Capa da publicação Considerações sobre a prisão do senhor ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Capa: Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Considerações sobre a prisão do “senhor ex-presidente", Luiz Inácio Lula da Silva

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26/04/2018 às 18:30
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O MÉRITO

Como determinado pela Juíza-Ministra-Presidenta do STF, no dia 04 de abril foi instalada a sessão de prosseguimento do julgamento do habeas corpos, para na mesma se decidir sobre o “pano de fundo”, ou seja, o mérito do “supremo remédio” perseguido pelo “senhor ex-presidente”.

Foi posta à apreciação da mais Alta Corte de Justiça do País vindicação do “senhor ex-presidente” da República no sentido de que, caso viesse o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a confirmar a sentença condenatória privativa de liberdade contra si prolatada pelo juízo da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, o decreto de prisão só pudesse ser exarado e, por fim, cumprido o mandamento sentencial quando esgotadas todas as garantias recursais a ele asseguradas pela lei, e, portanto, transitada em julgado a sentença. Vislumbrou que a esperada decretação de sua prisão seria maculada por ilegalidades: por infringir nossa Carta Magna, a legislação processual penal e o princípio da presunção de inocência           

 Invocou em seu favor o quanto estabelecido no inciso LVII do art. 5ª da Constituição Federal, que assim está redigido:

 “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; ...”.

Com amparo também no retro transcrito inciso buscou socorro no princípio da presunção de inocência.

Reforçou esse lastro invocando o inciso LXI do mesmo art. 5º da Carta Magna, que assim prescreve:

   “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei...;” e, também, se socorreu do art. 283 do Código de Processo Penal, ao qual a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, deu a seguinte redação.

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.


DA LEGALIDADE DA PRISÃO

É parte principal deste nosso desafio tentar demonstrar, da forma mais cristalina possível, que, contra convenientes divergências de alguns ministros-juízes, o Supremo Tribunal Federal decidiu, acertadamente, denegar o apelo contido no habeas corpus ora em foco, retirando, assim, o óbice à execução da sentença proferida pelo juízo original, o  que faremos a seguir, pedindo sinceras desculpas aos eventuais leitores por inserirmos alguns trechos antes mencionados, mas que entendemos ser de utilidade didática.

Como sobejamente sabido, o Supremo Tribunal Federal conheceu o inepto habeas corpus preventivo impetrado pelo “senhor ex-presidente, mas, por fim, denegou a concessão do benefício nele pleiteado, qual seja, permitir que o réu se mantivesse solto até que esgotados todos recursos que estão ao seu alcance para ver-se isento da pena  a si imputada pelo cometimento dos crimes a si atribuídos.

Decidiu, assim, que é prevalente o entendimento fixado no STF em 2016 de que a prisão do condenado após o pronunciamento do juízo “ad quem”, confirmando a sentença condenatória, não fere o princípio da presunção de inocência e, tampouco, a Constituição Federal e a legislação processual penal pátrias.

Infelizmente, os vencedores, defensores dessa tese, pouco ou quase nada se empenharam em demonstrar o acerto de seus convencimentos, assentando-os na Constituição Federal e na nossa legislação processual penal. Grande parte se limitou a dizer que suas convicções não poderiam contrariar o quanto sacramentado na discussão a respeito do assunto em 2016, e que vem sendo posto em prática pelo STF em casos que tais; que essa jurisprudência é recente e que não pode ser mudada diante de caso singular. Teve julgador que admitiu ter convencimento particular em contrário, mas pelo “espírito de colegialidade” adotava o entendimento consagrado pela maioria de seus pares em 2016.

Depreendeu-se, em suma, que, mudada tão brevemente a jurisprudência atual, o Supremo Tribunal Federal transmitiria ao jurisdicionado uma sensação de insegurança jurídica; correria o risco de ser visto (mais do que já é) como um camaleão, ou seja, muda de cor conforme as circunstâncias que se lhe apresentam; que lá, no STF, tudo se transforma e se decide ao gosto do freguês. Não tiveram a coragem de admitir que a jurisprudência anterior, firmada com relação ao mesmo assunto em 2009, só se efetivou por conveniência, ou, quem sabe, até por conivência com os fatos criminosos imperantes naquele período.

A sessão do STF em que se decidiu sobre o habeas corpus do “senhor ex-presidente” foi transmitida em tempo real pela TV Justiça. Talvez, a sonegação daquele fato tenha contribuído para que grande parte da sociedade brasileira ainda esteja em dúvida quando a legalidade da decretação da prisão do senhor Luiz Inácio Lula da Silva.

Vamos à análise da fundamentação do pleito do “senhor ex-presidente”.


O INCISO LVII DO ART. 5º DA CF:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; ...”.

Nota-se que nos dois citados incisos, LVII e LXI, do art. 5º da Carta Constitucional são empregados vocábulos diferentes para situações diferentes. Frise-se, para situações diferentes!: “ninguém será considerado culpado ...; e, “ninguém será preso ...” (grifos nosso). Ressaltamos: CULPADO e PRESO. Nunca tivemos notícia de que os termos sejam sinônimos. Só por conveniência assim se pode considerá-los. Se porventura fossem sinônimos não haveria razão alguma para o legislador constituinte usá-los em dispositivos distintos. Vamos mais além, não haveria razão para se incluir o inciso LVII no art. 5º.  Insistimos, só se justifica essa separação por terem as palavras significados diferentes.

