉCNICA CNM Nº 0010/2018[2] e participado de eventos em diversos estados auxiliando os municípios à alimentação do sistema[3].

Quando a solução consensual seguia-se frutificando através da alimentação do sistema DPI pelos diversos municípios brasileiros com a inserção de suas legislações tributárias e dados bancários, eis que surge um duro golpe aos entes municipais por meio da notícia divulgada no site do STF na noite da última sexta-feira (23/03/2018): “Liminar suspende novas regras sobre incidência do ISS de planos de saúde e atividades financeiras”.

Tratava-se de decisão monocrática proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, nos autos da ADI 5835, que atendeu a reiteração do pedido de concessão de medida cautelar formulada pela CONSIF e CNSeg, em petição datada de 27 de fevereiro de 2018, os quais haviam noticiado aos autos que, “após a adoção do rito do art. 12 da Lei 9.868/1999, foram editados atos normativos municipais conferindo tratamento tributário diferente aos serviços discutidos na presente ação” e que “referida disparidade decorreria da indeterminação normativa constante da Lei Complementar 157/2016, a qual teria ensejado conflitos de competência entre Municípios da Federação, que disciplinaram distinta e contraditoriamente a definição de quem seriam os tomadores dos serviços tributados”.

Acolhendo as razões apresentadas pelos autores da ADI 5835, o Ministro Alexandre de Moraes assim fundamentou a sua decisão:

(...)Essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de “tomador de serviços”, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária.

A ausência dessa definição e a existência de diversas leis, decretos e atos normativos municipais antagônicos já vigentes ou prestes a entrar em vigência acabarão por gerar dificuldade na aplicação da Lei Complementar Federal, ampliando os conflitos de competência entre unidades federadas e gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica, com consequente desrespeito à própria razão de existência do artigo 146 da Constituição Federal.

Em hipótese assemelhada, esta SUPREMA CORTE teve a oportunidade de invalidar norma geral de direito tributário, com fundamento na dificuldade de sua aplicação, que teria fomentado conflitos de competência entre unidades federadas (ADI 1600, Rel. SYDNEY SANCHES, Rel. P/ Acórdão Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ de 26/6/2003), tendo sido salientado no voto do eminente DECANO, Ministro CELSO DE MELLO...”

O que se revela claro é que o fundamento adotado para a suspensão LC nº 157/2016 não fora a sua afronta a dispositivo constitucional, mas sim a “preocupação”  quanto à “dificuldade de sua aplicação, que teria fomentado conflitos de competência entre unidades federadas”.

Reputamos, no entanto, absolutamente inadequado o juízo predominantemente “fático” e “político-econômico” que fundamentara o deferimento da medida cautelar na ADI 5835.

Com efeito, para sobrestar-se uma legislação que cujo teor fora por duas oportunidades sufragado pelo quórum qualificado do Congresso Nacional - inerente à votação de leis complementares e para a derrubada do veto presidencial – afigura-se, ao nosso ver, constitucionalmente inidôneo o exercício de novo juízo político-econômico pelo Poder Judiciário, sem que estaja demonstrada  afronta material ou formal a dispositivo integrante do texto constitucional.

Não se está aqui a negar as inquestionáveis virtudes de intérprete constitucional reconhecidas no eminente Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADI 5835, mas se está a ressaltar o que já há muito fora dito por Montesquieu no sentido de que a “própria virtude precisa de limites”[4]. E, no caso em comento, entendemos que o limite, com a devida vênia, ultrapassado pela referida decisão monocrática assenta-se na imposição de ineficácia a uma decisão política validamente editada por outro poder (Legislativo), segundo critério de natureza extrajurídico, distanciado do necessário cotejamento lógico da norma questionada ao dispositivo constitucionoal invocado como transgredido (art. 146 da CF) .

