Crime de corrupção pública: a sua punibilidade no âmbito penal e os meios de controle na esfera da administração

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Reflexões sobre a corrupção pública, os meios favoráveis que permitem sua expansão, a violabilidade dos princípios constitucionais, e quais os instrumentos legais para a persecução penal neste caso.

1.CONCEITO DE CORRUPÇÃO E SUA GRAVIDADE

Quando se faz o estudo da corrupção, fica muito difícil a sua conceituação, pois há uma quantidade de atos que se pode incluir nela como suborno, tráfico de influências, nepotismo, função no serviço público para favorecimento privados, dentre outras formas.

Quando o assunto é corrupção, não existe uma causa específica para a sua existência ou uma solução única para ela. Ela existe em consequência de inúmeros fatores que podem ser observados em vários outros países, podendo se destacar entre eles a elevada burocracia reduzindo a eficácia da administração pública, sistema judiciário lento e pouco eficiente, remuneração menor em relação ao setor privado.

1.1.SIGNIFICADO LÉXICO E CONCEITO PARA CORRUPÇÃO

Sobre a palavra corrupção, há variadas formas léxicas para seu significado: em latim, corruptione, que a originou nos dá a ideia de corromper, e assim sendo:

  • Significa decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, devassidão, suborno ou peita, chegando-se até a afirmar que suas raízes se insinuam no cerne da alma humana, eis que os atos que a caracterizam se encontram ligados a uma fraqueza moral.” [1]

“A corrupção tanto pode indicar a ideia de destruição como a de mera degradação, ocasião em que assumirá uma perspectiva natural, como acontecimento efetivamente verificado na realidade fenomênica, ou meramente valorativa.” [2]

O homem, segundo Mário Barros Júnior[3], é corrupto por sua natureza, ou seja, ele se deixa seduzir pelos interesses que melhor lhe convém e acaba se esquecendo da grandeza moral que habita em seu íntimo.

A corrupção sempre existiu, talvez tenha sido plantada no primeiro homem que habitou essa terra. Ela possui graus de grandeza, dependendo de cada pessoa. Mas é a poderosa senhora do mundo. A corrupção sempre existiu ao lado de condições favoráveis em que o mais forte domina, por qualquer maneira, o mais fraco. A corrupção existe muito antes da descoberta da escrita, estando presente em vários grupos, em todas as nações. [4]

No entanto, atualmente a palavra corrupção nos remete à ideia dos atos ilícitos ligados aos Agentes Públicos frente à Administração Pública, com a intenção de se apropriar dos ganhos públicos, lesando o patrimônio da mesma e, consequentemente, prejudicando a população.

Assim menciona a Doutrina de Emerson Garcia:

“Especificamente em relação à esfera estatal, a corrupção indica o uso ou a omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os legítimos fins contemplados na norma. Desvio de poder e enriquecimento ilícito são elementos característicos da corrupção.” [5]

Quando falamos em corrupção, vale lembrar que ela se dá de várias maneiras. A corrupção não é apenas um ato em si, ela ocorre em conformidade com a conduta do agente, sendo estes atos caracterizados como crimes contra a administração pública. A presente monografia abordará apenas condutas relativas à corrupção pública, ou seja, os crimes praticados por agente público na administração em geral.

1.2.FATORES QUE INFLUENCIAM A CORRUPÇÃO NO BRASIL

Há inúmeras razões pelas quais agravam a corrupção no Brasil, dentre elas, podemos citar com o crescimento da máquina estatal, o excesso de burocracia o que aumenta a oportunidade para as práticas de clientelismo e patrimonialista tendo aumento do domínio do executivo ao legislativo. Nessa mesma idéia dispõe Thiago Xavier de Andrade em seu artigo:

“Entre as inúmeras razões que agravam a corrupção no Brasil estão, em destaque, o crescimento da maquina estatal, trazendo consigo uma excessiva burocratização, ampliando as oportunidades para o exercício de práticas clientelistas e patrimonialistas, e aumentando o domínio do executivo sobre o legislativo; a ditadura militar, que protegeu com o arbítrio a atuação dos governantes; e a construção de Brasília, que libertou os políticos do controle das ruas, ampliando a sensação de impunidade.” [6]

O tema de corrupção é algo muito sensível dentro do Estado e ela se envolve em três atos, a oportunidade para a conduta, a possibilidade da descoberta e a probabilidade do autor do fato ser punido. A punição do autor é um papel importante para o combate da corrupção, tendo em vista, que a prática está intimamente ligada à descoberta do ato.

