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Responsabilidade civil do advogado

A função social do advogado nas relações jurídicas e sua responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

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30/11/2018 às 12:50
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DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA

Na questão da assistência jurídica gratuita, há de se ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor conceitua em seu artigo 3º, § 2º, serviço como sendo a atividade fornecida mediante remuneração. Este requisito é entendido pela doutrina como qualquer espécie de cobrança ou repasse, seja ela direta ou indireta.

Desta forma, para que se possa considerar um serviço como sendo gratuito ou sem remuneração é preciso que este seja de fato prestado sem qualquer espécie de ressarcimento para o profissional que o presta.

Aplicando essa máxima aos advogados, pode-se afirmar que o serviço gratuito e voluntário prestado por esses profissionais não enseja reparação civil, desde que sejam observados os preceitos éticos, morais e legais intrínsecos ao exercício da advocacia. 

Na hipótese acima, caso assim não o seja, poderá ser o profissional responsabilizado civilmente sim, mas conforme regras do Código Civil e não do Código de Defesa do Consumidor. Isso pode ser explicado de modo simples: uma vez sendo o serviço prestado de caráter gratuito, não se enquadra este no conceito prescrito no artigo 3º, § 2º, do diploma consumerista e, portanto, descaracteriza-se a relação entre as partes como sendo uma relação de consumo. 

Como exemplo da situação descrita pode-se mencionar o primeiro atendimento efetuado nos Juizados Especiais Cíveis que, atendendo aos consumidores em geral, prestam os esclarecimentos devidos e preparam as petições iniciais daqueles que não desejam constituir um advogado particular para patrocinar suas demandas, cujo valor da causa não pode nesse caso ultrapassar o limite de vinte salários-mínimos (artigo 9º da Lei 9.099/95).

No entanto, o mesmo não prevalece se houver algum tipo de remuneração, como, por exemplo, ocorre quando o advogado percebe por seus serviços naquela causa os honorários de sucumbência.  Nesses casos, mesmo que não sendo seu cliente a lhe remunerar diretamente, persiste a relação de consumo entre este e seu advogado, o qual foi remunerado indiretamente pela parte sucumbente.

Esta é uma situação que tem como exemplo a atuação dos denominados advogados dativos, que são procurados pelas partes que propõem demandas junto aos Juizados Especiais Cíveis para lhes auxiliar nos trâmites desses processos, eis que não têm eles interesse em contratar um advogado particular para a demanda.

Tais profissionais liberais, advogados que são, percebem remuneração ao final do processo, caso haja verba sucumbencial advinda de grau recursal, nos moldes do previsto no artigo 55, caput, da Lei n. 9.099/95.

Não havendo tal remuneração a ser percebida pelo advogado, seus serviços serão de natureza exclusivamente gratuita e será sua responsabilidade civil submetida à égide do Direito Civil, salvo se houver contrato de prestação de serviços fixando honorários a serem pagos pelo cliente, hipótese onde sempre incidirão as regras do Direito do Consumidor.


DAS SANÇÕES CIVIS E ADMINISTRATIVAS

A ação ou mesmo omissão do advogado que, no exercício do seu mister, causar dano a um cliente, terá recaindo sobre si não somente a responsabilização na esfera civil, mas também na administrativa.

No âmbito da responsabilidade civil, o consumidor que se sentir lesado pela conduta do advogado a quem ele outorgou através de um mandato poderes para representá-lo, ou para exercer para ele um trabalho profissional qualquer, como, por exemplo, a elaboração de um parecer, poderá propor uma ação cível em face desse profissional, almejando ressarcimento dos prejuízos por ele sofridos, nos moldes do determinado no Código de Defesa do Consumidor e observando as máximas previstas para propositura da demanda pelo Código de Processo Civil ou, em sendo o caso, pelas Leis n. 9.099/95 e n. 10.256/2001, que regulamentam os Juizados Especiais Estaduais e Federais.

Administrativamente, pode o consumidor lesado procurar a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo âmbito de atuação restringe-se à apuração das infrações disciplinares e a aplicação da sanção disciplinar correspondente, dentre as previstas no artigo 35 da Lei n. 8.906/94, que são: censura, suspensão, exclusão e multa.