Nesse sentido, a própria Advocacia Geral da União, em representação à Presidência da República que tivera o seu veto LC nº 157/2016 derrubado pelo Congresso Nacional, demonstra, na sua manifestação nos autos da ADI 5835, elevada percuciência de interpretação constitucional quanto aos limites de atuação de cada um dos Poderes da República ao se manifestar contrariamente à pretensão reconhecidamente política veiculada pela CONSIF e CNSeg na ADI 5835. Segue trecho da alumiada intervenção da AGU, remissiva às lições do respeitado constitucionalista Daniel Sarmento:

“Conforme salientado nas informações presidenciais, as requerentes não se insurgem, propriamente, contra supostos vícios de inconstitucionalidade que atingiriam as normas em exame; trata-se, na verdade, de mero inconformismo diante de opção validamente adotada pelo Congresso Nacional no sentido de alterar certos aspectos da disciplina normativa aplicável ao ISS.

Em síntese, as autoras pretendem conferir natureza constitucional ao regime legal anteriormente vigente, de modo a tomá-lo imune a modificações provenientes da esfera deliberativa.

A esse respeito, Daniel Sarmento critica o fenômeno que denominou de "ubiquidade constitucional", salientando como a tendência de "imunidade revisional' se revela prejudicial ao processo democrático.  Nos excertos reproduzidos abaixo, o autor referido pondera sobre como a constitucionalização desmedida pode se tornar metodologicamente imprópria, além de perigosamente contraproducente do ponto de vista democrático:

(...) o caráter dirigente e substantivo da Constituição não deve obscurecer uma outra característica sua importante: trata-se de uma Constituição compromissória. Isto quer dizer que ela não representa a cristalização normativa de alguma específica corrente ideológica ou cosmovisão. Pelo contrário, cuida-se de uma Constituição pluralista, que resultou do compromisso possível entre a ampla variedade de forças políticas e de interesses que se fizeram representar na Assembleia Constituinte de 1987/88, o que de certa forma explica a heterogeneidade dos valores e princípios acolhidos no texto magno: solidariedade social e livre iniciativa, liberdade de imprensa e privacidade, laicidade estatal e invocaria Dei no preâmbulo, etc.7

(...) há limites para a filtragem constitucional do Direito. Se quisermos levar a sério a democracia, o impacto negativo que uma "panconstitucionalização" do Direito pode exercer sobre ela tem de ser devidamente sopesado.

Portanto, entendemos que a Constituição não pode ser vista como a fonte de resposta para todas as questões jurídicas. Uma teoria constitucional minimamente comprometida com a democracia deve reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais a autonomia política do povo e autonomia privada da pessoa humana podem ser exercitadas.

É verdade que a Constituição é muito mais do que mera "moldura" do direito infraconstitucional - ao contrário do que afirmaram doutrinadores alemães de renome, como Emst- Wolgang Bockenforde e Christian Starck. A metáfora da moldura não nos parece adequada, porque ressalta apenas a função constitucional de limite para o legislador, deixando de expressar o relevante papel que a Constituição também desempenha, de diretriz vinculante para toda a produção e aplicação do Direito.

Também é verdade que os condicionamentos materiais impostos pela Constituição ao legislador são amplos e profundos em constituições substantivas, como a brasileira. Porém, ainda assim, entendemos que o intérprete, sem ignorar estes condicionamentos, deve ter o cuidado de preservar, na exegese da Lei Maior, as margens de decisão que, numa democracia constitucional, devem ser reconhecidas aos poderes políticos e aos próprios indivíduos. Como ressaltou Canotilho, "a Constituição deve possibilitar o confronto e a luta política dos partidos e das forças políticas portadoras de projectos alternativos para a concretização dos fins constitucionais. Embora não deva restringir-se a um 'instrumento de governo' ou a uma simples 'lei do Estado'. A Constituição evitará converter-se em lei da 'totalidade social', 'codificando' exageradamente os problemas constitucionais".

