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A súmula vinculante do Supremo e o Direito Penal

29/03/2005 às 00:00
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Daqui a pouco as Súmulas do Supremo terão força de lei. Uma vez vi uma palestra de Celso Antonio Bandeira de Mello em que ele dizia ter dúvidas de o Supremo ser melhor que a primeira instância do Judiciário, haja vista que os Juízes passam por rigorosa seleção, ao passo que os Ministros da Corte Excelsa possuem reputação ilibada e notável conhecimento jurídico, mas apenas se sujeitam a uma sabatina do Senado.

De fato, um médico já foi nomeado Ministro do STF, mas o Senado o rejeitou.Com todo respeito aos médicos, para ser Juiz tem que ser bacharel em Direito. No STF precisa reputação ilibada, notável conhecimento jurídico e ser benquisto do poder, certamente.Pensando nisso foi que já se falou em concurso para o STF, pois às vezes o chefe do executivo pode assumir maioria nos Três Poderes, o que, em tese, comprometeria a independência entre eles. Claro que os Ministros do Supremo reconhecidamente são orgulho para a comunidade jurídica brasileira.

No entanto, antes ainda de a Reforma do Judiciário entrar em vigor, Miguel Reale afirmava que o Supremo Tribunal passará a ser a Corte de Reclamação. Será o Supremo Tribunal da Reclamação, segundo Miguel Reale. Porque todo mundo pode reclamar diretamente ao STF da decisão judicial ou ato administrativo que contraria a Súmula aplicável ou que a indevidamente aplicar. Pensando assim, um ato administrativo do prefeito de Cachoeirinhas pode chegar ao Pretório Excelso. A Súmula esvaziará o Supremo?

Advogado militante na esfera penal, preocupo-me com o ir e vir das pessoas. Por exemplo, atualmente, entende-se que da decisão denegatória da liminar em habeas corpus pelo Relator no STJ não cabe ao STF originariamente conhecer da ordem.E se o Ministro do STJ interpretou a lei de forma diversa de seu colega do Supremo? Vamos de Agravo Regimental? Regimental em habeas corpus é o cumulo. O habeas protege a liberdade. Esse negócio de civililzá-lo me parece terrível. Não se pode colocar o Direito mais importante, depois da vida, dentro de regras civilísticas e processualistas chatas. Não se deve privar a liberdade dentro de regras formais como se fora uma mera duplicata sem aceite.

Em alemão ou inglês, em russo ou chinês, o que importa é o direito de ir e vir. Isso existe faz muito tempo e eu nem sou estudioso o bastante para dizer que o Direito de ir e vir é Direito Natural, anterior mesmo da Magna Carta do João Sem Terra. Muito provavelmente desde que o Homem aprendeu a andar e a se defender fisicamente do mais forte.

Muito bem. Agora que a Súmula do STF passará a ter status de lei, isso vai complicar os pedidos de liberdade provisória e de relaxamento de flagrante. Em tese o Supremo pode Sumular sobre tudo, afinal de contas a Corte Maior só aprecia matéria constitucional e a Súmula será " após reiteradas decisões sobre material constitucional". Imagine-se que o Supremo, em uma interpretação literal da Magna Carta, afirme que não cabe liberdade provisória nos delitos hediondos. O juiz que analisa a prova dos autos tem que cumprir a Súmula, mesmo sabendo que estão ausentes os pressupostos da prisão preventiva? Deve condenar antes de julgar? Ou o Magistrado segue o entendimento do STJ, no caso, contrário ao do Supremo? Que tal se a Corte Excelsa Sumular que pode prisão civil na alienação fiduciária? Como ficam os operadores do Direito? Têm que decidir contrariamente à independência jurisdicional e à própria consciência?

Não é nosso desejo apresentar apenas problemas.Claro que o Juiz pode contrariar a Súmula. Mas, como vimos, a parte interessada, e em direito quase sempre há os dois lados da moeda, reclamará ao Supremo. Note-se que a aprovação, cancelamento ou revisão da Súmula pode ser provocada pelos que podem propor ação direta de inconstitucionalidade. Acredito que nesse caso, também o Supremo se entupirá desses pedidos.

Algo parecido ocorre com os acórdãos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais que vão direto para o STF, pulando os Tribunais de Justiça e o próprio STJ, mesmo contrariando a lei federal. Observe-se, porém, que partir da Emenda Constitucional 45, o recurso extraordinário tem como condição de admissibilidade "a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso". É a volta da argüição de relevância. Isso dificulta o acesso amplo à jurisdição, ao meu ver, tanto quanto a não aplicação de uma lei federal pelas turmas recursais dos Juizados.Acho que providências como argüição de relevância permitirão o renascimento com força, eficácia e vigor do mandamus.

Portanto, como resolveremos de maneira célere as hipóteses em que as Cortes conflituam? A partir de agora o Ministro do STJ não pode mais "pensar com a própria cabeça"? O STJ reiteradas vezes negou a ordem para o crime tributário em que o procedimento administrativo de cobrança pelo fisco ainda não findara, entendendo o referido delito como crime formal. Caso o paciente do habeas estivesse preso, ingressaria com agravo regimental e perderia, e perderia também a ordem, ao final. Muito bem. Recentemente,o Supremo anunciou que o crime em exemplo é material e que só ocorre após o fim da cobrança e defesa na esfera administrativa, de acordo com o brilhante argumento do Ministro Sepúlveda Pertence, para quem como o crime não se consumou não corre o prazo prescricional (art 111, I do CP). Era essa a preocupação do STJ, pois o procedimento administrativo poderia durar mais tempo que o previsto na lei penal para o crime prescrever.

No nosso exemplo do ilícito tributário, segundo a Súmula que será vinculante, o STF não é competente para conhecer do habeas corpus contra a decisão denegatória da liminar pelo STJ, e desse modo, o STF não aprecia o chamado daquele que chegou a suas beiradas e que no Judiciário só em suas beiradas poderia chegar. Caso o paciente esteja preso ilegalmente, o que se diz apenas para argumentar, tem que esperar a decisão de mérito do STJ e enquanto isso somente pode recorrer para Deus, mesmo sabendo que Deus não tem as chaves da cadeia em que ele, suplicante, está.

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Por isso, penso que não pode haver Súmula vinculante para habeas corpus, e para não ir mais longe, não pode existir Súmula vinculante em Direito Penal, e mesmo em prisão civil, ainda que atreladas à matéria constitucional. A vinculação para as instâncias inferiores deve restringir-se para disciplinas estranhas ao jus puniendi.

Depois da vida, é a liberdade o que mais a pessoa humana preza. O Direito Penal, com seu sistema repressivo, deve partir unicamente do legislador. Se a liberdade for sumulada, entramos em um estado de sitio, ou exceção, talvez em Guantamano. Um igual não pode cercear a liberdade doutro, mesmo debaixo da toga, como se cada liberdade fosse uma simples conta de somar, ou sumular.

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Sobre o autor
Hélder B. Paulo de Oliveira

advogado em Campinas (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Hélder B. Paulo. A súmula vinculante do Supremo e o Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 629, 29 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6526. Acesso em: 18 nov. 2024.

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