O processo disciplinar pode, ao contrário do processo judicial que se destina a apurar a responsabilidade civil, ser instaurado tanto mediante representação do cliente lesado quanto de ofício pela autoridade administrativa competente, podendo servir de subsídio obtenção da reparação civil pelo dano causado, por culpa de seu patrono no exercício da profissão.

Nesse interím, faz-se mister relembrar que não há qualquer vinculação entre as esferas judicial e administrativa, razão pela qual a decisão do órgão administrativo somente servirá como uma das provas dos autos do processo judicial, ficando ao arbítrio do magistrado valorá-la a seu critério.

O artigo 71 da Lei n. 8.906/94 indica que a jurisdição disciplinar não exclui a comum, devendo ser comunicado às autoridades competentes, quando o fato constitui crime ou contravenção.


EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O Código do Consumidor, no artigo 6º, inciso VIII, elevou a inversão do ônus da prova a direito básico do consumidor, positivando o princípio em regra geral e estruturante, a que se subordina qualquer operação hermenêutica.

De um modo geral, o juiz poderá determiná-lo, mesmo quando não seja exigível, sempre que se convencer da verossimilhança das alegações do consumidor. Porém, deixa de depender do convencimento do juiz, tornando-se obrigatório, quando resultar de responsabilidade por culpa presumida ou de responsabilidade objetiva.

No caso do fornecedor de serviços, em geral, cabe-lhe o ônus da contraprova, em hipóteses que a lei delimita em numerus clausus: a) não houve defeito no serviço, e, portanto, dano ao consumidor; b) a culpa pelo defeito foi exclusivamente do consumidor; c) o dano foi pré-excluído, uma vez que o suposto defeito decorreu da adoção de novas técnicas.

As hipóteses a e c são de natureza objetiva, não envolvendo culpa em sentido estrito. Poderiam ser enquadradas no âmbito da responsabilidade sem culpa. Na hipótese a, cuida-se de comprovar a inexistência do defeito alegado pelo consumidor; não se questiona se houve culpa ou não do fornecedor pelo possível defeito ou evento danoso. Na hipótese c, o defeito é desconsiderado (pré-excluído pela lei) porque se comprova que corresponde, em exata dimensão, à utilização de novas técnicas, segundo o estágio dos avanços tecnológicos na áreas específica de serviços, que não podem ser obstados por argumentos desse jaez; a culpa não desempenha qualquer papel.

A culpa aparece apenas na hipótese b, mas não em relação ao fornecedor. O defeito e o dano existem, não são objeto de controvérsia, mas o fornecedor inverte a imputação ao consumidor, comprovando que foi ele que os provocou, ou terceiro, por negligência, imprudência ou imperícia.

A culpa exclusiva do consumidor, no caso dos serviços, é sempre mais difícil que no caso de produtos, maxime em se tratando de advocacia. Todavia, há situações em que esta se verifica, como nos seguintes exemplos: 1. o depoimento pessoal do cliente, que contradiz os fatos apresentados por este ao seu patrono e, por conseguinte, a linha de defesa do advogado; 2. a falta de entrega de documento, imprescindível para o caso; 3. a falta de adiantamento para pagamento do preparo do recurso; 4. o prejuízo decorrente de negociação diretamente feita pelo cliente com a parte adversária, sem conhecimento do advogado.

A correta inteligência do § 4º, do artigo 14, do Código do Consumidor, como parte de todo um regime legal e jurídico específico, não pode conduzir a outro resultado, porque senão teria dito que o profissional liberal dele estaria inteiramente excluído, permanecendo sob a égide da responsabilidade subjetiva ou culposa.

Diz o § 4º que o profissional liberal se sujeita ao regime do Código do Consumidor e ao princípio constitucional de proteção, mas que sua responsabilidade pessoal será apurada mediante verificação de culpa. Em outras palavras, acrescenta-se, para ele, mais uma hipótese de exclusão de responsabilidade: quando ele provar que não lhe cabe culpa pelo defeito ou dano oriundo da prestação do serviço.

Demonstra-se acima que a situação específica do profissional liberal correspondia à responsabilidade por culpa presumida. A culpa presumida tem por efeito prático justamente a inversão do ônus da prova. Presume-se que o profissional liberal é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum. Não se pode cogitar, em culpa presumida, de se atribuir o ônus da prova ao consumidor, porque tornaria ineficaz a presunção.