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É óbvio que o intérprete pode e deve aplicar diretamente a Constituição às relações sociais, independentemente de mediação legislativa. É indiscutível que ele tem de interpretar o direito infraconstitucional à luz da Lei Maior, inclusive para repudiar exegeses mais óbvias do enunciado normativo interpretado, quando estas se tornem incompatíveis com a Constituição. É certo, também, que ele pode deixar de aplicar normas que, conquanto em geral compatíveis com a Constituição, produziriam, no caso específico, resultados a ela ofensivos. Contudo, é importante que o aplicador do Direito adote uma postura respeitosa em relação aos atos normativos emanados do Legislativo. Não se trata de sobrepor o princípio da legalidade ao princípio da constitucionalidade, mas de reconhecer: (a) que a Constituição deixa amplos espaços para a liberdade de conformação do legislador, e (b) que o Legislativo também é intérprete da Constituição, razão pela qual as suas escolhas no campo da concretização constitucional merecem ser respeitadas, desde que não ultrapassem os limites demarcados pela Lei Maior.

(...)

Em suma, a constitucionalização do Direito pela filtragem constitucional não deve ser levada ao ponto de confiscar a liberdade decisória que, numa democracia, deve caber ao legislador. Afinal, sendo o constitucionalismo uma técnica de combate ao autoritarismo, seria altamente paradoxal converter a Constituição num instrumento autoritário de modelação de todos os espaços da vida social na mão de juízes não eleitos.

Ressalte-se, nessa senda, que a edição dos dispositivos impugnados, levada a efeito após regular processo legislativo, resultou de amplo debate parlamentar, restando vitoriosa a posição da maioria no sentido de promover a justiça fiscal mediante o fortalecimento das receitas próprias das municipalidades. (grifou-se)

Ante a densidade e clareza das premissas hermenêuticas constitucionais apresentadas pela AGU, é despiciendo qualquer argumento adicional no sentido de demonstrar-se que, no caso concreto, a suspensão de dispositivos da LC nº 157/2016 fundada na preocupação da “dificuldade de sua aplicação, que teria fomentado conflitos de competência entre unidades federadas”, sem confrontação formal ou material com disposições constitucionais, revelara-se afrontosa ao Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CF), por resultar em impor desarrazoadamente limitação de uma competência legiferante regularmente exercida pelo Congresso Nacional.

Outrossim, a par da ilegitimidade do juízo político-econômico exercido pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes ao deferir medida cautelar na ADI 5835, entendemos haver, com a devida vênia, incoerências e incorreções  fáticas e jurídicas nas suas conclusões, dentro do próprio critério (político-econômico) em que se pautara o juízo cautelar emitido. Abaixo, expomos resumidamente as reportadas inconsistências:

 1 – Segundo o Ministro, a alteração do local da ocorrência do fato gerador implementada pela LC nº 157/2016  “exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de “tomador de serviços”, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária”.  A tal argumento se contrapõe as circunstâncias de que:

  1. A) Desde a sua redação original, a Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003 já contemplava, em seu art. 3º, o termo “tomador” como elemento definidor do local de ocorrência do fato gerador de serviços específicos, excepcionados da regra geral (“devido, no local do estabelecimento prestador), como os elencados nos seus incisos I e XX, que permanecem com a mesma ORIGINÁRIA:          

Art. 3o  O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (redação ANTERIOR à Lei Complementar nº 157, de 2016)  

I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1o do art. 1o desta Lei Complementar;

(...)

XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa;

Ressalte-se que a ausência de detalhamento do conceito de “tomador ou de tomador do serviço que vigora desde 2003 jamais fora motivo de conflitos de competência entre unidades federadas, tampouco ensejara a suscitação de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 por “desrespeito à própria razão de existência do artigo 146 da Constituição Federal”.

