4. Qual a conduta indicada para a psicopatia?
É sabido que a investigação criminal evoluiu no sentido de ir além do que está presente na cena do crime, partindo para análises dos aspectos que a mesma costumeiramente apresenta para uma visão multidisciplinar, o que, não significa ser fácil perquirir acerca da condição psicológica do criminoso.
Geraldo Ballone afirma que “a Psiquiatria não dispõe de alguma conduta indicada ou eficaz para a sociopatia, da mesma forma que a oftalmologia não tem uma conduta para a cegueira congênita”.
A conceituação dos crimes hediondos fez emergir a noção de quão vastas são as características humanas. Existem pessoas que ignoram o significado de princípios e sentimentos, embora os entendem como maneira de ser “aceito” na sociedade, mas não veem neles razão para respeito.
Explica Geraldo Ballone que:
Falta à personalidade sociopática ou psicopática uma estrutura de caráter necessária aos sentimentos sublimes e humanos. Por causa dessa deficiência, é impossível ao sociopata atitudes de arrependimentos e, pelo mesmo motivo, ele é eternamente reincidente, não muda sua maneira de ser pela experiência, correção ou punição.
Nesta perspectiva tende a esclarecer o problema Mateus Milhomem citando Renato Sabbatini:
Sobre o tema, o Neurocientista Renato Sabbatini (2008) ensina que o conceito de psicopatia relaciona-se com um indivíduo que possui uma doença antissocial ininterrupta, estando sempre em conflito, pois não aprende nem com a experiência, nem com a punição.
Um tipo de psicopata que preocupa e é bastante pertinente à luz da imputabilidade são os ditos serial Killers (assassino em série), considerados na escala da PLC34 como psicopatas de nível grave.
Para a criminologia, estes se dividem em duas categorias; os paranoicos e os psicopatas.
Nestor Sampaio Penteado Filho, explica que:
[...] assassinos em série se distinguem em dois tipos: os paranoicos e os psicopatas. O primeiro, em consequência de seus delírios paranoides [...] não costuma ter juízo crítico de seus atos. Já o tipo psicopata é muito mais perigoso, devido à capacidade de fingir emoções (dissimulação) e de se apresentar extremamente sedutor, consegue sempre enganar suas vítimas.
Portanto, mesmo os denominados assassinos em série ou serial killers têm plena noção dos seus atos, e assassinar é atividade para ter prazer, ou na maior parte dos casos, uma demonstração doentia de traumas vividos no passado no qual outros tendem a sofrer as mesmas dores.
Assim, diante das características intrínsecas aos psicopatas, “serial killers”, oportuno seria um tratamento penal de caráter indefinido, não entrando na perspectiva acerca da dosimetria das sanções (que em tese, em muitos casos, ultrapassa o limite estabelecido dos trinta anos, mas que se restringe a este numeral), mas a sua tipificação como uma exceção a ser melhor acompanhada pela justiça.
Entretanto, a problemática em torno de um tratamento oportuno e ideal aos psicopatas se depara com os limites e imposições da própria Constituição Federal do Brasil de 1988, que traz em seu bojo normas integrantes dos direitos e deveres individuais e coletivos, não passíveis de alteração, sendo invioláveis e indisponíveis, a exemplo do artigo 5°, inciso XLVII, que deixa claro que “não haverá penas: (...) b) de caráter perpétuo”.
Ao viajar para um seminário sobre direitos humanos no Canadá, o juiz de direito Mateus Milhomem ressaltou como se é dado o tratamento sobre os sociopatas no Brasil, e relata a resposta que recebeu:
[...] no Canadá, levantamos a questão dos sociopatas no Brasil (indivíduos que não se enquadram como doentes mentais), para os quais o cumprimento de pena é apenas um período em que ficam impossibilitados de prejudicar outras pessoas. A resposta das autoridades canadenses a esta indagação foi no sentido de mantê-los afastados da sociedade por toda a vida, porém com dignidade.
Nas palavras, ainda, de Mateus Milhomem:
Países desenvolvidos já contemplam em seu ordenamento jurídico a “prisão perpétua com dignidade”. O Brasil está tão atrasado na questão que não fornece uma vida digna sequer aos presos comuns. Esse é o preço que a sociedade paga pelas más escolhas políticas feitas por seus integrantes.
Impera-nos, nesse momento indagar sobre a seguinte questão: O que se fazer com tais indivíduos?
