Conforme amplamente sedimentado, o contrato de trabalho pode ser realizado de forma expressa ou tácita. Sabemos também que, ainda que inexistente qualquer tratativa entre as partes, havendo qualquer atividade prestada à outra pessoa (ou empresa), de forma pessoal, habitual, onerosa e subordinada, estaremos, na verdade, falando de um vínculo empregatício, in factu, consumado.
Sabemos também o que significa cada um destes elementos, mas neste artigo, em especial, falaremos um pouco a respeito da subordinação, elemento este destacado como principal sujeito para fim de definir se determinado caso, trata-se (ou não), de uma relação de emprego ou apenas de uma prestação de serviços (que não tem relação empregatícia).
É inclusive, através deste único e singular elemento que inúmeros processos são ganhos e perdidos diariamente em nosso país e no mundo,podendo, dependendo do caso, comprometer severamente as atividades de uma empresa.
AFINAL O QUE É SUBORDINAÇÃO?
Subordinação “é o estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou valores[1]”, ou traduzindo em linhas gerais, a sujeição de alguém ao poder de mando de outrem.
Numa relação de trabalho e emprego, a subordinação, diferente do que muitos pensam, está estritamente vinculada ao modo e forma que se efetiva uma prestação de serviços e não sobre a própria pessoa do prestador.
Nota: Como motorista de um veículo, você não realiza o ato de percorrer as vias,pois, quem o faz é o próprio veículo. Porém, como motorista, você o conduz de modo que ele próprio percorrerá o caminho do modo que melhor lhe aprouver, podendo conduzi-lo pelos caminhos que desejar, evitando os buracos das vias se assim desejar, pedágios, pode ainda acelerar e frear, mas a todo o momento, quem estará percorrendo o caminho por você será o veículo.
Contextualizando a nota acima, o tomador diz ao prestador o que deve ser feito, mas não há como ele ser o próprio prestador a fim de levar a cabo as atividades do seu jeito particular.
Perceba, assim, que a subordinação de toda e qualquer pessoa, seja na esfera laboral, ou mesmo num simples contrato de prestação de serviços, encontra, de certo modo, uma espécie de limitação.
Nota: Subordinação não é, ao contrário do que muitos pesam, total e ilimitada, mas sim, restrita e totalmente limitada.
QUAIS AS PARTICULARIDADES DA SUBORDINAÇÃO?
Ao contrário do que muitos imaginam, a subordinação não é simplesmente o fato do “mandar e obedecer”. Pelo contrário, muitas vezes o fato de obedecer, ou como no caso acima, de “seguir determinado caminho”, não necessariamente decorre de uma ordem expressa (ou movimento do condutor), pois a própria razão, leia-se, o próprio existir, já diz ao prestador (ou aquele que leva a cabo as tarefas) o que precisa ser realizado.
Nota: No caso do veículo do exemplo anterior, não poderia o motorista, por exemplo, exigir que ele voasse. Pois, logicamente, ele foi feito para andar na terra. Acaso a máquina tivesse consciência própria, ela própria, diante de suas limitações e condições estruturais, saberia que ela não foi feita pra isso. Ela tem rodas e não, asas.
Ex: Ninguém precisa mandar você não xingar, atropelar, ferir ou matar algum transeunte para você saber que isto não é correto. Isto é, de certo modo, uma ordem indireta, emanada por força do bom costume. É uma ordem ética e moral.
Sintetizando, no cotidiano empresarial, não precisa, necessariamente, existir uma ordem direta exarada por um indivíduo (pessoa física ou jurídica), dirigida ao prestador, para que ele saiba o que precisa ser feito. Se você, por exemplo, metalúrgico, contrata um soldador para realizar quaisquer tipos de "serviços não especificados" em sua indústria metalúrgica, e o coloca para trabalhar em um local onde nele existam uma máquina de solda, cilindro e duas partes metálicas, onde uma se encaixa na outra de forma singular, você não precisa dizer a ele que ele precisa “soldar” as partes de outro jeito. Ele próprio, diante de sua experiencia como soldador, presumirá como deverá proceder.