Em sentido contrário, o próprio conceito de estabelecimento prestador” previsto na redação originária do caput do art. 3º da Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003 é que historicamente tem suscitado conflitos interpretativos jurisprudenciais, tal como o apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia repetitiva, no tocante ao local da incidência de ISS sobre o serviço de leasing mercantil (STJ, REsp 1.060.210/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/03/2013).

Não obstante, embora, persistam discussões judiciais acerca local da incidência de ISS sobre o serviço de leasing mercantil (vide, por exemplo julgamento pelo STJ do AgInt no AREsp 1074607/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 13/10/2017[5]) o assunto permanece a ser discutido e interpretado pelo Superior Tribunal de Justiça sob o plano da interpretação infraconstitucional, sem que jamais tenha-se reconhecido, por tal razão, no âmbito do STF, a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 por ofensa ao artigo 146 da Constituição Federal.

Nesse diapasão, fora absolutamente pertinente a assertiva da AGU, em sua manifestação nos autos da ADI 5835, no sentido de que o STF “tem, reiteradamente, classificado como infraconstitucional a questão suscitada na presente ação direta”, conforme se infere dos precedentes citados a este respeito, in verbis:

DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS). OPERAÇÕES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEAS/NG  FINANCEIRO. SUJEIÇÃO ATIVA. LOCAL DO FATO GERADOR DO TRIBUTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. RECURSO MANEJADO EM 1°.6.2016. 1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a matéria atinente à definição do sujeito ativo competente para a cobrança do ISS, nas operações de arrendamento mercantil, possui natureza infraconstitucional. (...) 4. Agravo regimental conhecido e não provido, com aplicação da penalidade prevista no art. 1.021, §4°, do CPC. (STF. ARE n° 962264 AgR, Relatora: Ministra Rosa Weber, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento em 09/08/2016, Publicação em 25/08/20 16; grifou-se);

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRA VO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS. COMPETÊNCIA PARA TRIBUTAÇÃO. LOCAL DA PRESTAÇÂO DO SERVIÇO OU DO ESTABELECIMENTO DO PRESTADOR DO SERVIÇO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte, não há repercussão constitucional imediata da controvérsia sobre a definição do sujeito ativo competente para cobrança do ISS, e, portanto, não há repercussão geral da discussão concernente à referida matéria. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. ARE n° 855448 AgR, Relator: Ministro Roberto Barroso, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento em 02/02/2016, Publicação em 24/02/2016; grifou-se);

Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. Recurso extraordinário com agravo. Alegada violação do art. 5°, XXXV e XXXVI da CF/88. Ausência de prequestionamento. ISS. Operações de arrendamento mercantil. Sujeição ativa. Local do fato gerador do tributo. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. (...)

2. A matéria atinente à definição do sujeito ativo competente para a cobrança do ISS, nas operações de arrendamento mercantil possui natureza infraconstituciona1. (...) 3. Agravo regimental não provido. (STF. ARE nO834594 ED, Relator: Ministro Dias Toffoli, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 28/04/2015, Publicação em 08/06/20 15; grifou-se)

Observa-se tratarem-se, inclusive de precedentes que representam entendimento (sobre a incompetência do STF para deliberar sobre a “definição do sujeito ativo competente para a cobrança do ISS”),mais recentes e atuais tanto pela Primeira quanto pela Segunda Turma do STF, quando comparados com o precedente invocado pelo Ministro Alexandre de Morais ao concluir que em hipótese assemelhada, esta SUPREMA CORTE teve a oportunidade de invalidar norma geral de direito tributário, com fundamento na dificuldade de sua aplicação, que teria fomentado conflitos de competência entre unidades federadas (ADI 1600, Rel. SYDNEY SANCHES, Rel. P/ Acórdão Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ de 26/6/2003).

Portanto, eventuais dúvidas interpretativas decorrentes dos atos infralegais regulamentares de alguns poucos municípios do país são absolutamente insuficientes e inadequados a ensejarem o augusto exame constitucional pelo STF e, a fortiori, mais inidôneos ainda a qualificar-se como fumus boni iuris nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999.