5. A realidade dos portadores de psicopatia no sistema prisional de Pernambuco
Pernambuco apresenta um dos maiores contingentes de homens cumprindo pena no país, vivenciando um momento de superlotações de suas penitenciárias, em matéria veiculada pelo portal de notícias “G1” (2015): “Pernambuco vive com maior superlotação do país”38. E, desta forma, não está isento de ter em sua custódia, possíveis psicopatas.
As estatísticas apresentadas por Mateus Milhomem citando Metynoski39 assevera que: “esse transtorno sombrio da mente acomete entre 1% a 4% da população mundial” e, acrescenta, “entre os brasileiros esse número salta para 5% e, quando se fala em criminosos reclusos, sobe para quase 20% da população carcerária”.
Um caso que teve repercussão em Pernambuco foi o dos “Canibais de Garanhuns”, refletindo além das fronteiras do próprio Estado, sendo parte do noticiário dos jornais do país e também do mundo.
Os réus foram acusados pelos crimes de homicídio, esquartejamento, ocultação de cadáver e prática de canibalismo, e recolhidos às penitenciárias para cumprirem inicialmente em regime fechado as penas restritivas de liberdade que lhes foram impostas.
Assim, prevaleceu o julgamento, de acordo com o Tribunal do Júri, e entendimento da juíza Maria Segunda Gomes de Lima:
PROCESSO N.º 005961-91.2012.8.17.0990 AUTORA: JUSTIÇA PÚBLICA RÉUS: JBNS, ICS e BCOS TIPIFICAÇÃO: Art. 121, §2º, Incisos II, III, IV e V, Art. 211 e Art. 212 c/c o Art. 69 todos do CPB. Com relação ao réu JBNS e a vítima JCSP: Pelo que consta do processo, o réu é tecnicamente primário, entretanto existem nos autos informações de que responde e (ou) respondeu outros processos de igual natureza, o que não lhe favorece. A culpabilidade restou evidenciada, inconteste. Demonstra o réu uma personalidade diferenciada do cidadão comum, com comportamento irregular e conduta social com reprovação, oferecendo, inclusive, perigo no convívio com a sociedade. As circunstâncias do crime foram de extrema gravidade, a considerar a determinação do réu para a prática da conduta, pois agiu de forma previamente concebida e atuou intelectualmente, pensante, selecionou a vítima, no meio de tantas que vivia em condições precárias, mas que atendia os requisitos e condições que almejava, usou de meios e manobras ardilosas para levar a vítima até a sua convivência. Tais atitudes são inaceitáveis, proporcionam rechaço, indignação e intensa repercussão social, desfavorecendo o réu na aplicação da pena. As consequências do crime foram de reprovação total, em virtude da execução da vítima, que teve sua história interrompida em plena idade produtiva e inexistem informações de que tenha contribuído para a ação do réu, exceto por haver acreditado, talvez pela sua pouca idade, nas promessas vãs que foram lançadas por aquele que a eliminou, de forma cruel, lhe impondo extremo e desnecessário sofrimento, e, ainda insatisfeito, degustou partes de seus restos mortais, numa clara manifestação de uma antiga e abjeta prática da humanidade primitiva, o que causou comoção nacional e repercussão internacional: O canibalismo. (...).
Como salientado, tal crime soou na sociedade como algo extremamente assombroso e irreal, não obstante, a sua realidade foi demonstrada pelas provas colhidas no decorrer das investigações – inquisitorial e judicial.
O que torna relevante para o estudo ora pretendido, é perceber que a personalidade do criminoso então chamado “Canibal de Garanhuns” pode ser de natureza psicopática.
Como não houve nenhum estudo psicológico do caso, não podemos apontar com certezas e garantias, apenas mensurar as características que podem ser a ele prontamente comparadas. E desta forma, foi dado ao “Canibal de Garanhuns” um tratamento prisional institucional comum, muito embora ainda lhe tenha sido atribuído uma pena significativa, mas que não vem a tecer garantias sobre seu arrependimento e ressocialização.
