3. Razão da previsão da incidência do ITBI sobre as promessas de compra e venda: princípio da isonomia.
Conforme amplamente explanado alhures, depreende-se, da leitura dos textos legais, que a realização da promessa de compra e venda, registrada ou não em cartório, configura cessão de direitos à aquisição de bens imóveis, atraindo a incidência do ITBI sobre tais contratos.
Essa situação foi pensada exatamente tendo por escopo a realização do princípio da igualdade entre os contribuintes.
Com efeito, muitos contribuintes com o objetivo de furtarem-se à incidência do tributo, optam por realizar outras formas de negócio jurídico, diversas da compra e venda tradicional, com o registro do título e a transferência da propriedade.
Esse fato representa um verdadeiro injusto tributário uma vez que tais contribuintes jamais realizam a escritura definitiva, não podendo ser considerados proprietários do imóvel, porém detendo todos os amplos e irrestritos direitos que advêm do exercício do direito de propriedade, atuando como verdadeiros proprietários, sem, entretanto, nunca levarem a registro o seu título aquisitivo.
Ademais, ao realizarem a transferência do bem imóvel, o que equivaleria à outra compra e venda propriamente dita, esses contribuintes apenas procedem a uma cessão de promessa de compra e venda, por escritura pública ou particular, correspondendo, assim, a uma nova transmissão do bem, porém novamente sem levar a efeito o registro no cartório de imóveis, numa verdadeira tentativa de furtar-se à incidência de ITBI.
Foi exatamente para esses casos que foi pensado o teor da norma sobre cessão de direitos à aquisição dos bens imóveis. Para que tais situações restassem contempladas e não permanecessem como uma brecha nefasta, ferindo a isonomia entre os contribuintes, princípio tão caro à democracia.
O que o legislador constituinte pretende é tributar a manifestação de riqueza configurada na aquisição de uma propriedade ou mesmo nos direitos relativos a tais bens imóveis.
Observe que um particular que realiza uma promessa de compra e venda irretratável sobre um bem imóvel, em nada difere da situação fática de um particular que realiza a compra e venda propriamente dita e registrada. Ambos exercem os amplos e irrestritos direitos advindos da propriedade de usar, gozar, dispor do bem e reavê-lo de quem o detenha ilegitimamente.
Ora, os particulares que manifestam a expressão de riqueza, decorrente de aumento patrimonial, seja por intermédio da escritura de compra e venda devidamente registrada, seja por intermédio de uma promessa de compra e venda, ou de qualquer outra cessão de direitos que lhes confiram os mesmos amplos poderes do direito real de propriedade e de outros correlatos, tais particulares devem ser tratados de forma igualitária.
É preciso, na aplicação do direito, observar dois princípios pilares do Sistema Tributário Nacional, quais sejam, o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva, segundo os quais as manifestações de riquezas devem ser igualmente tributadas, a evitar um injusto tributário.
"A isonomia possui, portanto, uma acepção horizontal e uma vertical.
A acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas (daí a nomenclatura), na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma[4]". (Grifo do autor)
Foi exatamente com o objetivo de sanar essa celeuma e atribuir isonomia que o legislador constituinte elegeu outras hipóteses de incidência para além da transmissão de propriedade. Deve-se convir que situações tão intimamente análogas sejam tratadas de forma isonômica pelo legislador e pelo aplicador do direito.
Isso para evitar a clássica situação daqueles que, com o objetivo de furtarem-se à incidência de ITBI, não consolidam o direito real de propriedade em seu nome (não levando a registro o título de propriedade, ou, ainda, permanecendo com promessa de compra e venda), e o transferem a um terceiro, numa verdadeira cessão de direitos à aquisição do imóvel.
É verdade que não pesa sobre o contribuinte a obrigação de consolidar a propriedade em seu nome, com a emissão da escritura definitiva. Essa, de fato, é uma situação que se encontra no bojo da liberdade dos negócios jurídicos privados. Entretanto, o direito não pode ignorar os fatos e a manifestação de riqueza que é, em tudo, análoga àquele que realiza uma escritura definitiva de compra e venda consolidando a propriedade em seu nome. E foi, precisamente, para esses casos em que se previu a incidência de ITBI sobre a transferência de outros direitos reais sobre imóveis, bem como sobre as cessões a sua aquisição.
