Possibilidade de prisão decorrente de condenação em decisão de Tribunal Recursal de 2º Grau e o princípio constitucional da presunção de inocência

27/03/2018 às 12:45
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A possibilidade de prisão decorrente de condenação em Tribunal Recursal de 2º Grau, seja pela delimitação de apreciação dos recursos pelos Tribunais Superiores, seja pela necessária interpretação da presunção de inocência com outros princípios.

A possibilidade de prisão de condenado decorrente de decisão de Tribunal Recursal de 2º Grau e o princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inciso LVII, da CF/88 é ampla e complexa. Além da presunção de inocência, deve ser analisado o alcance dos recursos nos Tribunais Superiores e, porque não, o princípio da isonomia e o direito social à segurança, também constitucionais. 

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, assim regula:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; 

Primeiro ponto é delimitar o alcance da expressão "ninguém será considerado culpado(...)", pois somente após definir a quem alcança referida expressão poderemos aplicar a delimitação do termo final "até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". De forma popular, pessoa culpada trata do indivíduo responsável por alguma conduta ilícita configurada como crime. Já para o Direito Penal, o termo "culpa" é mais amplo, que pode ser desde o tipo de crime (art. 18 do Código Penal), como crime doloso (cometido com intenção), como crime culposo (cometido por imprudência, negligência ou imperícia). Assim como também pode estar relacionada a culpa com a análise da reprovabilidade da conduta, quando da apreciação da pena a ser aplicada, nos fatores que deve atender o julgador na fixação da pena (análise da culpabilidade, art. 59 do Código Penal). 

Feitas as observações, creio que o legislador, ao referir que "ninguém será considerado culpado(...)", não teve o fim de ser minucioso como o operador do direito que atua no ramo penal, mas sim teve a intenção de resguardar que ninguém deve ser considerado responsável por um crime, ou seja, ser declarado autor de um fato delituoso. 

Portanto, a culpa, referida no 5º, inciso LVII, da CF/88, compreende a apreciação de fato e de prova. Tal delimitação é fundamental para analisarmos o alcance da parte final "até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 

 Aqui, importante também delimitarmos o alcance da análise dos recursos interpostos para os Tribunais Superiores. 

O Recurso Extraordinário, de forma sintética, serve para ser levado ao Supremo Tribunal Federal o exame de eventual violação de norma constitucional, alcançando, por isso, apenas questões de direito (material ou processual), não abrangendo análise de fatos e nem de provas. Corroborando a assertiva, segue a súmula 279 do STF e precedente da Corte:

Súmula 270 STF:

Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.  

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 9.11.2017. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. SUBSÍDIO. COMPATIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO. LEI ESTADUAL 6.772/2006. REEXAME DE LEGISLAÇÃO LOCAL. SÚMULA 280 DO STF. 1. Nos termos da orientação sedimentada nas Súmulas 280 e 279 do STF, não cabe recurso extraordinário quando a verificação da alegada ofensa à Constituição Federal depende de análise prévia da legislação local pertinente à matéria em discussão ou da apreciação de fatos e provas. 2. A análise da questão referente à base de cálculo do adicional de insalubridade, bem como a verificação da existência de compatibilidade da concessão do referido adicional com o subsídio, no caso em análise, depende do reexame da legislação local aplicável à espécie e das provas dos autos. Incidência das Súmulas 280 e 279 do STF. 3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. (STF, ARE Nº 1070322/AL, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 20/03/2018) 

Por sua vez, o Recurso Especial, em resumo, tem o fim de ser levado ao Superior Tribunal de Justiça a apreciação de eventual violação a tratado ou lei federal, alcançando, também, apenas questões de direito (material ou processual), não abrangendo análise de fatos e nem de provas. Nesse sentido, segue a súmula 7 do STJ e precedente da Corte:

Súmula 7 STJ:

A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO SUBMETIDO AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.

1. Não há falar em violação ao art. 535, I, do CPC/1973, pois a contradição sanável através dos embargos de declaração é aquela interna ao julgado, caracterizada por proposições inconciliáveis entre si, o que não ocorreu no caso concreto.

