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Responsabilidade civil pelo dano moral: o quantum debeatur

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CAPÍTULO  IV

1. A reparação civil do Dano Moral

Como já aventando, a reparação dos danos protege o equilíbrio e a harmonia da vida coletiva, pontos fundamentais à sobrevivência da sociedade humana. Toda lesão que desassossega a ordem social ou individual é reprimida.

A satisfação promovida pela reparação ao ofendido pelo ofensor, nos casos dos danos morais, contribui para compensar a grande perda ou dano que haja produzido a agressão e, principalmente, acalmar o sentimento de revide latente no homem, por mais civilizado que seja. Há, portanto, a salvaguarda de um princípio maior, a manutenção da ordem pública.

Por sua natureza os danos morais não se restauram com valores econômicos, não se compensam as angústias e sofrimentos com o dinheiro, sua própria essência repudia e repele essa compensação.

Para Wilson Melo Silva só outros valores também morais, positivos, seriam capazes de, contrariando a dor, restabelecer o equilíbrio reduzindo o dano moral a um nada.30 A vingança, cujo escopo é impor ao ofensor idêntica agrura por ele causada, seria o único bálsamo para o ofendido pela satisfação da paga na mesma moeda. Porém, o uso abusivo de qualquer direito é prática anti-social que não se coaduna com os interesses da coletividade. 

Assim, a reparação pecuniária dos danos morais constitui obrigação fundamental, faz parte de um mecanismo mantenedor da harmonia e do equilíbrio sociais.     

A questão maior é como se deve reparar o dano moral, como se procede a sua liquidação ante a impossibilidade material da equivalência de valores uma vez que se manipula valores subjetivos. 

2. Sistemas para fixação do “quantum indenizatório”

Não há no dano moral a mensuração econômica da pretium doloris até porque sua reparação não se funda no princípio da restituição integral que rege a responsabilidade civil. A indenização é uma compensação que oferece recursos para o ofendido usufruir de prazeres que possam amenizar o sofrimento proporcionado pela violação então sofrida.

Três correntes doutrinárias apontam o que para elas seria o meio correto de se obter a justa medida entre o dano e compensação:

2.1 Sistema de Tarifação

O sistema de tarifação constitui um estabelecimento prévio, realizado pelo legislador, da configuração do dano moral, definindo, ainda, um valor específico para cada caso ali descrito.

Tal sistema trata igualmente ofensores e ofendidos contradizendo o princípio da isonomia coroado pela Constituição Federal. 

Por essa razão o sistema de tarifação do dano moral é inviável. O dano teria o valor de sua compensação contido em tabela preestabelecida, desconsiderando, assim, as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto, cujas nuances sempre o difere de outros assemelhados.

No mais, interminável é a busca pelo sistema normativo perfeito. Ainda que o legislador possua exímia cultura jurídica, jamais será capaz de prever e normatizar todas as situações cotidianas possíveis em uma sociedade em constante mutação.

Ciente de tal circunstância, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 28131 cujo teor afirma que a indenização por dano moral não está sujeita a tarifação previstana Lei Federal nº 5.520, de 09/02/1967, conhecida como Lei de Imprensa, a saber:

Art. 51 - A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:

I - a 2 (dois) salários mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16 n.º s II e IV);

II - a 5 (cinco) salários mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decoro de alguém;

III - a 10 (dez) salários mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém;

IV - a 20 (vinte) salários mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (Art. 49, § lº).32

Ademais, além da Súmula editada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a vigente Constituição Federal, ao prever indenização do dano moral, findou a responsabilidade tarifada existente na lei especial que trazia em seu bojo um sistema evidentemente estagnado e ultrapassado. O limite ao valor da indenização fixado pela Lei de Imprensa tornou-se ineficaz e inconstitucional por não ferir aos ditames da Lei Maior, cujos mandamentos extinguiu qualquer limitação de tempo e valor para as ações de reparação de danos materiais e morais.

Ainda que incondizente com o escopo e a realidade do instituto da reparação do dano moral e com o teor da Constituição Federal, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei número 7.124/2002 que pretende criar uma tabela para os danos morais em flagrante adoção ao sistema tarifado. Assim dispõe seu artigo 7º:

Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.