Vale ressaltar, para que não pairem dúvidas sobre a razoabilidade e justiça dessa tributação, que, nos casos em que o particular realiza uma promessa de compra e venda e, posteriormente, consolida a propriedade em seu nome com o registro da escritura definitiva, em tese, NÃO estaria obrigado a realizar dois pagamentos de ITBI sobre o mesmo fato, pois do contrário haveria um patente caso de bitributação.
Nos casos em que ocorre a consolidação da propriedade com a outorga da escritura definitiva de compra e venda após a quitação da promessa, percebe-se que ocorreu apenas uma única manifestação de riqueza, uma verdadeira conclusão do negocio jurídico de promessa de compra e venda anterior já tributada pelo ITBI.
Com efeito, havendo o pagamento de ITBI na promessa de compra e venda, não seria necessária, assim, a realização de uma nova cobrança de ITBI nos casos de outorga de escritura definitiva de compra e venda entre as mesmas partes e com o mesmo objeto da promessa, uma vez que, nesse caso, trata-se apenas de desfecho do negócio jurídico anterior, não havendo uma nova manifestação de riqueza a ser tributada.
Reforço o acima exposto. É necessário que a consolidação da propriedade se dê entre as partes originárias do contrato de promessa de compra e venda. Havendo um terceiro, estranho à relação originária de promessa de compra e venda, não se trata mais de consolidação do negócio jurídico anterior, mas sim de verdadeira cessão de direitos à aquisição, nesse caso devendo incidir ITBI não apenas na promessa de compra e venda como também no registro da escritura definitiva.
Podemos observar que, em qualquer caso de transferência de domínio ou de cessão de direitos sobre transmissão de bens imóveis, deve haver a incidência do ITBI, evitando assim que haja uma tributação injusta e não isonômica, deixando de alcançar situações semelhantes, quais sejam, aquelas em que o contribuinte apresenta um acréscimo patrimonial, porém elege outros meios, para além da escritura pública e seu registro no cartório, revestindo o negócio jurídico de outras roupagens, porém que não nega a essência do negócio, qual seja, a transmissão de direitos reais sobre o imóvel, a expressão de riqueza, autorizando o ente a tributar também nesses casos.
Essa autorização decorre de expressa previsão legal, desde a Constituição de 1947, com a emenda 18, na qual o legislador constituinte verificou a necessidade de abarcar outras situações, para além da transmissão da propriedade por meio do registro do título no cartório, e segue até os nossos dias com a previsão do art. 156, III, da CF.
Conclusão
Após acurada análise sobre o tema posto a exame, outra não pode ser a conclusão senão a da legalidade e constitucionalidade da incidência do ITBI nas promessas de compra e venda, sendo, destarte, legítimo o ato da autoridade em lançar e cobrar o imposto devido.
Com efeito, a norma constitucional originária erigiu como fato gerador do ITBI outras hipóteses de incidência, para além da transmissão da propriedade com o registro no Cartório Imobiliário.
A própria evolução histórica das modificações legislativas aponta para esse entendimento. A simples leitura da norma constitucional conduz à conclusão aqui defendida.
Não pode, destarte, a jurisprudência pátria permanecer decidindo apenas com fundamento em precedentes que repetem outros precedentes, sem se debruçar coerentemente sobre a questão. É preciso analisar o tema à luz dos dispositivos legais que o regem, bem como do princípio da isonomia, que impõe o tratamento igualitário para o regime jurídico-tributário em manifestações de riquezas.
Enquanto não se pacifica o tema, processos e mais processos abarrotam, tanto o âmbito administrativo, quando o âmbito judicial, causando insegurança jurídica, algo totalmente nefasto às relações jurídico-tributárias.
Referências:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6ª edição, revista e atualizada. Editora Método, 2012.
IRIB. A promessa de compra e venda no NCC reflexos das inovações nas atividades notarial e Registral. Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Disponível em <http://www.irib.org.br/obras/a-promessa-de-compra-e-venda-no-ncc-reflexos-das-inovacoes-nas-atividades-notarial-e-registral> acesso em 04 de abril de 2018
BRASIL. Emenda Constitucional nº 18/65. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc18-65.htm> acesso em 04 de abril de 2018.
Notas
[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
[2] Na Constituição de 1946, o ITBI era tributo de competência dos Estados.
[3] A promessa de compra e venda no NCC reflexos das inovações nas atividades notarial e Registral. Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Disponível em http://www.irib.org.br/obras/a-promessa-de-compra-e-venda-no-ncc-reflexos-das-inovacoes-nas-atividades-notarial-e-registral
[4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6ª edição, revista e atualizada. Editora Método, 2012. p. 89.