Resumo: A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC surgiu como meio alternativo para humanizar a execução penal, sem perder de vista o caráter punitivo, propondo-se a cumprir a finalidade da pena, garantindo os direitos dos condenados, reinserindo os recuperandos na sociedade recuperados e promovendo com fim último segurança pública.
Palavras-chave: Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC. Método APAC.
Sumário: 1 - Do Método APAC; 2 – Assistência Jurídica; 3 – Assistência à Saúde; 4 – Valorização Humana; 5 – A Família; 6 – O Voluntário e o Curso para sua Formação; 7 – Jornada de Libertação com Cristo; 8 – Considerações Finais; Referências.
1. DO MÉTODO APAC
No ano de 1972 em São José dos Campos – São Paulo, um grupo de voluntários cristãos, sob a liderança do advogado Dr. Mário Ottoboni, passou a frequentar o Presídio de Humaitá, situado no centro da cidade, com o objetivo de evangelizar e dar apoio moral aos presos”2.
Este voluntariado inicialmente denominado Amando o Próximo Amarás a Cristo - APAC, baseava-se na observação dos presos, dos seus anseios, com o objetivo de diminuir os constantes problemas da comarca, uma vez que a “[...] população vivia sobressaltada com as constantes fugas, rebeliões e violências verificadas naquele estabelecimento prisional.” O grupo não tinha nenhuma experiência com o mundo do crime, das drogas ou mesmo das prisões, mas vagarosamente conseguiu vencer as barreiras que surgiam no caminho3.
Em 15 de outubro de 1974 o referido grupo, que constituía uma Pastoral Penitenciária, criou a primeira Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC com personalidade jurídica, mecanismo este, que tem por objetivo a recuperação de presos4.
A atuação deste mecanismo é de suma importância, haja vista que trabalha paralelamente ao Estado, na qualidade de Órgão auxiliador dos Poderes Judiciário e Executivo, juntamente com uma parceria à Justiça na execução da pena, conforme estabelecido em seu estatuto social5.
Ainda no corrente ano de 1974, a APAC de São José dos Campos inicia um trabalho experimental com 100 (cem) presos no Presídio Humaitá e os membros da Associação e da Pastoral Carcerária6.
Este experimento teve a participação dos voluntários da Associação, as famílias dos presos e a direção composta de órgãos técnicos.
Inicialmente, organizaram-se grupos de padrinhos responsáveis pelo acompanhamento de cada preso, seja para a solução de problemas no mundo externo, seja para a conversa e a orientação pessoal. Os familiares dos presos sendo estimulados a manter com eles contato frequente, evitando-se, assim, a perda da unidade familiar; e, por fim, com o objetivo de atacar o problema em sua raiz e não apenas paliativamente, a direção dedicou-se à pesquisa social sobre as causas dos delitos praticados7.
Entretanto, apesar do grande esforço sendo realizado, o fundador do Método detectou um problema que poderia vir a comprometer todo o trabalho até então desenvolvido, pois não era o bastante ter os voluntários da APAC desenvolvendo uma metodologia baseada na valorização humana do presidiário, estimulando a mudança comportamental, de sua família, a ponto de maximizar-lhes as chances de melhoria de vida, etc. e de outro lado, a presença dos órgãos policiais dentro do presídio, muitas vezes despreparados e mal formados, atuando em sentido contrário, relembrando ao preso sua condição de marginalizado8.
Passados 10 (dez) anos, surge a solução para esse problema, a APAC, quando em 10 de agosto de 1984, a administração do Presídio Humaitá passa a ser feita exclusivamente pela APAC, sem a presença de policiais ou armas9.
Visando garantir a aplicação correta do Método foi criado um órgão coordenador e fiscalizador, em 1981, chamado de Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados - FBAC10, o qual tem a tarefa de orientar, zelar e fiscalizar a correta aplicação da metodologia da APAC, e também as classificar conforme suas atividades e aproveitamento11.
A APAC também se filiou a Prision Fellowship International (PFI), em 1986, que é o “[...] órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. A partir dessa data, o Método passou a ser divulgado mundialmente por meio de congressos e seminários”12.
Sendo assim, a APAC consiste em um Método de valorização humana, que por meio da evangelização oferece condições para que o apenado se recupere,sendo um Método.
