Entrou em vigor o protocolo de Kyoto. Após desgastantes negociações no âmbito internacional, finalmente foi, com a participação russa, atingido o número mínimo de países para que o tratado possa surtir seus efeitos práticos.
A meta é ousada mas terá que ser atingida, sob pena não de embargos econômicos ou outra medida intimidatória qualquer, e sim alterações climáticas que causarão transtornos à todos, vez que os danos ambientais não reconhecem soberania nem fronteiras e pouco importam-se com tratados, convenções e ratificações deste ou daquele país.
Trata-se de uma questão de consciência ambiental e até mesmo de sobrevivência da própria espécie humana, agora positivada no ordenamento jurídico internacional.
Entretanto, falta desenvolver, no âmbito individual, em cada país signatário, mecanismos práticos de aferição e registros dos compromissos assumidos. Falta operacionalizar de forma prática e ao mesmo tempo segura juridicamente.
De que forma, no âmbito do tratado, a legislação pátria fará o registro e o acompanhamento do cumprimento das metas, possibilitando aos países desenvolvidos empregarem seus recursos nos países em desenvolvimento, principalmente no âmbito de florestas, quer sejam plantadas ou naturais, nativas ou exóticas?
Cremos que tais mecanismos passarão necessariamente pela regularização fundiária, por normas de aquisição de terras por entidades internacionais, e pelos mecanismos de controle ambiental exeqüíveis em virtude de encontrarem-se já inseridos em nossos textos legais, como a Reserva Legal Florestal, assim como descrita em nosso Código Florestal vigente, a lei 4.771/65.
Serão então, em primeira análise, no âmbito florestal, os cartórios e os órgãos ambientais os fiéis da balança do seqüestro de carbono, por absoluta impossibilidade de medir-se efetivamente o quanto uma floresta, plantada ou natural, nativa ou exótica efetivamente retira de carbono da atmosfera. Estará então vigindo novamente a presunção legal da floresta existir e estar retirando juridicamente o carbono do meio-ambiente, em virtude de estar juridicamente reconhecida.
Neste aspecto, uma das formas que vislumbramos potencialmente é a averbação da reserva legal e até mesmo das áreas de preservação permanente conforme descritas no código florestal em vigor. Para tanto, especial atenção mantemos sobre o instituto da reserva legal e a cota de reserva legal para áreas averbadas em regime de servidão florestal.
E porque assim entendemos? Porque a averbação da reserva legal robustecida pelo aval do órgão ambiental que necessariamente tem que aprovar sua localização e certificar sua existência jurídica, descrita na matrícula do imóvel que o especializa para fins de direito, é sim o maior mecanismo para, de maneira prática, comercializar no âmbito do tratado de Kyoto massas verdes benéficas ao nosso meio-ambiente.
Não se trata de mero mercantilismo e sim de viabilizar recursos para auxiliar no desenvolvimento do campo e verdadeiramente associar preservação ambiental e desenvolvimento econômico e social.
É perfeitamente inteligível que os países desenvolvidos não enviarão recursos financeiros a fundo perdido. Certamente adentrarão nossas fronteiras para, de alguma forma dentro de uma engenharia societária, adquirirem terras cultiváveis e ao mesmo tempo, com todo o cumprimento da legislação ambiental, adquirirem seus bônus de carbono, para atingir suas metas no tratado.
Reserva Legal – O que é?
Inicialmente, cumpre-nos esclarecer o que é a área de reserva legal florestal.
Nos termos do código florestal em vigor, lei 4.771/1965, a reserva legal é:
"Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas."
A legislação ambiental, então, destinou um espaço físico no interior das propriedades, para atingir os objetivos nela previstos e para que a propriedade efetivamente cumpra sua função sócio-ambiental, conforme previsto na Constituição.
Tal espaço, em termos de área física, para as propriedades situadas na região sul do Brasil, devem ser, no mínimo, de 20% da propriedade, não podendo ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentado, segundo normas e padrões técnicos estabelecidos no regulamento.
Desta forma, em princípio, é a área de Reserva Legal uma limitação administrativa, onde o proprietário/possuidor somente pode operar se seguir determinadas regras.
Da Cota de Reserva Florestal
Procurando estimular a preservação ambiental, foi inserido no texto da lei um novo instituto jurídico, através da MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2.001: a servidão florestal, podendo esta ser representada por um título: cota de reserva florestal.