De uma interpretação literal e isenta de deturpação só se pode depreender que o inciso LVII da C.F. veda é que o sentenciado seja, de logo, quando da prolação da sentença, considerado culpado, só podendo assim ser considerado após o trânsito em julgado da sentença que o condenou.

Sabe-se, nosso Código de Processo Penal data de 1941. Estava, pois, em vigor quando da promulgação da Constituição de 1988. E o seu art. 393 assim dispunha:

“São efeitos da sentença condenatória recorrível:

  I - ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança;

II - ser o nome do réu lançado no rol dos culpados” (grifo nosso).

Tardiamente, onze (11) anos depois, o legislador ordinário, dando mostra de que não procede com a acuidade que o povo dele espera, percebeu que o quanto estabelecido no art. 393 do CPP era visivelmente incompatível com o espírito da nossa nova Carta Magna. Uma     Constituição havida como “A Constituição Cidadã” que o Brasil jamais teve não poderia agasalhar o quanto consubstanciado naquele dispositivo, pois se traduzia numa substancial injustiça. Com a edição da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, também foi revogado o nefasto dispositivo. Nefasto: 1º, porque determinava, imperativamente, não permitindo qualquer flexibilização, que o juiz ao prolatar uma sentença condenatória por cometimento de crime inafiançável, embora “recorrível”, decretasse a imediata prisão ou a conservação do réu na prisão; recorrer livre só se o crime fosse afiançável e o réu prestasse a fiança arbitrada; e, 2º, porque, também da mesma forma, impunha ao juiz o dever de determinar a inclusão do nome do condenado, por cometimento de crime afiançável ou não, no “rol dos culpados”,

Aos que não o alcançaram, rol dos culpados era o nome que se dava a um livrão (grande e grosso), à semelhança daqueles em que outrora se faziam assentamentos de nascimentos, óbitos e casamentos (em lugares longínquos deste país continental, o livrão ainda se faz presente, mas com seus dias contados).  O lançamento do nome do condenado no livrão correspondia ao registro de nascimento de um delinquente. E quantos tiveram seu nome nele lançados e mais tarde provaram ser inocentes. Nele se baseava a também famigerada ”folha corrida”, da qual muitos dependiam para conseguir um emprego. O lançamento do nome do condenado no rol dos culpados sem comprovação indubitável de sua culpa em muito contribuiu para a exclusão social de muitos. Mas, como muitos pensam, nem a Constituição nem a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, o extinguiram. Ele ainda existe, mas disfarçado, adotando nova nomenclatura; ele é necessário à administração da justiça; presta-se, por exemplo, para se verificar a reincidência criminal do indivíduo. Mas os nomes dos condenados não são mais lançados no livrão, e sim em arquivo eletrônico, e só quando esgotados todos os recursos disponíveis para se verem livres das culpas a eles imputadas.

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Presunção de inocência

Abraçou-se o “senhor ex-presidente” também ao retro comentado inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal para invocar em seu favor o princípio da presunção de inocência. Com isso também entende que só após o trânsito em julgado da sentença poderia ser havido como culpado e aí, sim, autorizada estaria a decretação de sua prisão.

Nós, modestamente, entendemos que também não assiste razão ao mesmo. O princípio da presunção de inocência deve ser observado, de início, no juízo “a quo”, onde são apresentados e devem ser apreciados os fatos e provas levados pelas partes. Havendo dúvidas sobre fatos e provas, essas dúvidas ao réu devem aproveitar. Levadas que sejam à apreciação do “ad quem” os fatos e provas, sob a alegação de que foram mal aferidos ou sequer apreciados pelo juízo original, e persistindo as dúvidas, também ao réu devem continuar beneficiando. Nessa instância esgotam-se as possibilidades de discussões sobre fatos e provas, donde a presunção de inocência se rende à presunção de culpa: o princípio do “in dúbio pro réu” dá lugar ao princípio do “in dúbio pro sociedade”.

Não é justo que o indivíduo tenha seu direito à liberdade tolhido por decisão única; que não lhe seja dada uma oportunidade de demonstrar o desacerto da decisão proferida no juízo original. Por isso, é-lhe concedido o benefício da presunção de inocência, que prevalece até que, em grau de recurso, no juízo “ad quem”, seja afastada essa presunção. Também não é justo que a sociedade tenha que conviver “sobressaltada” com indivíduos sobre os quais pairem suspeitas de cometimento de delitos. É por isso que, não conseguindo o condenado demonstrar sua inocência na segunda oportunidade em que lhe é dada para fazê-lo, a presunção de inocência que até então o favorecia dá lugar à presunção de culpa em favor da sociedade.

Os crimes imputados ao paciente impetrante foram apreciados pelo juízo da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, onde teve a si assegurado amplo direito de defesa. À vista de fatos e provas, convenceu-se aquele juízo da procedência da acusação e o condenou ao cumprimento de pena privativa de liberdade, sem, contudo, decretar sua prisão. O julgado foi submetido à apreciação da instância imediatamente superior, onde, repetimos, a imperfeição que encontrou no decisum foi respeitante à dosimetria da pena. Só depois de exaurida a possibilidade de interposição de recurso perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi, pelo juízo “a quo”,  decretada sua prisão.

Diante do que aqui expusemos, esperamos ter demonstrado a improcedência das alegações do “senhor ex-presidente” de que a decretação de sua prisão, antes de esgotados todos os recursos a si disponíveis na legislação brasileira e, consequentemente, antes de transitada em julgado a sentença a si imposta, fere ao quanto disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal e o princípio da presunção de inocência.

Vamos à análise do quanto mais se valeu o paciente.           

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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