Também existe uma corrente de historiadores que menciona o problema da corrupção brasileira, desde os tempos de colonização por Portugal, que eram pessoas degredadas, assim em resumo a escória da população portuguesa marginalizada. Nesse sentido explica Thiago Xavier de Andrade:

“Uma determinada corrente de historiadores credita a corrupção existente no Brasil, hoje, à formação do Estado brasileiro, desde o período de colonização. Ela estaria associada à vinda de determinadas pessoas de Portugal para o Brasil, principalmente os degredados que foram enviados ao país na nossa colonização inicial. É que no século XVI, pessoas que cometiam crimes em Portugal eram condenadas a cumprir suas penas no Brasil, assim como em outras colônias portuguesas. Com, Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil, para exemplificarmos, vieram cerca de quatrocentos degredados.” [7]

Outros historiadores entendem que não, por Portugal ter enviado pessoas marginalizadas para o Brasil não torna o fato uma questão fundamental, pois salientam que não foram somente os portugueses a trazerem pessoa de baixa índole. Assim complementa Thiago Andrade Xavier:

“Há também quem discorde, afirmando que os degredados não apresentavam qualquer periculosidade, tendo em vista que, qualquer pequeno delito era considerado motivo de degredo, dada a intenção de mandar muita gente para o Brasil. A guisa de exemplo podemos citar os crimes de adultério e cafetinagem, como motivacionais ao degredo.

Ocorre que o fato de serem enviados degredados para o Brasil não pode ser tido como questão fundamental na influência da corrupção naquela época. Aliás, não foram apenas os portugueses de má índole que vieram povoar o Brasil. Além deles, vieram índios, africanos, japoneses, italianos, ou seja, gente de todo o planeta forma o que hoje é o povo brasileiro, numa miscigenação de raças e culturas.

Tendo o envio de degredados, ou não, influência na corrupção existente no Brasil Colônia, que persiste até hoje, o que importa é que, de fato, foi nesse período que se iniciou a construção do Brasil. Desse modo, torna-se meritório a análise da influência do período colonial, como marco do nascimento do Brasil, na cultura corrupta que hoje permeia o País”.[8]

Portanto, pode-se notar que não são as pessoas que vieram para o Brasil colonizar que transmitiram a cultura corrupta e sim o modo de como o País foi colonizado ao longo dos anos através de uma colonização totalmente extrativista, e assim menciona Thiago Xavier:

“Some-se a isso o fato de que não havia, quando da colonização do Brasil, um projeto de nação. Portugal, inclusive, tinha dificuldades em povoar o território brasileiro. Poucos eram os que queriam fixar seu domicílio no Brasil. Segundo Emanuel Araújo, “Acreditava-se que no ultramar se enriqueceria tão rapidamente que nem havia necessidade de levar a família: seria pouca a demora naquelas terras insalubres, incultas e povoadas de bugres antropófagos””.[9]

Nesse sentido, entende-se que vários fatores contribuíram também pra disseminação da corrupção. Atualmente, e também desde os tempos mais remotos, a mesma está aparente e a vista de todos, porém, o que se trata é a punição rigorosa, com fim de causar temor ao pretenso corruptor. E nessa linha de raciocínio Thiago Xavier de Andrade dispõe de suas idéias:

“Robert Klitgaard, sobre o tema da corrupção, assevera que trata-se de “um crime de cálculo e não de paixão”. Ou seja, que tal comportamento derivaria menos da falta de princípios éticos ou morais e mais das condições materiais propícias para a ocorrência do crime. De acordo com essa teoria, a corrupção envolve principalmente três variáveis: a oportunidade para ocorrer o ato ilegal, a chance de a ação corrupta ser descoberta e a probabilidade do autor ser punido.