Não somente por essas razões do regime jurídico, mas de inteligência dos termos empregados pelo § 4º, do artigo 14, do Código do Consumidor, chega-se a essa conclusão. Quando se diz "verificação de culpa" não se diz que deve ser provada por quem alega o defeito do serviço. Diz-se que não poderá ser responsabilizado se a culpa não for "verificada" em juízo, porque o profissional conseguiu contra prová-la. Repita-se: é inquestionável a compatibilidade desse preceito com o artigo 6º, inciso VIII, do citado diploma legal, que impõe o direito básico do consumidor à inversão do ônus da prova.

 Cabe ao consumidor de serviço do profissional liberal provar a existência do serviço, ou seja, a relação de consumo entre ambos, e a existência do defeito de execução que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade.

Por sua vez, cabe ao profissional liberal provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade dos demais fornecedores de serviços, que não agiu com culpa.


CONCLUSÃO

A responsabilidade civil dos advogados é tema que deveria ser mais amplamente discutido na doutrina. Escassos são os textos que versam sobre este tópico se comparados às demais hipóteses de responsabilidade civil dos profissionais liberais, como, por exemplo, é o caso dos serviços médicos.

Anualmente são jogados no mercado de trabalho centenas, senão milhares de novos bacharéis em Direito, muitos dos quais não têm sequer a qualificação mínima necessária para o regular exercício da profissão, motivo pelo qual a Ordem dos Advogados do Brasil vem constatando um número cada vez mais elevado de candidatos inaptos no Exame de Ordem, prova cuja finalidade precípua é determinar e conferir aos aprovados a qualificação de advogados, tornando-os aptos a ingressar no mercado de trabalho como advogados.

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Ademais, a não obrigatoriedade do ensino da deontologia jurídica nas grades universitárias de muitas faculdades de Direito gera para o mercado muitos profissionais sem a noção de ética necessária para o exercício da advocacia.

É preciso que os cursos superiores revejam seu método de ensino para formar não somente profissionais capazes do ponto de vista acadêmico, mas também do ponto de vista ético e moral. Resgatar valores e rever conceitos pode fazer renascer o respeito da sociedade moderna para com os advogados e melhorar consideravelmente a qualidade dos serviços prestados por esses profissionais. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALMEIDA, Maria da Glória V. B. Gavião de. Os sistemas de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor. in Revista de Direito do Consumidor, n. 41, São Paulo: RT, 2002, p. 185 -201.

2. CAHALI, Yussef Said (organizador). Constituição federal, código civil, código de processo civil. 6 ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

3. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4 ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 367-391.

4. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8 ed, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 382-387.

5. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. v.5, 29 ed, São Paulo: Saraiva, 1997, p.244;

6. NOGUEIRA, Lavyne Lima. Responsabilidade civil do profissional liberal perante o Código de Defesa do Consumidor. in Revista de Direito do Consumidor, n. 40, São Paulo: RT, 2001, p. 199-224;

7. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 97-98; 328-340;

8. PELEGRINI, Ada et al.. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado. 8 ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 196-197;

9. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 3 ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.66;

10. VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. v.4, 3 ed, Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2004, p 175-179.


Notas

[1] Não é somente o advogado legalmente habilitado quem detém capacidade postulatória, mas também os defensores públicos e o Ministério Público no âmbito de suas atribuições, na forma da Lei (artigos 129 e 134 da Constituição Federal de 1988), assim como o cidadão para impetração de habeas corpus (artigo 654 do Código de Processo Penal),  propositura de ação cível com valor inferior à 20 salários mínimos nos Juizados Especiais Cíveis (art. 9º da Lei 9.099/1995), ou ainda a solicitação de medidas protetivas contra o ofensor com base na Lei Maria da Penha (art. 27 da Lei 11.340/2006).

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Sobre a autora
Marcele Loyola

Advogada formada pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), com mais de 15 anos de experiência na prestação de serviços advocatícios e de consultoria jurídica, tanto no âmbito judicial quanto no extrajudicial, zelando sempre pela qualidade, eficiência e transparência para com seus clientes e parceiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOYOLA, Marcele. Responsabilidade civil do advogado: A função social do advogado nas relações jurídicas e sua responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5630, 30 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65617. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Artigo jurídico apresentado como trabalho final para conclusão de Pós Graduação Lato Sensu junto à UNESA em 2005, reeditado e atualizado em 2018.

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