Esta metodologia rompe com o sistema penal vigente, cruel em todos os aspectos, e que não cumpre a finalidade precípua da pena, que tem como objetivo preparar o condenado para ser desenvolvido em condições de conviver harmoniosamente e pacificamente com a sociedade13.
As penas aplicadas não têm como finalidade atormentar, afligir, nem ao menos desfazer um delito já cometido, mas com a escolha de penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu14.
O principal diferencial a APAC apresenta é que os próprios presos (chamados de recuperandos pelo Método) são corresponsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. A segurança e a disciplina do presídio são feitas com a colaboração dos recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores das entidades, sem a presença de policiais e agentes penitenciários15.
De acordo com pesquisa realizada pela FBAC no ano de 2016 existem 50 APACs sem o concurso da polícia no Brasil em 7 (sete) Estados sendo eles: Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, e já foi implantada em países como: Estados Unidos, Austrália, Chile, México, Nigéria, Nova Zelândia, Paquistão entre outros países16.
O Estado de Minas Gerais tem se dedicado a implantar novas APACs, a unidade pioneira foi na cidade de Itaúna, em 1986. Todavia, o referido Método ganhou extensão em dezembro de 2001, quando foi lançado o “Projeto Novos Rumos na Execução Penal”, visando e objetivando a criação de novas APACs no Estado, como alternativa na humanização do condenado17.
Nascendo o “Projeto Novos Rumos na Execução Penal”, de acordo com a resolução nº 633/2010, e lançado em dezembro de 2011, com o objetivo de incentivar a criação e a expansão APAC, como alternativa de humanização do sistema prisional. Este Projeto atualmente é coordenado pelo Desembargador Joaquim Alves de Andrade, apresentando o Método APAC, orientando as Comarcas e municípios interessados em implantar e desenvolve-lo, como medida de defesa social18.
Após uma breve abordagem, faz-se necessário tratar dos elementos que fundamentam este Método de valorização humana, sem que haja a ausência da finalidade punitiva da pena, buscando a recuperação do condenado e sua reinserção no convívio social, um dos requisitos da LEP que não vem sendo cumprindo, haja vista o grande número de reincidência no sistema comum19.
O Método APAC tem como alicerce o estabelecimento de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado20. E tem como filosofia “matar o criminoso e salvar o homem”, pois por meio do Método desenvolvido a execução penal deveria mostrar-se eficiente, eliminando os fatores criminógenos na personalidade e modus vivendi do apenado, alcançando assim seu objetivo de remir-se do crime reformando o criminoso21.
O trabalho desenvolvido pela APAC é baseado em 12 (doze) elementos fundamentais, quais sejam: a) participação da comunidade; b) ajuda mútua entre os recuperandos; c) o trabalho; d) a religião; e) assistência jurídica; f) assistência à saúde; g) valorização humana; h) integração da família; i) trabalho voluntariado; j) centro de reintegração social (CRS); k) conquistas de benefícios por mérito; l) jornada de libertação em Cristo, que foram descobertos depois de longos estudos e tentativas frustradas para alcançar índices satisfatórios.
Frisa-se, que sempre devem ser aplicados todos os elementos, pois é esse conjunto que traz respostas positivas, ou seja, nunca deve ser priorizado este ou aquele elemento, ou aplicar apenas alguns, pois precisa-se de todos, sob pena de fracasso, como explica Mário Ottoboni.
Em analise as tentativas frustradas de aplicar-se o Método, pôde-se observar, que as que não obtiveram sucesso, ocorreu falha por parte do aplicador, que não aplicou de forma correta, optando por aplicar os mais fáceis e convenientes22.
Um dos lemas propagados é que o amor incondicional e a confiança são dois aspectos subjetivos de suporte de toda a metodologia. Esses dois aspectos devem se manifestar o tempo todo por meio de gestos concretos de acolhida, de perdão, de diálogo, sem distinção, por parte dos voluntários, no relacionamento com os recuperandos23.
O Método APAC só é possível de ser executado com a ajuda da comunidade. O artigo 4º da LEP prescreve a participação da comunidade na execução da pena, “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”.
