2. CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SUA FUNÇÃO
Administração Pública tem como papel fundamental a preservação do princípio da dignidade humana, o que consolida o Estado Democrático de Direito. A administração pública tem a necessidade da concretização dos direitos fundamentais, como a saúde, educação, lazer, segurança pública, enfim, direitos que são considerados essenciais para sobrevivência humana, trazendo o mínimo de dignidade.
Destarte, para a materialização dos direitos fundamentais, a administração não poderá tornar-se compatível com uma conduta desonesta, portanto, faz-se substancialmente necessário que todo o agente, desde o alto escalão da administração até o menor, deva atuar com observância aos princípios que regem a administração pública, os quais estão cristalizados no art. 37, caput, da Constituição de Federal de 1988, de tal forma que esses princípios sirvam de maneira norteadora para o administrador público, que, na omissão destes, sacrificará inúmeros direitos fundamentais.
Qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como fundações públicas, autarquias, agências reguladoras e executivas, empresas de sociedade de economia mista e empresas públicas estão sujeitas aos princípios regidos no art. 37 da Constituição Federal.
2.1. DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, previsto em tal artigo, tem a sua importância no combate ao poder arbitrário do Estado, ou seja, os conflitos devem ser resolvidos mediante normas e não mais mediante força.
E, assim, conceitua-se o princípio da legalidade:
“Inerente ao Estado de Direito, o princípio da legalidade representa a subordinação da administração Pública a vontade popular. O exercício da função administrativa não pode ser pautado pela vontade da Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatoriamente respeitar a vontade da lei.
De acordo com o magistério de Hely Lopes Meirelles: “As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos.” [16]
Tem-se, dessa maneira, que a compreensão do princípio da legalidade estende-se à vinculação com a administração pública e aos mandamentos da lei (Estado de Direito). Nos Estados contemporâneos têm-se admitido que a Administração está vinculada pela regra de Direito.
Notório que esse princípio estabelece que o agente público deva estar subordinado à legalidade, ou seja, à vontade popular, não podendo ser essa vontade expressa pela administração pública ou seus agentes públicos, senão, tão somente por lei.
A doutrina europeia costuma desdobrar o conteúdo da legalidade em duas dimensões que são tidas como fundamentais: a) princípio da primazia da lei; e b) princípio da reserva legal.
O princípio da primazia da lei ou legalidade, em sentido negativo, conforme estabelece Alexandre Mazza, [...] “Enuncia que os atos administrativos não podem contrariar a lei. Trata-se de uma consequência da posição de superioridade que, no ordenamento, a lei ocupa a relação ao ato administrativo.”[17]
Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade, no sentido positivo, estabelece que os atos da administração pública só possam ser praticados mediante autorização legal, “[...] disciplinando temas anteriormente regulados pelo legislador. Não basta não contradizer a lei. O ato administrativo deve ser expedido secundum lege [...]” [18].
A reserva legal dá o entendimento que somente a lei poderá fazer a inovação original na ordem jurídica, ou seja, o ato administrativo não tem poder jurídico para o estabelecimento de dever e proibição a particulares, sendo a legalidade, no entanto, um elemento essencial dos atos administrativos, “[...] cabendo-lhe o singelo papel de instrumento de aplicação da lei ao caso concreto.” [19]Portanto, o princípio da legalidade é um fundamento do Estado Democrático de Direito, haja vista, que tem por fim combater a arbitrariedade do Estado.
2.1.2. Princípio da Impessoalidade
A administração pública, segundo esse princípio, deverá manter-se em posição de neutralidade, dessa forma, não poderá fazer discriminações gratuitas, senão tão somente se for de interesse coletivo. As discriminações gratuitas são caracterizadas pelo desvio de finalidade, abuso de poder, que são gêneros da ilegalidade.
Dessa forma, estabelece Alexandre Mazza:
“O princípio da impessoalidade estabelece um dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa. Segundo a excelente atuação prevista na Lei de Processo Administrativo, trata-se de uma obrigatória “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção de agente ou autoridades” (art. 2º parágrafo único, III, da Lei n. 9.784/99).”[20]
Portanto, o princípio da impessoalidade é um clássico princípio da finalidade, conforme Hely Lopes Meirelles ensina, “[...] o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal” [21].