Portanto, a penalização do autor do ato corrupto exerce papel saliente no combate à corrupção, de forma imediata; e na sua ocorrência, de forma mediata. A prática da transgressão está particularmente ligada à possibilidade dos atos corruptos serem descobertos.

Nesse sentido, temos que a grande questão está não em se perceber a corrupção, pois ela está latente, mas em puni-la, para que haja uma resposta a sociedade. Além disso, um rígido sistema sancionatório tem a função de causar temor ao pretenso corrupto.

É certo, por outro lado, que sempre que uma pessoa, exercendo uma função pública, detém certos poderes, deterá também a possibilidade de utilizar-se desses poderes para o abuso de sua autoridade, agindo de forma arbitrária. E isso poderá, apenas, ser combatido com a fiscalização dos poderes, que pode ser hierárquica, de função, ou interpoderes, através do sistema de checks and balances.”[10]

A corrupção como já vista, há muitas variáveis, desde a civilidade das sociedades até mesmo na possibilidade da efetiva punição. Neste caso não se pode atribuir a corrupção a uma causa única e sim a diversos fatores que contribuem para sua ocorrência, e que de certa forma, influenciam para que haja o seu acontecimento. Esses fatores devem ser analisados e considerados para obter meios concretos com intuito de remedia-los.

1.3.A GRAVIDADE DA CORRUPÇÃO PÚBLICA

A corrupção pública – não excluindo a corrupção privada, pois se trata de mesmo ato – é um grande empecilho para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Nesta monografia, tratar-se-á especificamente da corrupção pública.

Sem dúvidas, pode-se afirmar que a corrupção pública afeta a população, conforme a variação desta em cada país que a enseja. De fato, a corrupção pública é o acesso mais fácil e rápido para o poder e, nessa conjuntura, constata-se a instabilidade política em que se encontra o Brasil. A corrupção torna-se um ciclo vicioso, vez que a instituição não mais estará alicerçada nas concepções ideológicas que visam à vontade do povo, mas em condutas imorais, causando um efeito devastador na coletividade, o que demonstra um sério comprometimento no desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.

De acordo com Barros Junior, “[...] o Brasil, um país em desenvolvimento, com esquemas de muitas prioridades, acaba sendo caça fácil para a deusa corrupção. Ela sorri e hipnotiza. E os fiéis se ajoelham. Às vezes inclinam a cabeça e recebem sorridentes, medalhas e condecorações”. [11]

O agente que ingressa na administração pública tem o dever de zelar pela carreira e pelo bem público, sendo esta uma confiança depositada pelo povo, para uma boa administração pública. No entanto, muitos agentes públicos deixam de agir de forma moral.

Assim, salienta Emerson Garcia:

“Quanto maior for a relevância dos interesses que o agente público venha a dispor em troca das benesses que lhe sejam ofertadas, maior será o custo social de sua conduta.

As políticas públicas, ademais, são sensivelmente atingidas pela evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas dos atos de corrupção. Com a diminuição da receita tributária, em especial daquela originária das classes mais abastadas da população, diminui a redistribuição de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça social. Esse quadro ainda servirá de elemento limitador à ajuda internacional, pois é um claro indicador de que os fundos públicos não chegam a beneficiar aqueles aos quais se destinam.