Acredita-se que o recuperando é portador de alguma deficiência24, mesmo que seja de caráter momentâneo, que induz à prática do ato antissocial, por este motivo, faz-se necessário durante o cumprimento da pena, encontrar o problema que o angustia, para que este possa superá-lo e tornar-se vencedor ao término da pena25.
Um dos motivos do aumento da violência e da criminalidade é o abandono dos condenados atrás das grades, no lugar de um instrumento de ressocialização, de educação para a liberdade vem a ser um núcleo de aperfeiçoamento no crime, onde os menos perigosos se adaptam aos condicionamentos sociais intramuros, assimilando os usos, costumes, hábitos e valores da massa carcerária26.
Se a Polícia representa a primeira força, e o preso a segunda força, a atuar no presídio, a comunidade no estabelecimento penal, participando do trabalho de recuperação do condenado, deve representar a terceira força sem nenhum comprometimento ou descrédito de forma ilesa, confiável, para ganhar a confiança dos que estão atrás e fora das grades, para falar em amor, solidariedade humana e esperança27.
O preso olha para o cidadão voluntário com a percepção de que aquele voluntário quer ajudá-lo gratuitamente, acreditando que aquele momento que está sendo vivido pelo detento é passageiro, transitório, até que venha a descobrir seus próprios valores, porque acredita que todo ser humano nasceu para ser feliz28.
Cabe lembrar que esta tarefa não é fácil de ser implantada e várias dificuldades existirão, já que será necessário penetrar em um universo totalmente desconhecido da sociedade29.
Dessa maneira, é possível observar que os trabalhos desenvolvidos na APAC na grande maioria serão ocupados por voluntários, que passarão por cursos de formação organizados pela APAC, antes de iniciar seus trabalhos, e também de aperfeiçoamento e reciclagem a cada período de tempo30.
Os recuperandos da APAC são estimulados a viver em comunidade dentro do cárcere, um ajudando o outro em suas necessidades, tendo o fito de trabalhar a valorização humana e o sendo de responsabilidade de cada um31.
É preciso ensinar o recuperando a viver em comunidade, pois é com a convivência e a solidariedade que os recuperandos vão aprender respeitar e valorizar o semelhante. Foi exatamente por não respeitar regras que a pessoa acabou condenada, por isso é imprescindível “despertá-lo para os valores de fazer e manter amizades, sobretudo para a necessidade de um ajudar o outro a estabelecer um relacionamento saudável”32.
Utilizar técnicas de atividades em grupo de forma direta e indireta, por meio dos “representantes de cela” e do “Conselho de Sinceridade e Solidariedade” (CSS), para estimular atividades de aproximação afetiva entre os apenados33.
A representação de cela tem por finalidade manter a disciplina e a harmonia dos recuperandos, sendo cada representante eleito diretamente pelos recuperandos da cela, vedada a reeleição, desenvolvendo a função de servir de interlocutor junto ao CSS”34.
O Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS) é um órgão auxiliar da administração da APAC, composto somente de recuperandos. A escolha do presidente é feita livremente pela diretoria, seu mandato é por tempo indeterminado, tendo autonomia para escolher os demais membros de acordo com a população prisional35.
Embora o CSS não possua poder de decisão, colabora em todas as atividades do presídio, tais como: segurança, melhora da disciplina, distribuição de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações, soluções práticas, simples e econômicas dos problemas, anseios dos recuperandos e fiscalização do trabalho para a remição de pena36.
A metodologia do trabalho da CSS consiste em reuniões semanais, com todos os recuperandos, onde se discute as dificuldades sentidas no ambiente prisional, buscando soluções e reivindicações com medidas que possam ajudá-los em seus problemas de forma a tornar o cumprimento da pena harmonioso e saudável, sendo que estas reuniões não contam com a presença dos membros da APAC37.
Parte da sociedade possui erroneamente o pensamento de que unicamente o trabalho irá recuperar o individuo, entretanto, este faz parte do contexto e da proposta, pois somente ele não é suficiente para recuperar o preso38.
O recuperando durante o período que permanece na instituição, começa a aprender que tem valores e principalmente, que da mesma forma que ele pode se recuperar, ele também pode ajudar outras pessoas, com o mesmo trabalho voluntário que o fez voltar a cumprir o seu papel de cidadão, formando-se um ciclo benéfico de mútua ajuda39.