No intuito de nos aprofundarmos sobre o tratamento dado aos psicopatas no estado de Pernambuco, fizemos uma entrevista em Belém do São Francisco/PE, sertão pernambucano, cidade encravada no chamado “polígono da maconha”, onde chegamos à conclusão de que não há nenhuma distinção do tratamento dado aos ditos psicopatas para com relação a outros presidiários que apresentem distúrbios mentais. Não há uma investigação mais profunda acerca da capacidade do apenado, através de investigação pericial, acompanhamento psicológico ou assistência social, sendo os casos notórios encaminhados à Itamaracá (região metropolitana de Recife), para internação no Hospital de Custódia e Tratamento, para depois do diagnóstico e tratamento, retornar a cadeia pública daquela municipalidade.
Nas palavras do senhor Wellington Lopes Roriz42, Diretor da Cadeia Pública da cidade de Belém do São Francisco/PE:
Até o momento nós não tivemos nenhum caso de psicopatia confirmado aqui na Cadeia Pública de Belém, porém alguns casos em que notamos alguma deficiência mental ou distúrbio psíquico, e que verificamos já terem sido internados em unidade de saúde [...], levamos ao conhecimento do juiz, que geralmente toma uma decisão no sentido de encaminhar o indivíduo até Itamaracá, onde há o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, pra que lá seja feito o exame pericial para constatar se a época do fato do crime, este o praticou com doença mental ou não. No mais, nós aguardamos a transferência desse preso até lá e o seu reenvio com o resultado do exame. Dependendo do resultado, o juiz decide o que fazer com ele. [...] Casos de psicopatia são difíceis até porque temos uma estrutura muito frágil, não temos técnicos em unidades pequenas como a nossa. Técnicos, psicológicos, assistentes sociais estão em unidades maiores, como em Petrolina ou Arco Verde, que são as mais próximos daqui [...]. Nós precisamos, e muito, de um exame detalhado, antes mesmo de entrar no sistema prisional. O preso deveria passar num exame psiquiátrico, que infelizmente a nossa unidade não suporta.
A seguir, foi perguntado se já havia percebido entre os presos alguma característica estranha, que lembrasse um psicopata, mesmo ele sendo ciente de suas atitudes, porém impossível de se confiar, ou com comportamento estranho. Diante do que, respondeu:
Nessa unidade já passamos por algumas dessas situações. O preso apresentava um comportamento que nós tínhamos como “ideal”, mas ao investigarmos a sua vida pregressa, processos que já respondeu, o que já passou, nos deparávamos com um problema sério. Nesses casos, solicitávamos a remoção do preso para uma unidade maior de segurança. Não podemos confiar, porque apresenta um comportamento, mas o que vem demonstrar depois é outra coisa.
Nas palavras da Promotora de Justiça de Belém do São Francisco/PE, Manuela Xavier Capistrano Lins:
Aqui em Belém ainda não consegui identificar nenhum caso de psicopatia. Um caso que possa levar à apreciação será o do assassinato de uma criança, porém não sei se vai ser feita uma perícia para analisar se ele (acusado) tem psicopatia. Hoje, fique sabendo que ele apresenta um distúrbio e está num presídio público. (...). Agora, nos casos em que a gente recebe o inquérito e verifica que a pessoa já tem uma doença mental, na própria denúncia é pedido que se instaure o incidente de insanidade. Pelas respostas dos entrevistados, resta claro que não há um entendimento formado acerca dos psicopatas, muitas vezes, eles são confundidos como doentes mentais, ou um criminoso com ímpeto perigoso, sendo sua remoção para outra unidade a melhor opção.
Aponta Ana Beatriz Barbosa Silva:
(...) os psicopatas são manipuladores inatos e que, em função disso, costumam utilizar os outros presidiários para a obtenção de vantagens pessoais. Muitas vezes, assistindo aos noticiários da TV, pude observar como as rebeliões nos presídios têm a orquestração dos psicopatas. Eles fazem com que alguns prisioneiros se tornem reféns indefesos no processo de negociação com as autoridades.
Nesse mesmo sentido, Mateus Milhomem45 destaca que:
O indivíduo portador de personalidade psicopática compreende a pena como um momento de neutralidade no qual não pode praticar a ação que gostaria, tendo a certeza de que, assim que retornar à liberdade, poderá colocar em dia suas atividades.
Isto posto, indiscutivelmente a não análise detalhada do Estado para com presos que apresentam perfis próximos à psicopatia, bem como a não separação destes daqueles comuns, pode influenciar o comportamento dentro das penitenciárias. Além de colocar em risco a paz e seguridade social, ao colocar nas ruas possíveis criminosos com transtorno psicopático mediante o cumprimento de pouco mais de alguns anos de detenção.
O que fazer então?