Vejamos:
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67, DE 24 DE AGOSTO DE 2001.
Altera os arts. 1º, 4º, 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal, bem como altera o art. 10 da Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, e dá outras providências
"Art. 44-B. Fica instituída a Cota de Reserva Florestal - CRF, título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos no art. 16 deste Código.
Parágrafo único. A regulamentação deste Código disporá sobre as características, natureza e prazo de validade do título de que trata este artigo, assim como os mecanismos que assegurem ao seu adquirente a existência e a conservação da vegetação objeto do título."
" Art. 44-C. O proprietário ou possuidor que, a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.736-31, de 14 de dezembro de 1998, suprimiu, total ou parcialmente florestas ou demais formas de vegetação nativa, situadas no interior de sua propriedade ou posse, sem as devidas autorizações exigidas por Lei, não pode fazer uso dos benefícios previstos no inciso III do art. 44."
Trata-se de inovação, certamente benéfica, visando estimular a preservação ambiental mediante a criação de um título, negociável, premiando aquele que se dispõe a preservar a vegetação natural além do que a legislação determina.
Pela leitura do texto legal, verifica-se que o proprietário, pretendendo instituir servidão florestal, renuncia, em caráter permanente ou temporário, a direitos que tenha para exploração de vegetação nativa, em área, no mínimo idêntica à estabelecida para a Reserva Legal, devendo averba-la no registro de imóveis da situação do mesmo.
Tendo renunciado ao direito que teria, em favor do meio-ambiente, ainda que de maneira temporária, recebe este um título, conforme previsto no art.44-B, inserido no Código Florestal, que entendemos poder ser negociado, transferido a terceiros, que, por sua vez, adquirirão o direito a existência e a conservação da vegetação objeto do mesmo.
Entendemos desta forma pois, a própria legislação, no art.44-C, faz uso da palavra ‘adquirente’, pois se apenas pretendesse entregar tal título para o proprietário da área, teria utilizado a palavra adequada, ou seja, ‘proprietário’. (Por regra de hermenêutica jurídica sabemos que não existe palavra inútil na lei).
Desta forma, entendemos que o proprietário pode negociar a CRF (Cota de Reserva Florestal) para terceiros, por um determinado preço, não sendo isto entendido como cessão da terra (transmissão de propriedade), e sim cessão dos direitos adquiridos pelo atendimento dos artigos acima citados, bastando que sejam regulamentados.
A importância de tal título é significativa, isto porque o agricultor, que tiver áreas não aproveitáveis em sua propriedade, pode partir para o cultivo de floresta nativa, auxiliando na recomposição ambiental, e o que é melhor, podendo receber, de quem pretenda adquirir, algum recurso financeiro para financiar a parte produtiva de sua propriedade. Desta forma, quem não tenha área necessária para o atendimento ao mínimo previsto no art.16, inciso III, pode adquirir tais títulos, conforme permitido pelo art.44, § 5, da lei 4.771/65, adquirindo as cotas.
In verbis:
"Art. 44...[omissis]
§ 5º A compensação de que trata o inciso III deste artigo deverá ser submetida à aprovação pelo órgão ambiental estadual competente, e pode ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva legal, ou aquisição de cotas de que trata o art.44-B."
Além desta situação, tem o particular, que sequer possua gleba de terra rural, a oportunidade de adquirir tais cotas e participar da preservação de mata nativa brasileira e, ainda, auxiliar e fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar.
Também, aquelas empresas ou agricultores que detém o domínio sobre área de terra coberta por vegetação nativa, que foram tornadas improdutivas pelas inúmeras alterações da legislação desde a época de sua aquisição, poderão recuperar uma parte do investimento feito, sem ter que discutir judicialmente suposto direito à desapropriação indireta.
Conclusão
Concluindo, estes artigos inseridos no código florestal, fomentam a preservação ambiental em conjunto com o desenvolvimento agrícola, inclusive em nível internacional, vez que tais títulos poderiam ser adquiridos por quaisquer interessados, bastando para tanto a sua regulamentação pelo poder executivo, conforme determinado na própria lei geral.
Tal instituto evidencia que nossa lei florestal já encontra em seu texto um mecanismo prático e seguro para iniciar o cumprimento do tratado de Kyoto e principalmente para, de fato, darmos verdadeiro passo rumo a melhor qualidade de vida que esperamos e que também é prevista em nosso Texto Maior, a Constituição de 1988.