2. O Tribunal de origem, soberano no exame dos fatos e das provas dos autos, consignou que foram preenchidos os requisitos da usucapião extraordinária. Nessas circunstâncias, o acolhimento das alegações em sentido diverso da recorrente demandaria nova incursão no acervo fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.

3. Agravo interno não provido.

(STJ, AgInt no AREsp Nº 1185992/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12/03/2018)

Portanto, considerando que a culpa, referida no 5º, inciso LVII, da CF/88, compreende a apreciação de fatos e de prova e que os recursos dirigidos aos Tribunais Superiores (STF e STJ) não alcançam a análise de fatos e provas, tem-se que a delimitação do princípio constitucional de inocência restringe-se à condenação dos Tribunais Recursais de 2º grau. 

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De outra parte, todo operador do direito tem noção que uma correta interpretação de norma deve dar-se de forma sistemática, não com análise individualizada de cada uma, pois as normas completam-se. Um bom exemplo é o direito à propriedade, resguardado na constitucional, em seu art. 5º, inciso XXII. Todavia, tal direito não é absoluto, devendo ser apreciado em conjunto com as normas constitucionais que tratam da função social da propriedade e da desapropriação (art. 5º, incisos XXIII, XXIV e arts. 184 a 186, todos da CF/88). 

Da mesma forma, o princípio constitucional da inocência não pode ser apreciado de forma individualizada, devendo ser interpretado de forma sistemática, sopesado com outros princípios tratados em normas constitucionais. 

O princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da CF/88, tem grande importância na valoração da presunção de inocência e não apenas de forma abstrata e teórica, mas de forma fática e realista. É de conhecimento comum a diferença social que vigora em nosso país, que se reflete em todas as áreas, inclusive na defesa de réus em processos criminais. Grandes escritórios, com atuação forte em seus Estados e, da forma, em Brasília/DF, com interposição de recursos dirigidos aos Tribunais Superiores.  Todavia, essa situação não é repetida em todos os casos, as pessoas com situação financeira mais simples não conseguem contratar escritórios de advocacia de grande porte e não conseguem arcar com os custos de honorários e demais despesas que envolvem a interposição de recursos perante os Tribunais Superiores, fazendo que com a presunção de inocência seja até os Tribunais Recursais de 2º Grau para alguns e para outros até os Tribunais Superiores. Tal situação, realista em nosso país, reflete em evidente quebra da isonomia, quando analisada de forma fática e realista, não apenas teórica. 

Além disso, outro princípio constitucional que deve ser  sopesado quando se examina a presunção de inocência é o direito social à segurança, previsto no art. 6º, caput, da CF/88. O direito social à segurança não se coaduna com a impunidade, pelo contrário, esta enfraquece e até viola o direito à segurança. 

Os recursos dirigidos aos Tribunais Superiores não interrompem os prazos prescricionais e, muitas vezes, em razão do grande volume de trabalho nas Cortes Superiores, os recursos aguardam mais de ano até serem julgados e, quando o são, os crimes restaram prescritos, ficando os autores dos delitos livres das penas que a eles seriam impostas. Por isso, os recursos aos Tribunais Superiores não podem servir à impunidade, ainda que instrumento legal de defesa, pois, se de um lado há o interesse individual à defesa, de outro lado há o interesse social à efetiva segurança, que apenas será efetiva quando o sistema jurídico não auxiliar à impunidade. 

Por fim, bom lembrar que o STF, em sede de Repercussão Geral, ao julgar o ARE nº 964.246/SP (Tema 925), firmou a seguinte tese jurídica:

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 

A sistemática de recursos repetitivos e de repercussão geral foi criada exatamente para trazer mais segurança jurídica às decisões judiciais e assegurar a aplicação do direito de forma isonômica. 

Assim sendo, seja pela delimitação de apreciação dos recursos para os Tribunais Superiores, que não alcançam questões de fato e de prova, seja pela necessária interpretação com outros princípios tratados em normas constitucionais, tem-se que a delimitação do princípio constitucional de inocência restringe-se à condenação dos Tribunais Recursais de 2º grau.

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Sobre o autor
Evandro Luís Falcão

analista judiciário no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, especialista em Direito Público pelo IDC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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