QUE TIPOS DE SUBORDINAÇÃO EXISTEM, AFINAL?
Já se sabe que a subordinação não precisa, necessariamente, ser aquela diretamente emanada de alguém e dirigida à outra pessoa, especificando o quê, ou até mesmo, como algo deve ser feito.
Para fins de discussão de direitos trabalhistas, o que os empregadores e demais operadores do direito precisam saber é que existem, na verdade, 3 (três) tipos de subordinação distintas e amplamente vistas no cotidiano, mas pouco conhecidas e/ou abordadas. São elas:
· SUBORDINAÇÃO TRADICIONAL OU CLÁSSICA: Em análise sumária, é a subordinação popularmante conhecida e facilmente traduzida no ato do “Eu mando, você obedece”. É manifesta, na prática, por ordens diretas emanadas por um indivíduo (mandante e/ou tomador), dirigidas a outro indivíduo que as obedece (subordinado e/ou prestador). É a espécie de subordinação mais conhecida, sem dúvidas.
· SUBORDINAÇÃO OBJETIVA: É o tipo de subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador dos serviços. Existe, neste caso, um poder jurídico (ou de qualquer outra natureza que não a ordem direta) sobre a atividade exercida, e esta atividade acaba, por fim, se integrando na atividade do tomador.
É uma espécie de “relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próximo ou remoto de seus movimentos...”[2]
Parece um pouco complicado de entender num primeiro momento, mas a notícia abaixo, de um processo que transitou pelas veredas de nosso judiciário será bastante para demonstrar como a subordinação objetiva se verifica na prática:
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento a recurso de revista de uma médica veterinária e reconheceu sua relação de emprego com a Clínica Irmãos Agrela Ltda., de São Paulo. A Turma entendeu que, apesar de a médica ter autonomia para definir seu próprio horário de trabalho, havia, no caso, subordinação objetiva e estrutural ao tomador de serviço. "A flexibilidade de horário, em trabalho diário de segunda a sábado, não traduz autonomia e ausência de subordinação", afirmou o relator do recurso, ministro Maurício Godinho Delgado. (...) Na inicial da reclamação, a médica pediu o reconhecimento de vínculo entre dezembro de 2001 e agosto de 2006, quando, durante sua licença-maternidade, foi comunicada pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) que não seria, a partir daquele momento, a responsável técnica pela empresa. Na defesa, a clínica sustentou que a relação jurídica mantida com a veterinária estaria amparada pelo Código Civil, e não pela legislação trabalhista, pois estaria comprovada a autonomia e a ausência de subordinação, condição necessária para o reconhecimento do vínculo, conforme o artigo 3º da CLT. "Uma médica veterinária que trabalhe diariamente, por quase cinco anos, de segunda-feira a sábado, pessoalmente, com onerosidade, para uma clínica veterinária está objetivamente, além de estruturalmente, subordinada a essa mesma clínica", afirmou o relator. "O fato de possuir certa liberdade de horário não afasta, de modo algum, a subordinação objetiva e estrutural. De maneira geral, os trabalhadores intelectuais não têm controle férreo e rigoroso de horários, sem que, com isso, deixem de ser subordinados". Para o relator, o Direito do Trabalho, como ramo jurídico de inclusão social e econômica, "não absorve fórmulas criativas ou toscas de precarização, como a parassubordinação e a informalidade". A decisão foi unânime. [3]
Veja que no caso acima, a médica veterinária não recebia ordens diretas e tinha total liberdade para a execução de suas atividades. Porém, ao estar inserida dentro de uma dinâmica empresarial de uma Clínica Veterinária, obviamente, não poderíamos esperar que ela, no auge de sua consciência e experiencia, prestasse serviços de qualquer outra natureza, que não o atendimento clínico dos animais dos clientes desta clínica.
· SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL: A subordinação estrutural, por fim, é aquela que se traduz, segundo o Min. Godinho Delgado, na “inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.”
Ou seja, o tomador concede ao prestador toda uma infraestrutura para que este realize suas atividades, sem necessariamente, direcioná-lo no modo e forma como pretende que este realize tais atividades. Como no caso do soldador, retro mencionado, de acordo com a estrutura a qual a pessoa esteja inserida, por seu próprio bom senso, ela já é capaz de conduzir suas ações, sem que existam ordens expressas para que ela as realize.
RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. In casu , firmou-se um acordo de vontade entre as partes no sentido de que a reclamante exerceria a função de manicure e pedicure. Por outro lado, a empresa concederia a ambiência, com toda a sua infraestrutura, para a execução das tarefas. Ademais, a reclamada estabelecia a organização dos horários e dos atendimentos dos clientes. Na realidade, a reclamante estava submetida ao poder diretivo da empregadora, o qual abarca a estrutura organizacional interna da empresa (subordinação estrutural ou integrativa), que se traduz pela inclusão do empregado na dinâmica e nos fins empresariais, bem como pela especificação do serviço prestado. Nesse sentido, as circunstâncias detectadas pelas instâncias de origem como aspectos que desautorizariam o vínculo de emprego indicam, a bem da verdade, uma opção pelo não exercício concreto de distintas prerrogativas inerentes ao poder diretivo do empregador, tendo optado a reclamada por uma forma menos ostensiva de imposição de comandos, conferindo maior fluidez e controle apenas indireto, o que não descaracteriza o vínculo trabalhista existente.Efetivamente, a possibilidade de alteração do horário de trabalho da autora, em seu interesse exclusivo, a ausência de punições por faltas e a eventual realização de atendimentos em domicílio não demonstram a ausência de subordinação jurídica, apenas delineiam os mecanismos da técnica organizacional adotada pela reclamada. Há, porém, a demonstração da existência de controle e de pessoalidade nos serviços. Diante do exposto, não há dúvida da presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, da forma exigida pelos artigos 2º e 3º da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 15191620105150002 1519-16.2010.5.15.0002, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 29/05/2013, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2013)
COMO SABER QUAIS AS ATIVIDADES QUE PODEM SER TERCEIRIZADAS?
A terceirização é um fenômeno criado e oriundo do efeito da industrialização, que teve seu ápice na década de 1950. Na ocasião as empresas queriam focar seu trabalho e garantir uma expertise técnica maior, oferecendo produtos e serviços de melhor qualidade aos clientes, deixando assim, que as atividades acessórias das empresas fossem realizadas por outras empresas também especializadas neste tipo de serviço.
Assim, historicamente, verifica-se que a terceirização decorre a priori de uma necessidade industrial e não de uma estratégia jurídica. Em uma análise atual, a terceirização, por se tratar de exceção à regra, só deve ser realizada pelas empresas em decorrência de uma necessidade imperiosa, e não de uma opção estratégica para esquivar-se de direitos trabalhistas.
Desta forma, mesmo após a reforma trabalhista, que popularmente fora noticiada a chave para a terceirização ampla e irrestrita, os empregadores precisam saber que, na prática isto não se verifica, pois uma vez limitada a atuação do prestador aos interesses e dinâmica empresarial, estará ele, na verdade, exercendo atividades subordinadas ao tomador, podendo, tal fato, configurar no vínculo empregatício.
[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho – 15ª Edição, 2017.
[2] VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de Emprego – estrutura legal e supostos, São Paulo: Saraiva, 1975. P. 235.
[3] Fonte: http://www.tst.jus.br/en/noticias/-/journal_content/56/10157/359205?refererPlid=10730 – Tribunal Superior do Trabalho – TST - Processo: RR-528100-67.2006.5.02.0081 - (Samira Silva/GAB e Carmem Feijó/SECOM)