§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis:

I – ofensa de natureza leve: até R$ 20.000,00 (vinte mil reais);

II – ofensa de natureza média: de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 90.000,00 (noventa mil reais);

III – ofensa de natureza grave: de R$  90.000,00   (noventa   mil  reais)  a R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais).33

Inúmeras são as críticas a esse projeto, o professor Rodrigo Mendes Delgado afirma que os legisladores, mais uma vez, demonstram de forma cabal e inconteste sua incompetência para entender os reclamos sociais e sua inaptidão para entrar em consonância sobre o que seria melhor para o país e para a população brasileira.34 

Já o doutrinador Vilson Ferreto ameniza, alegando ter a convicção de que os defensores do sistema de tarifação buscam acabar com a incerteza da fixação do valor ser definido a título de indenização.35 Há a suposição de que o sistema evitaria que as partes fiquem adstritas ao subjetivismo do julgador,  à sua maior ou menor impressionalidade pelo fato, enfim, ao seu arbítrio.

Contudo, está evidente que jamais se poderia obter êxito, aqui caracterizado por uma compensação satisfatória decorrente de uma decisão justa, sem se verificar as circunstâncias fáticas nas quais o dano ocorreu e, principalmente, as condições pessoais das partes envolvidas.

O arbítrio do julgador é uma liberdade condicionada pelo ordenamento jurídico.  A lei  fixa os limites de atuação do julgador, portanto não se confunde arbítrio com arbitrariedade, tem-se na verdade discricionariedade. Não há meios de se excluir o caráter subjetivo do dano moral, pois este lhe é inerente, muito menos excluir a apreciação desse caráter pelo magistrado, pessoa dotada de competência, discernimento e preparo para tal fim. 

Ademais, sobre outro prisma, a tarifação possibilita aos pretensos ofensores assumirem o ônus de produzir o evento lesivo, quando verificarem que o benefício lhe será maior que o custo. Pessoas abastadas economicamente, empresas grandiosas, milionários poderão voluntariamente ofender a moral dos demais sem que a indenização lhe cause um mínimo incomodo ou quando a vantagem obtida pela ofensa torne-se insignificante diante do ônus.  

2.2 Teoria do Valor do Desestímulo.

No direito norte americano impera a teoria do valor do desestímulo. Os chamados punitive damages, que em vernáculo significa punição por decorrência de danos, proporcionam indenizações milionárias às vítimas lesadas, desestimulando ofensor a não mais adotar condutas que lesionem o patrimônio moral das pessoas.

Segundo tal teoria, o magistrado, ao estabelecer a indenização, deve fixar valor capaz de coibir práticas semelhantes. A indenização, portanto, assume um verdadeiro caráter punitivo no âmbito civil em que se impinge um dano ao causador do dano.

Os danos punitivos não se configuram pela indenização decorrente dos danos morais sofridos, não possuem um caráter compensatório, na verdade ultrapassam em muito o valor da compensação. Também denominados de danos exemplares ou danos vingativos, o instituto, através da condenação a uma soma milionária, pretende, concomitantemente, impor sanção ao ofensor, desestimulando-o a incorrer novamente em erro e proporcionar um exemplo à sociedade como um todo. Tem-se, assim, uma lição direcionada a coletividade, com vertente preventiva.

No direito brasileiro, o ilustre Carlos Alberto Bittar, defensor dessa teoria, diz que a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo decorrente.36 Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica.   

Segundo seus adeptos, a adoção do desestímulo seria necessária em função da complexidade da sociedade moderna, em que os relacionamentos são interligados cada vez mais, gerando, assim, maior risco lesivo. Há que se destinar maior proteção às vítimas. 

Inúmeras são as críticas a teoria do desestímulo, inicialmente porque cria um sistema ambíguo, um misto civil-penal, inadmissível diante das particularidades e finalidades de cada ramo. Inconcebível sua aplicação nos tribunais brasileiros, já que feriria flagrantemente o princípio da legalidade previsto no artigo 5º, Inciso XXXIX da Constituição Federal.

A imposição de pena, no Brasil, está condicionada a sua prévia cominação legal e a existência de um fato típico, definido como crime por lei penal anterior, o que inviabiliza a penalidade decorrente de dano moral, instituto de natureza civil.

Ademais, a proteção almejada não se verificou em concreto, as somas milionárias que são constantemente deferidas às pretensas vítimas nos pretórios norte-americanos acarretaram sim um estado de insegurança jurídica.

Os cidadãos norte americanos convivem com medo constante de se verem processados por circunstâncias irrelevantes, de somenos importância que se transformam em somas vultuosas, típicas de uma sociedade altamente industrializada e economicamente rica.        