  1. B) A reapresentação do pedido cautelar pela CONSIF e CNSeg fundamentara-se em suposto “novo quadro fático apto a justificar a concessão de medida cautelar”, sendo tais fatos concernentes em atos normativos municipais conferindo tratamento tributário diferente aos serviços discutidos na presente ação”, os quais como já demonstrado, são absolutamente inidôneos a ensejarem o augusto exame constitucional pelo STF. 

Por outro lado, há sim OUTROnovo quadro fático”, que ao invés de justificar, está a demonstrar o mais absoluto descabimento da concessão da cautelar na ADI 5835 qual seja :

  •  O início do funcionamento do sistema de Declaração Padronizada de ISS (DPI)[6] que unifica o recolhimento do ISSQN, implementando desenvolvido pelo SERPRO sob encomenda da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF)[7] , o qual ganhou ampla adesão dos municípios, havendo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apoiado a sua difusão e implementação, emitindo a NOTA TÉCNICA CNM Nº 0010/2018[8] e participado de eventos em diversos estados auxiliando os municípios à alimentação do sistema.

A ampla adesão municipalista quanto à nova ferramenta instituída sob encomenda pela própria Confederação Nacional das Instituições Financeiras afasta o receio de “dificuldade na aplicação da Lei Complementar Federal” bem como o argumento de que a LC 157/2016 estaria “ampliando os conflitos de competência entre unidades federadas e gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica...”.

Destacamos, a propósito, que a harmonia observada em relação à adesão ao sistema DPI [9]e a insignificante quantidade de normas infralegais, reportadas na petição apresentada pela CONSIF e CNSeg, que estariam supostamente a gerar conflito interpretativo (quanto a “definição dos tomadores de serviço”, “obrigações acessórias”, “sujeição passiva e ao critério espacial relacionado à incidência do ISS”), quando comparada ao total dos municípios brasileiros (5.570), revela a DESNECESSIDADE do juízo político-econômico constitucional supressivo dos efeitos da LC 157/2016 ora criticado, notadamente quando as partes envolvidas (municípios e contribuintes) já se em encontram, majoritariamente, em passo certo para a harmonização das relações reguladas pela nova legislação.

Nesse sentido, há de se destacar a proficiente apreciação efetuada pelo Ministro Luiz Fux, em voto no Recurso Extraordinário 870.947, quanto à inadmissão de argumentos ligados a possíveis impactos econômicos, em juízo de constitucionalidade, quando tal análise não perpassa pelo cotejo de valores constitucionais consagrados:

(...)Então, os argumentos que tenho ouvido aqui são todos argumentos ad terrorem e fora completamente do tema. O nosso tema aqui não é um problema sistêmico, não é um problema de duzentos anos; a Lei é de 2009, então, o problema não é de duzentos anos, a Lei surgiu outro dia. É a realidade é a seguinte: não podemos nos impressionar com argumentos ad terrorem, porque Ministro do Supremo não é Ministro da Economia.

Temos que saber fazer valer a Constituição Federal. Se o critério não perpassa pelos valores constitucionais consagrados, resolve-se de outra maneira. Agora, não se resolve por meio de equações econômicas; deve ser feita em outra sede, em outro foro - isso é o primeiro.(...)  (excerto do voto do Ministro Luiz Fux no julgamento do RE 870.947)

Desta feita, afigura-se como absolutamente inadequado o acatamento dos argumentos “ad terrorem” no sentido de que a nova disciplina da LC 157/2016 estaria “gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica...”, porquanto além de as situações específicas apresentadas na manifestação da CONSIF e CNSeg não possuírem representatividade suficiente, deveriam ser examinadas em outra sede adequada à interpretação infraconstitucional do novo regramento, é dizer, o Superior Tribunal de Justiça.