A impessoalidade possui outro aspecto muito importante: “[...] a atuação dos agentes públicos é imputada ao Estado [...]”[22], ou seja, significa que o agir impessoal da Administração Pública não poderá ter atribuições a pessoa física, mas a pessoa jurídica estatal a qual estiver ligado. Por isso, a reparação de danos causados por pessoa física, aquela que está ligada ao exercício regular da função administrativa, é do Estado, “[...] e não do agente que realizou a conduta.” [23]
Vale destacar que várias normas e institutos de Direito Administrativo têm uma preocupação em relação à impessoalidade (grifo nosso), principalmente sobre regras de impedimento e suspeição nos processos administrativos, como por exemplo, a promoção pessoal de autoridades públicas, concursos públicos e licitações. A vedação da promoção pessoal é um subprincípio do princípio da impessoalidade, que estabelece que a presença de nomes, imagens ou símbolos de agentes ou autoridades públicas “[...] compromete a noção de res publica e impessoalidade da gestão da coisa pública. [...]”[24]
Dessa feita, o art. 37 da Constituição Federal visou a assegurar a impessoalidade na divulgação dos atos governamentais, protegendo, assim, que tais atos devam voltar-se exclusivamente para o interesse social, o que demonstra que o princípio da impessoalidade, nesse caso, tem caráter educativo ou de orientação, sendo imposta pela Constituição Federal.
2.1.3. Princípio da Moralidade
Este princípio estabelece que a Administração deve atuar com moralidade, ou seja, de acordo com a lei, haja vista que esse princípio faz parte do conceito de legalidade. Portanto, o que é imoral é ilegal, pois se torna ato inconstitucional, sendo tal ato sujeito ao controle do Poder Judiciário.
No princípio da moralidade, há várias teorias para explicar as normas morais e normas jurídicas. “[...] A mais famosa é a teoria do mínimo ético defendida pelo filósofo inglês Jeremias Bentham e pelo jurista alemão Georg Jellinek.[25] No entanto, Alexandre Mazza faz uma crítica a essa teoria, afirmando:
“A teoria do mínimo ético defende que as regras jurídicas têm função principal de reforçar a exigibilidade de um conjunto básico de preceitos éticos. O Direito faria parte de um complexo mais amplo de regras sociais pertencentes à moral.
O grande equívoco dessa concepção está em supor que todas as regras jurídicas são morais. Parece evidente que o legislador nem sempre pauta o conteúdo das leis nos padrões da moralidade, mesmo porque o conceito do que é moral ou imoral pode variar de um indivíduo para outro. A título de exemplo, é discutível a moralidade da regra brasileira que prevê prisão especial para indivíduos com nível superior (art. 295 CPP).”[26]
Desse modo, o que parece mais aceitável dentro das teorias, por fim, é a chamada teoria dos círculos secantes (grifo nosso), “[...] desenvolvida por Claude Du Pasquier [...][27]”, na qual o Direito e a Moral são complexos normativos independentes, porém, havendo uma área de intersecção na qual os dois possuem regiões particulares dependentes.
Nessa linha o autor explica:
“Mais condizente com a realidade, a teoria dos círculos secantes permite concluir que existem pontos de concordância entre o jurídico e o moral, mas não há coincidência total entre suas exigências. Importante frisar, ainda, a existência de comportamentos indiferentes a moral (amorais) e outros não disciplinados juridicamente. Assim, podemos identificar vários tipos de enquadramento de uma conduta quanto à sua ilicitude e moralidade:
1) comportamento lícito imoral;
2) comportamento lícito e moral;
3) comportamento lícito e amoral (indiferente para a Moral);
4) comportamento ilícito e imoral;
5) comportamento ilícito e moral;
6) comportamento ilícito e amoral;
7) comportamento indiferente para o Direito e imoral;
8) comportamento indiferente para o Direito e moral;
9) comportamento indiferente para o Direito e amoral.
Essa primeira aproximação serve de ponto de partida para aprofundar o conteúdo do princípio da moralidade.”[28]
No entanto, os agentes públicos que pratiquem atos imorais responderão pelo art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário (cofres públicos), na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” [29]
Estas sanções poderão ser aplicadas concomitantemente, havendo instrumento que possa averiguar as irregularidades praticadas pelo servidor, o qual ficará sujeito ao processo administrativo ou sindicância, cabendo ao servidor o contraditório e a ampla defesa. As hipóteses exemplificativas para que o servidor esteja sujeito às sanções como atos de improbidade administrativa são os atos que importem em enriquecimento ilícito, em lesão ao erário ou atos que fomentem contra os princípios da administração.
