Pela vez primeira, a sociedade conseguiu despertar nos legisladores pátrios a idéia de que todo o poder emana do povo, conforme prescrita no parágrafo único do art. 1º da Constituição que, até há pouco, era uma letra morta.
É que essa medida provisória violenta em bloco todos os direitos e garantias fundamentais, exacerbando a imposição tributária em nível intolerável, de um lado, e manietando o mecanismo de defesa do contribuinte, de outro lado. Tudo isso foi feito de uma hora para a outra, pelo legislador palaciano, no apagar das luzes do ano de 2004, sob o manto da urgência e relevância da matéria, como se ao Poder Legislativo coubesse apenas a missão de legislar sobre questões tributárias irrelevantes e não urgentes.
Evidente a afronta ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio da legalidade tributária, que tem na Carta Magna de 1215, outorgada por ‘João Sem Terra’, o mais expressivo exemplo de que a criação de qualquer tributo ou sua majoração deve ser previamente aprovada pelo Parlamento (consentida pela população pagante).
O nosso Parlamento, respaldado na soberania popular representada, neste episódio, pela ‘Frente Brasileira contra a MP 232’, está lutando com energia para evitar o retrocesso à época que antecedeu a Carta de 1215.
O Governo, acuado, quer a rejeição total da MP 232 para poder enviar à Casa Legislativa um projeto de lei corrigindo a tabela do IR e, ao mesmo tempo, contendo a proposta de novo aumento tributário.
Sem entrar no mérito da questão de saber se a ‘perda’ de arrecadação, decorrente da correção da tabela do IR, somente pode ser compensada com aumento tributário, a proposta do Executivo é de todo inconveniente, pois cria uma situação de incerteza e insegurança do contribuinte. De fato, ainda que o Executivo envie a respectiva mensagem legislativa, em caráter de urgência, a continuidade das deduções com base na correção determinada pela extinta MP 232 representará uma situação de ilegalidade. A ordem jurídica impõe o pagamento do IR sem a correção, para oportuna repetição de indébito, se for o caso, em moroso procedimento judicial . Por outro lado, não se pode apregoar a violação temporária da ordem jurídica vigente, acenando com o efeito retroativo da nova lei que, ainda, não existe sequer em forma de projeto legislativo. Isso seria, no mínimo, colocar em segundo plano os princípios éticos e jurídicos que devem presidir a construção de um sistema jurídico-tributário conformado com os direitos e garantias fundamentais, consagrados pela Constituição.
Daí porque entendemos que o Parlamento Nacional, no uso de suas prerrogativas insuprimíveis, deve apenas aprovar o dispositivo da MP 232, que corrige a tabela do IR, para evitar a solução de continuidade, pois este dispositivo é o único que já está em vigor desde janeiro de 2005. O aumento tributário das prestadoras de serviços para 2006, como está previsto na MP 232, poderá ser discutido em ulterior projeto legislativo. A única matéria de relevância e urgência é exatamente aquela representada pela norma que corrige a tabela do IR, curiosamente, a mesma que o governo quer sepultá-la, para a grande agonia dos contribuintes.