O smart money (em vernáculo pagamento da dor) costuma ser exorbitante viabilizando a função inibidora ou condutora de comportamentos do punitive damages. O peso do encargo financeiro, em uma sociedade altamente centrada e fixada no consumismo, nos interesses econômicos, seria a única e mais adequada resposta aos que lesionam a ordem moral. Todavia, essa visão é extremamente perigosa, terreno fértil para a degeneração do instituto da reparabilidade dos danos morais. Os processos de indenização nos Estados Unidos, verbi gratia, transformaram-se em fontes de enriquecimento. A análise e a quantificação do dano moral são atribuições de um júri popular, composto quase sempre por cidadãos que ignoram ciências jurídicas, não possuem o domínio da técnica legislativa, portanto, são apenas capazes de externar juízos empíricos, sem embasamento científico sobre as normas.

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Há nessa teoria um desvirtuamento da finalidade precípua do instituto da responsabilidade civil: a manutenção da vida em sociedade. Mesmo estando diante de um campo subjetivo, alguns conceitos são universais na análise dos casos concretos. A compensação deve pautar-se na proporcionalidade e na razoabilidade a fim de que seu montante apazigúe de forma mais eficaz possível a dor sentida e não proporcione um enriquecimento indevido à vítima e a bancarrota do ofensor.

A adoção desse sistema em nosso ordenamento pátrio degenerará e desvirtuará a reparação do dano moral, consagrada pela Carta Magna depois de longos anos de uma legislação omissa e controvérsias doutrinárias. As pessoas passarão a pleitear em juízo a reparação de fatos corriqueiros, sem importância, meros dissabores com o intuito ganancioso de obter dinheiro fácil, resultando em desagregação social, comprometimento da paz e da ordem, situações que a lei visa, justamente, evitar.

Causas aberrantes, nexos de causalidade absurdos, oportunismo, indisfarçável propósito de locupletação e um Poder Judiciário, já desgastado, cada vez mais sobrecarregado, são apenas alguns dos reflexos da introdução do punitive damages na legislação brasileira. 

Impor um dano ainda maior ao causador do dano implica em admitir a imposição de vingança, já que esta não objetiva educar o agressor e demovê-lo a novas práticas lesivas, mas sim, retrucar-lhe o mal causado com outro o aflija, às vezes em proporções muito maiores.

2.3 Arbítrio Judicial

O arbítrio judicial constitui faculdade conferida ao magistrado de externar, na apreciação da lide, o seu livre convencimento. Essa faculdade advém do próprio ordenamento jurídico cujo teor aposta na experiência e discernimento do magistrado. Contudo, mister suas decisões sejam balizadas por fundamentos coerentes e alicerçadas no carreado nos autos. Ainda que não esteja vinculado ao seu conjunto probatório, é defeso ao magistrado fundar sua decisão em circunstâncias externas, não contidas no processo. A própria lei que lhe confere competência, rechaça qualquer postura esdrúxula e ilógica no deslinde da causa.  A discricionaridade judicial estreitamente se relaciona com os princípios basilares do direito, dentre eles, a isonomia entre as partes e o devido processo legal um dano ainda maior ao nariedade e reja costumeiramente por ela frq.

A fixação do quantum indenizatório do dano moral, sob a égide do arbítrio judicial, exige que o julgador manifeste um juízo lógico, ao mesmo tempo objetivo e subjetivo.

 Objetivo porque considerará critérios fixos que garantam a segurança jurídica e a igualdade de tratamento das partes litigantes. O juízo subjetivo, por sua vez, é voltado para o prejuízo real sofrido pela vítima, com a análise das condições pessoais do ofendido e do ofensor, tais como intelectual, cultural e sócio-econômicas.

Cada situação apresenta opositores diferentes, nuances particulares, assim o valor a ser arbitrado deverá corresponder às características próprias do caso concreto.

Nesse ínterim, é imprescindível que o magistrado seja vivenciado nas mais importantes ciências humanas, como filosofia, sociologia e psicologia, que domine a arte de enquadrar a realidade ao texto legal de forma que resulte uma medida justa e equilibrada.

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Sobre a autora
Karim Andrade Cardozo de Macedo

Servidora Pública Estadual, bacharel em Direto pela Faculdade de Direito de Sorocaba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Karim Andrade Cardozo. Responsabilidade civil pelo dano moral: o quantum debeatur. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5489, 12 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65837. Acesso em: 22 nov. 2024.

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