2.1.4. Princípio da Publicidade
O princípio da publicidade tem como efeito a transparência dos atos da administração pública, estando a mesma sujeita a informar dados, quando a ela forem solicitados. Todos podem pedir informações, seja por interesses pessoais ou coletivos.
Assim, leciona Alexandre Mazza:
“O princípio da publicidade pode ser definido como o dever de divulgação oficial dos atos administrativos (art. 2º, parágrafo único, V, da Lei n. 9.784/99). Tal princípio encarta-se num contexto geral de livre acesso dos indivíduos a informações de seu interesse e de transparência na atuação administrativa, como se pode deduzir do conteúdo de diversas normas constitucionais. [...]” [30]
Os objetivos do princípio da publicidade são exteriorizar os atos da administração pública, divulgando as informações para o conhecimento público, para tornar exigível o efeito do ato, a fim de garantir a produção dos mesmos, permitindo o controle de legalidade do comportamento.
Há exceções ao princípio da publicidade quanto à matéria envolvida e, assim, arremata o autor:
“O próprio texto constitucional definiu três exceções ao princípio da publicidade, autorizando o sigilo nos casos de risco para: a) segurança do Estado (art. 5º XXXIII da CF). Exemplo: informações militares; b)a segurança da sociedade (art. 5º, XXXIII, da CF). Exemplo: sigilo da informações sobre o interior de usina nuclear para evitar atentados terroristas; c) a intimidade dos envolvidos (art. 5º, X, da CF). Exemplo: processos administrativos disciplinares.” [31]
Em uma recente crise no Senado Federal constatou-se a prática de atos secretos. Vale lembrar que “negar publicidade aos atos oficiais” [32]ou quando um agente público “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo”[33]constituem-se em atos de improbidade administrativa (grifo nosso). O agente público que colaborar para uma dessas situações está sujeito às sansões administrativas conforme a lei 8.429/92 que Alexandre Mazza leciona em sua obra:
“As penas aplicáveis ao agente público que praticar tais comportamentos são: a) ressarcimento integral do dano que houver; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; d) pagamento de multa civil até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e) proibição de contratar o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais creditícios pelo prazo de três anos (art. 12 da Lei n. 8.429/92)” [34]
Portanto, os atos administrativos importam em publicidade, a fim de chegar ao conhecimento público os atos da Administração, para que os torne exigíveis e para o controle dos mesmos. No entanto, existem as exceções que visam assegurar direito de sigilo da intimidade dos indivíduos, havendo também exceções quanto ao resguardo da segurança da sociedade que é a segurança do Estado.
2.1.5. Princípio da Eficiência
A Administração Pública, de acordo com esse princípio, deve buscar o aperfeiçoamento quanto à prestação dos serviços públicos, de tal forma que deve manter a qualidade dos serviços, visando à economia de despesas.
Assim conceitua Alexandre Mazza:
“Economicidade, redução e desperdícios, qualidade, rapidez, produtividade e rendimento funcional são valores encarecidos pelo princípio da eficiência.
É impossível deixar de relacionar o princípio da eficiência com uma lógica da iniciativa privada de como administrar. Porém o Estado não é uma empresa; nem sua missão, buscar o lucro. Por isso, o princípio da eficiência não pode ser analisado senão em conjunto com os demais princípios do Direito Administrativo”[35]
Dessa forma, a administração não deve apenas agir de modo eficiente, e deixar de preservar a qualidade e rapidez dos serviços prestados, haja vista que o conteúdo jurídico de tal princípio consiste na obrigação (grifo nosso) da Administração Pública de “[...] buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei.” [36] Portanto, a atuação estatal deve ser eficiente, correspondendo aos direitos dos usuários dos serviços públicos com uma qualidade e rapidez (grifo nosso).
Como foi mencionado acima, vale ressaltar importância desses cinco princípios citados na Constituição Federal, presente em seu artigo 37, de tal forma que, visa atender a população da melhor maneira possível. Esses princípios eles possuem aplicação imediata e eficácia plena, devendo ser observado pelo administrador público e os administrados.
O bom andamento da administração pública de acordo com os princípios elencados garante o caminho correto das atividades administrativas, bem como, o procedimento que orientará o administrador e os administrados para uma boa gestão dos negócios públicos, visando progresso social, segurança, bem estar e crescimento econômico do Estado.