O Método APAC faz uma diferenciação quanto à finalidade do trabalho em cada regime.
No regime fechado, o Método recomenda o trabalho de laborterapia, artesanatos, mas com uma visão ampla levando em conta a comercialização destes. Neste regime, o trabalho de laborterapia é um trabalho curativo, “de emenda do recuperando”, e deve sempre proporcionar ao recuperando exercitar a criatividade e a reflexão, fazendo a descoberta dos próprios valores 40.
Tendo uma interpretação extensiva, não limitando-se apenas às atividades que todos estão habituados a ver nos presídios, é necessário abrir todas as oportunidades para o desempenho das atividades artesanais, como: tapeçaria, pintura de quadros a óleo, de azulejos e de faixas, grafite, técnicas em cerâmicas, confecção de redes, de toalhas de mesa e cortinas, trabalhos em madeiras, argila, silk-screen, papel artesanal entre outros trabalhos que permitam aos recuperandos liberar a criatividade e refletir sobre o que está fazendo41 .
Ainda, se houver a possibilidade oferecer atividades diferentes da laborterapia, como por exemplo: cabeleireiro, auxiliar de enfermagem, garçom, músico, monitor de alfabetização, e também alguns cursos como violinista, eletricista, encanador, pois esta mão de obra poderá ser utilizada dentro do próprio estabelecimento prisional42.
Um fator de grande importância a ser observado neste período é que se deve evitar o trabalho maçante, padronizado, industrializado. Procurando não terceirizar serviços, ou transformar o estabelecimento penal em pequena indústria, pois esta tarefa é implantada ao regime semiaberto, quando o recuperando já passou por este processo reciclando seus valores, melhorou a autoimagem e está consciente de seu papel na sociedade43.
No regime semiaberto, o Método APAC fornece ao recuperando a oportunidade de aprender uma profissão definitiva. Todo o material produzido pelo recuperando lhe trará um retorno financeiro, uma vez que os produtos são comercializados. No rol de entrada da APAC, o visitante encontra uma galeria de objetos artesanais, confeccionados pelos recuperandos, que estão expostos à venda. Parte do lucro das vendas fica para a instituição e outra parte para o recuperando44.
A preparação do recuperando no regime semiaberto deve ser rigorosa, não somente para favorecê-lo, mas também para não frustrar sua família e proteger a sociedade quando avançar para o regime aberto; nesta fase, propõe-se que o recuperando tenha uma profissão definida, apresente uma promessa de emprego compatível com sua especialidade, e que ainda tenha revelado no regime semiaberto méritos e plenas condições para voltar ao convívio social45.
Já no regime aberto, por meio da prática do trabalho externo exercendo sua profissão, o recuperando passará a ter mais contato com sua família e com a comunidade46.
Como já abordado anteriormente, é equivoco julgar suficiente o labor para preparar o recuperando, como também, julgar que a religião e a espiritualidade sejam suficientes para seu retorno à sociedade. Por assim dizer, é possível encontrar em praticamente todos os estabelecimentos prisionais, grupos religiosos de diferentes credos, entretanto, estes não contribuem para a diminuição do índice de reincidência47.
No Método APAC, a religião é essencial e deve ser espontânea por parte do recuperando para que seja eficaz e permanente, pois, para o recuperando a experiência com Deus é fundamental para sua recuperação, porém deve ser sempre pautada pela ética, e dentro de um conjunto de propostas que com essa mudança dos próprios valores leve o recuperando a concluir que Deus é o grande companheiro, o amigo que não falha48.
Faz-se necessário que o recuperando restabeleça a confiança no próximo, com o uso de palavras e também gestos de misericórdia por parte dos voluntários49.
O Método, expressa a valorosa necessidade de o recuperando ter uma religião, crer em Deus, amar e ser amado, independente da sua crença50.
Indo de encontro com o descrito no artigo 24 da Lei de Execucoes Penais, em que prevê a liberdade de culto, permitindo a participação de todos os presos, bem como em seu § 2º do mesmo artigo, a impossibilidade de obrigar-se o sentenciado a participar de atividades religiosas, com base na própria liberdade religiosa prevista na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI 51.