Esse ciclo conduz ao estabelecimento de uma relação simbiótica entre a corrução e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores serão as políticas públicas de implementação dos direitos sociais. Se os recursos estatais são reconhecidamente limitados, o que torna constante invocação da reserva do possível ao se tentar compelir o Poder Público a concretizar determinados direitos consagrados no sistema, essa precariedade aumentará na medida em que os referidos recursos, além de limitados, tiverem redução de ingresso e forem utilizados para fins ilícitos.” [12]

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No entanto, pode-se concluir que o agente público que dá maior interesse a se dispor de benefícios que lhe sejam ofertados trará um alto custo para a sociedade.  Isto contribui para que a Administração Pública tenha maior dificuldade em realizar os objetivos sociais, pois esta se torna uma administração desvirtuada, posto que, sua finalidade está totalmente oposta com a razão de ser.

Assim, nessa mesma linha, entende o Promotor Gustavo Miranda:

“Destarte, não há dúvidas em relação à natureza difusa dos atos de corrupção, com seus nefastos efeitos para a coletividade, não encontrando sua prática amparo no sistema jurídico, tendo estreita ligação com variadas espécies de crimes, do que se conclui, lamentavelmente, que acaba por gerar um elevado custo social, com inegáveis reflexos para a tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana e para a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito, eis que configura um dos fatores da crise da governabilidade, colocando em risco a democracia, na medida em que gera desconfiança nas instituições estatais.” [13]

Assim, pode-se destacar que a corrupção, como já supracitado, causa a ineficiência estatal, haja vista que, para o bom andamento do Estado Democrático de Direito, deve ser realizada a boa prática da governabilidade, ou seja, que a instituição estatal esteja caminhando em conformidade com os princípios elencados na Constituição Federal, os quais prezam pela boa conduta do agente, e estão descritos em seu art. 37, caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]” [14]. Ou seja, os princípios regidos devem ser resguardados para a harmonia do ordenamento jurídico, de tal sorte que esses princípios salvaguardam o Estado Democrático de Direito e sua manutenção.

A corrupção promove o abismo social, impedindo o desenvolvimento do país em diversas áreas sociais e, mais notadamente, na educação e saúde pública, ou seja, no mínimo básico para que uma pessoa possa viver dignamente. Desta maneira, podemos destacar que a corrupção atinge os Direitos Humanos, pois, se as pessoas são privadas de viver de acordo com o consagrado em nossa Carta Magna, é fraudado algo extremamente essencial para uma vida digna.

Uma vez que o agente público desvia benfeitorias às quais eram destinadas à melhoria do País, indiretamente, faz milhares de brasileiros anualmente sofrerem.

Assim dispõe a doutrina de Emerson Garcia:

“Realmente, na esfera pública a questão da corrupção se agrava ainda mais, notadamente quando a Administração Pública deve respeito irrestrito aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, conforme dispõe o art. 37 da Constituição Federal, dos quais o agente público não pode se afastar, sob pena de comprometer o adequado funcionamento da administração e, consequentemente, a deficiência das prestações sociais de responsabilidade do Estado.” [15]

Pode-se verificar o quanto a corrupção afeta o progresso do país, e que o agente público deve zelar pela eficiência de suas prestações para o Estado, mas o que ocorre é que, a cada dia a mais, a população depara-se com escândalos relacionados à corrupção.

Portanto, o regular funcionamento da administração pública exige transparência, características que são incompatíveis com uma administração com práticas corruptas. A ausência desse elemento essencial à boa governabilidade serve de desestímulo a toda ordem de investimentos. Dessa forma os investimentos que seriam investidos no Estado, são transferidos para locais menos conturbados, com isso, comprometerá o crescimento, já que sutilmente vai se diminuindo o fluxo de capitais.

Dessa feita, como os atos de corrupção que normalmente não ensejam em direitos amparados pelo sistema jurídico ignorando a solução dos conflitos de interesses sociais verifica-se, entretanto, que esse campo resulta na prática de infrações penais estimulando o aumento da própria criminalidade.

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Sobre a autora
Érica de Aguiar Justino da Cruz

Olá, meu nome é Érica, sou advogada, formada pela Universidade Católica Dom Bosco, sou especialista em Direito Penal e Processo Penal, pela Faculdade Damásio, possuo curso de Atualização de Contratos Administrativos e Licitações pela Fundação Getúlio Vargas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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