  1. C) Por fim, ainda que legítimo fosse (e não é) o exame da constitucionalidade da LC 157/2016 sob o ponto de vista das repercussões econômicas que possam advir de divergências pontuais quanto à sua aplicação, este ainda padeceria de mácula, porquanto fora promovido, com a devida vênia, de modo parcial, desproporcional e não isonômico, visto que conferiu proteção cautelar exacerbada a contribuintes de elevada capacidade econômica (essencialmente instituições financeiras e congêneres), descurando da difícil situação de absoluta necessidade dos Municípios a serem beneficiados pela distribuição dos recursos do ISSQN tratados na LC 157/2016.

Ressalte-se que eram precipuamente os municípios de menor porte, maioria em nosso país, que aguardavam a redistribuição do ISSQN tratada na LC 157/2016, a qual possuía o condão de implementar rara medida de concretização do objetivo fundamental da República insculpido no inciso art. 3º, inciso III da Constituição Federal, que é o de “... reduzir as desigualdades sociais e regionais;”.

Assim, num juízo de ponderação em que sopesado o interesse público de “justiça fiscal” e socorro financeiro aos municípios para suprir a reconhecida carência de recursos para custeio de serviços públicos essenciais (em áreas relevantes como saúde, educação e assistência social), bem como o interesse republicano de “... reduzir as desigualdades sociais e regionais”, não haveria de prevalecer a proteção daqueles que possuem inquestionável capacidade econômica, administrativa e jurídica (ex.: possibilidade de consignação em pagamento; questionamentos judiciais...) para superar divergências iniciais na interpretação da LC 157/2016, cuja tendência natural é estabilizar-se.

Feitas as considerações e esclarecimentos acima, concluímos ter sido equivocado o juízo cautelar proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes nos autos da da ADI 5835 ao suspender parcialmente a eficácia do artigo 1º da Lei Complementar 157/2016, pelas seguintes razões resumidas:

-  A suspensão de dispositivos da LC nº 157/2016 fundada na preocupação da “dificuldade de sua aplicação, que teria fomentado conflitos de competência entre unidades federadas”, sem confrontação formal ou material com disposições constitucionais, revela-se afrontosa ao Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CF), por resultar em impor limitação ilegítima de uma competência disciplinadora regularmente exercida pelo Congresso Nacional;

 - Desde a sua redação original, a Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003 já contemplava, em seu art. 3º, o termo “tomador” como elemento definidor do local de ocorrência do fato gerador de serviços específicos, como os elencados nos seus incisos I e XX, sendo que a ausência de detalhamento do conceito de “tomador ou de tomador do serviço”, que vigora desde 2003, jamais ensejara a suscitação de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 116/2003;

- A ampla adesão municipalista quanto à nova ferramenta (DPI) instituída sob encomenda pela própria Confederação Nacional das Instituições Financeiras afasta ou, no mínimo, mitiga o receio de “dificuldade na aplicação da Lei Complementar Federal”;

- afigura-se como absolutamente inadequado o acatamento dos argumentos “ad terrorem” no sentido de que a nova disciplina da LC 157/2016 estaria “gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica...”, porquanto, além de as situações específicas apresentadas na manifestação da CONSIF e CNSeg não possuírem representatividade suficiente, deveriam ser examinadas em outra sede adequada à interpretação infraconstitucional do novo regramento, é dizer, o Superior Tribunal de Justiça, onde a resolução das episídicas distorções de aplicação que se sobrevenham à LC 157/2016 se harmanizariam tal como já ocorrido historicamente em relação a diversas normas editadas pelo Congresso Nacional, inclusive a própria  Lei Complementar nº 116/2003; ;   

- Num juízo de ponderação em que sopesado o interesse público de “justiça fiscal” e socorro financeiro aos municípios para suprir a reconhecida carência de recursos para custeio de serviços públicos essenciais (em áreas relevantes como saúde, educação e assistência social), bem como o objetivo republicano de “... reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, inciso III da CF), a balança da justiça não poderia pesar em proteção daqueles que possuem inquestionável capacidade econômica, administrativa e jurídica (ex.: faculdade de consignação em pagamento; questionamentos judiciais...) para superar divergências iniciais na interpretação da LC 157/2016 cuja tendência natural, como já demonstrado, é estabilizar-se.   


