Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová: Intervenção médica para evitar morte e a ponderação de princípios fundamentais

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Questiona-se sobre a realização do procedimento de transfusão de sangue pelo médico sem autorização do paciente ou de seu representante por motivos religiosos, em casos de risco, ponderando os princípios em colisão, salvaguardando o direito à vida.

1. INTRODUÇÃO

A denominação cristã Testemunha de Jeová, reúne simpatizantes em vários países, sendo que os membros da referida crença não admitem que seus adeptos se submetam a transfusão de sangue, mesmo nos casos de risco de vida, causando polêmica na medicina, no judiciário, como também, no ordenamento jurídico. Desse modo, questiona-se sobre a realização do procedimento de transfusão de sangue pelo médico sem autorização do paciente ou de seu representante por motivos religiosos, em casos de risco, ponderando os princípios em colisão, salvaguardando o direito à vida.

2. OBJETIVO

Explanar quanto à transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová e a possibilidade da intervenção médica sem autorização do paciente ou representantes deste.

3. DESENVOLVIMENTO:

A liberdade de crença é declarada como um Direito Fundamental expresso no art. 5º, VI, CF/1988, visto que a República Federativa do Brasil é um Estado Laico, não se opondo a qualquer forma de religião. Nesse sentido, a polêmica causada pela recusa da realização de Hemoterapia pelos adeptos da religião de Testemunhas de Jeová, é justificada juridicamente por seus aderentes pela liberdade dos indivíduos, protegida no art. 5º da CF/1988.

De igual modo, o Código Penal criminaliza a conduta do sujeito que obriga outra pessoa a fazer algo que a lei não determina, caracterizando crime de Constrangimento Ilegal, tipificado no art. 146 do mesmo diploma.

O mesmo tipo penal acima citado, prevê no §3º, uma causa de exclusão de tipicidade para que o médico realize os procedimentos no paciente sem autorização, em casos de risco de morte. Segundo Nucci (2017, p. 500) “Já que a vida é bem indisponível, a lei fornece autorização para que o médico promova a operação ainda que a contragosto. Não se trata de constrangimento ilegal, tendo em vista a ausência de tipicidade”.

Além disso, o art. 31 do Código de Ética Médica (2009) estabelece que em casos de iminente risco de morte, o médico deve desrespeitar a vontade do paciente ou de seu representante legal e decidir o procedimento necessário a ser adotado. No mesmo sentido, entende Masson (2015, p. 255) que “pouco importa o motivo que leva o paciente em iminente perigo de vida, a discordar da intervenção. Ainda que de cunho religioso (...) pode agir o profissional da medicina contra a vontade do paciente, a fim de salvar sua vida”. Destarte, verifica-se uma colisão de direitos fundamentais, ou seja, entre a liberdade religiosa e o direito à vida do indivíduo.

Para resolver essa colisão de princípios fundamentais, far-se-á necessária a ponderação destes, utilizando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não sendo possível a harmonização, um deverá prevalecer. Diante disso, a liberdade religiosa não pode ser vista como absoluta, pois o direito à vida não pode ser superado, visto que afronta a Constituição.

Ademais, “importa considerar que atitudes de repúdio ao direito à própria vida vão de encontro à ordem constitucional. Como exemplos da legislação que não admite a prática de eutanásia e reprime o induzimento ou auxílio ao suicídio” (LENZA, 2015, p. 1177). Ainda, a vida é um bem jurídico indisponível, o que justifica a causa de exclusão de constrangimento ilegal do art. 146 §3º, do CP para o médico evitar a morte do paciente. Assim, “essa previsão afasta, definitivamente, a controvérsia acerca do direito de pôr fim à própria vida, que é um bem jurídico indisponível, e essa indisponibilidade justifica a intervenção do Estado” (BITENCOURT, 2012, p. 1005).

Por fim, há pesquisas sendo realizadas em busca de tratamentos alternativos, porém, o acesso ainda não é fácil, não solucionando a questão de imediato.

4. CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que é possível a aplicação do art. 146, §3º, do CP, para eximir o médico de responsabilidade criminal. Caso ele se depare com a situação de realizar transfusão de sangue em adepto da religião Testemunha de Jeová para salvar sua vida, o médico deve seguir com o procedimento. Assim, o médico deve optar em salvar a vida do paciente, que é um bem jurídico indisponível, já que o profissional pode ser responsabilizado administrativamente de acordo com o Código de Ética Médica, como também, criminalmente, caso não realize os procedimentos para evitar a morte do paciente.


5. REFERÊNCIAS:

BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3.

BRASIL. Código Penal e Constituição Federal. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.931 de 17 de setembro de 2009. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2009.

LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MASSON, C. Direito Penal esquematizado: Parte Especial. São Paulo: Método, 2016, v. 2.

NUCCI, G. de S. Código Penal Comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Hugo Henrique Ferreira Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense, (2015-2019); Pós-graduando em Direito e Processo Previdenciário pela Faculdade IBMEC SP (Conclusão em 2021); Foi pesquisador no Programa de Iniciação Científica da Universidade Paranaense (2018-2019); Aprovado no XXVIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO (OAB). OAB/PR sob o nº 102.867.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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