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A reforma do Judiciário e a formação dos magistrados

29/03/2005 às 00:00
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Introdução

O Congresso Nacional, ao dispor sobre a chamada reforma do judiciário trouxe várias novidades: o Conselho Nacional de Justiça, a profunda alteração da competência da Justiça do Trabalho, dentre outras.

São questões importantíssimas e que, por isso, têm merecido inúmeras considerações, através de palestras e seminários, artigos doutrinários, além de animadíssimos papos nos corredores dos fóruns.

Um outro assunto, igualmente importante, entretanto bem menos teorizado foi também incluído na mencionada reforma.

Trata-se da instalação de Escolas Judiciais, inciso I, do parágrafo único do artigo 105, combinado com o inciso também I, do § 2º, do inciso II, do artigo 111-A, da Constituição Federal, modificada pela Emenda Constitucional nº 45/2.004.

O tema é afeto ainda à educação no Brasil, outro tema essencial e polêmico. E fazer escola é muito mais do que construir prédios ou simplesmente instalar centros de estudo.


A Escola Nacional de Magistratura e as escolas judiciais regionais

A Escola Nacional de Magistratura está estrutura há alguns anos, entretanto trata-se de um setor da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, entidade nacional que reúne várias associações de magistrados (não todas), mas que não conta com proposta pedagógica stricto sensu, nem tampouco se organiza como um centro de aprendizagem regular.

Por certo é uma valiosa iniciativa, todavia não atende o que foi programado pela recente reforma, que torna as escolas organismos dos tribunais superiores.

Há também escolas regionais, também ligadas às associações regionais de magistrados, e que hoje se ocupam, essencialmente, com a preparação de candidatos aos concursos públicos, de provas e títulos para o ingresso na magistratura de carreira.

Diante disso, podemos concluir que o subsídio que tais escolas podem oferecer à criação do novo modelo de escola é limitado.


A construção de uma Escola

Construir uma escola é muito mais do que simplesmente edificar ou prédio, ou conclamar pessoas da uma aula ou palestra. Não basta uma estrutura física ou equipamentos.

Educar não é fácil e pressupõe longa vivência e estudos científicos na área de educação. E mais, a aprendizagem somente se torna produtiva ante a reunião de pessoas estimuladas a conquistar o saber.

Isso é uma tarefa complexa para experimentados educadores, e um desafio quase intransponível até mesmo para os mais sensíveis governos.

Certamente não será tarefa fácil para o Poder Judiciário.

É de todo oportuno que a legislação infraconstitucional crie os mecanismos adequados a disponibilizar pessoal qualificado para dotar os gestores dos tribunais de meios necessários à consecução da missão que a Constituição Federal lhes confiou.

O fato de alguém ser um bom juiz não o qualifica para o exercício do magistério. É preciso conhecer técnicas de ensino e estar alinhado com as propostas pedagógicas da instituição que está a servir.

Assim, além de corpo técnico administrativo com formação específica, educadores profissionais, um corpo de professores com habilitação e experiência educacional (juízes ou não), precisa estar à disposição dos tribunais, a fim de dotar seus gestores dos meios adequados ao gerenciamento de atividades educacionais.


A motivação está colocada

Ninguém duvida que os juízes se submetem a um dificílimo concurso público, cujo êxito revela tenacidade, determinação e muita cultura jurídica. E mais, atualmente, majoritariamente muito jovens.

Pessoas jovens, capacitadas e com forte aptidão para o conhecimento formam um grupo fantástico para qualquer proposta série de ensino, e são capazes de fazer a alegria dos professores, de tão propensos que são ao estudo sistemático.

Além disso, com as regras previdenciárias vigorantes, ficarão por décadas a servir o povo, no exercício da função judicante.

O direito é feito para os homens que vivem em sociedade, e esta é mutável pela própria natureza. As leis refletem um dado momento e os critérios para sua interpretação também variam, no tempo e no espaço.

Sendo assim, temos os maiores elementos favoráveis à aprendizagem: pessoas capazes, que ficarão por um longo tempo inseridos numa instituição, e que necessariamente aplicam regras em constante mutação.

Por que então será que as escolas judiciais não são centros de excelência em educação, com profícua produção?

Por uma óbvia razão.

Os juízes inseridos em suas situações de trabalho acabam envolvidos em tarefas crescentes e superiores à sua capacidade de produção intelectual.

O trabalho de um julgador é denso e desgastante, nas melhores condições. Quanto mais num cenário de escassos recursos, humanos e materiais, ocasionando uma carga de trabalho sobre-humana.

Este o fator contraproducente.


Conclusão

Somente com a especialização daqueles de irão pensar a educação no âmbito dos tribunais, estes conseguirão idealizar cursos hábeis ao seu público específico, com propostas adequadas à formação intelectual.

Conhecimento técnico e aptidão para o estudo os juízes já demonstraram ter desde o ingresso na carreira. Assim, estes precisam ser complementados permanentemente, para que se ampliem e multipliquem.

Essa expansão dos conhecimentos, benéfica para toda a sociedade, pelo que se pode facilmente constatar, não, deve, entretanto, estar jungida a disciplinas apenas jurídicas. A formação humanística de magistrados é fundamental para os contextualizar no multifacetado mundo em que vivem. E mais, julgando matérias e pessoas tão diferentes, precisam realmente conhecer um pouco de seus hábitos e costumes, enfim sua cultura.

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Por fim, o pleno envolvimento da alta administração dos tribunais carece estar colocado nestas escolas com o único meio de fazer com que elas prosperem.

É preciso coragem para tirar os juízes de suas salas de audiência em plena crise institucional. Todavia, é indispensável que assim seja, porquanto somente com julgadores bem educados poderemos construir um Poder Judiciário atento às exigências da sociedade destinatária de sua atuação.

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Sobre o autor
Vitor Salino de Moura Eça

Juiz do Trabalho em Minas Gerais. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito da PUC-Minas. Doutorando em Direito Processual e Mestre em Direito do Trabalho, pela PUC-Minas. Especialista em Direito Empresarial, pela UGF/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EÇA, Vitor Salino Moura. A reforma do Judiciário e a formação dos magistrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 629, 29 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6511. Acesso em: 28 mar. 2024.

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