[1] https://www.dpi.org.br/

[2] http://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/NT_10_2018_Sistema_DPI_ISS.pdf

[3] Como exemplo, vide notícias em:

http://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/cnm-promove-simposio-sobre-sistema-de-fiscalizacao-do-iss

[4] MONTESQUIEU. Charles de Secondat. O Espírito das Leis. As formas de Governo. A divisão dos Poderes. Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 163.

[5] TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. SUJEIÇÃO ATIVA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO. RESP 1.060.210/SC. ESTABELECIMENTO PRESTADOR. NÚCLEO DO SERVIÇO. UNIDADE COM PODER DECISÓRIO SOBRE A OPERAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

(...)II. Na vigência do revogado art. 12, a, do Decreto-lei 406/68, a competência tributária para a cobrança do ISS era do Município em que localizada a sede do estabelecimento prestador do serviço, ou, na falta deste, do domicílio do contribuinte. Com a superveniência da Lei Complementar 116/2003, nos termos dos seus arts. 3º, caput, e 4º, o tributo passou a ser devido ao Município em que prestado o serviço, desde que ali haja um estabelecimento do contribuinte que configure uma unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante a denominação de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório ou contato. Esse é o entendimento consolidado, em sede de recurso especial representativo de controvérsia repetitiva, no tocante à incidência de ISS sobre o serviço de leasing mercantil, hipótese em que o tributo será devido ao Município em que localizada unidade da instituição financeira com poder decisório sobre a operação de arrendamento mercantil (STJ, REsp 1.060.210/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/03/2013).

III. O Tribunal de origem, em ação anulatória, assentou que, no caso, não se poderia atribuir à sede da instituição financeira qualquer exercício de poder decisório quanto à celebração do contrato de leasing. A revisão desse entendimento demandaria reexame de provas, providência vedada, em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

IV. Agravo interno improvido.

(STJ. AgInt no AREsp 1074607/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 13/10/2017)

[6] https://www.dpi.org.br/

[7] Vide notícia no próprio site da SERPRO, no endereço:

http://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-2018/serpro-desenvolve-solucao-para-o-aprimoramento-do-iss

[8] http://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/NT_10_2018_Sistema_DPI_ISS.pdf

[9] Embora o sistema DPI não abranja a integralidade dos serviços com nova disciplina pela LC 157/2016, a sua possibilidade de replicar-se a mesma solução relativamente aos demais serviços revela a mais absoluta probabilidade de harmonização das situações objeto do novo regramento, mesmo antes da eventual pacificação interpretativa pelo STJ e/ou posterior aprofundamento de detalhes pelo Congresso Nacional      

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Sobre o autor
Leonardo Saraiva

Advogado e Consultor jurídico especialista em Direito Administrativo. Conselheiro Estadual da OAB/PE. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Professor de pós-graduação. Vice-presidente do Instituto de Infraestrutura e Energia -INFRAE. Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Autor de livros e artigos. Sócio administrador do escritório AZEVEDO SARAIVA ADVOGADOS ASSOCIADOS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O texto representa a perplexidade da advocacia atuante na consultoria jurídica municipal, em face ao inadequado juízo cautelar positivo exercido em decisão monocrática proferida pelo Exmo. Ministro Alexandre de Moraes nos autos da da ADI 5835 ao suspender parcialmente a eficácia do artigo 1º da Lei Complementar 157/2016, em afronta ao Princípio da Separação dos Poderes e à própria competência do STF.

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