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Responsabilidade civil pelo dano moral: o quantum debeatur

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CAPÍTULO V

1. O arbitramento judicial do quantum indenizatório no Brasil

A moderna noção de indenização por danos morais, quanto aos seus objetivos imediatos e reflexos, funda-se no binômio: valor de desestímulo e valor compensatório.

Atualmente, o entendimento amplamente aceito na doutrina e preconizado pela jurisprudência nacionais é que a indenização do dano moral possui caráter dúplice: satisfativo e punitivo. Nas palavras do ilustre Carlos Alberto Bittar a tendência jurisprudencial é a fixação do valor de desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas, mas ainda com inato vínculo de compensação às angustiais e às dores.37 

Diz o professor Alexandre Sturion de Paula que se o dano moral fosse apenas satisfativo, ou seja, de natureza compensatória, e se cabível a indenização como forma de amenizar a dor, o quantum pleiteado pela vítima não poderia ser questionado, pois seus sentimentos mais intrínsecos não são passíveis de reprovação e não podem ser limitados por terceiros, ainda que este seja o Estado-Juiz.38 Com isso, a redução do valor pleiteado representaria uma distinção preconceituosa e invasiva ao íntimo do ofendido.

Já sob a ótica sancionatória, a fixação de quantum indenizatório pelo Estado-Juiz torna indiscutível questões acerca da valoração econômica do dano, os contra argumentos do ofensor, como o enriquecimento ilegal ou mesmo existência de especulação, são inviáveis diante do caráter sancionatório da reparação. Configurando-se punição, a totalização da indenização é conferida ao livre arbítrio do juiz.

Contudo, alguns juristas contestam a imposição de condenação com feições de pena ao ofensor, pois esta somente pode ser aplicada havendo prévia cominação legal conforme reza a Lei Maior. A aplicação de pena seria incompatível com o direito privado.

Ao referir-se acerca do caráter punitivo conjugado ao satisfativo como característicos da sanção implícita na obrigação de indenizar, Yussef Said Cahali esclarece que caráter aflitivo da obrigação de reparar os danos causados a terceiro, sob a forma de punição, sanção legal não mais se confunde com o rigoroso caráter de pena contra delito ou contra a injúria, como ocorria antigamente, apresenta-se agora como uma conseqüência civil da infração de conduta exigível.39

Portanto, a sanção referida, emergente da inobservância de um dever de conduta, em nada se confunde com a pena da seara criminal já que esta recai sobre a pessoa e não sobre o patrimônio do lesante. O contrário se observa no domínio estritamente civil em que somente o patrimônio do ofensor responde por sua conduta indesejável juridicamente.   

Não se pode olvidar que o caráter punitivo ou aflitivo aqui mencionado é distinto dos punitives damages sobre o qual se discorreu no capítulo anterior. Não há qualquer resquício de vingança na imposição do dever de indenizar que possa desvirtuar o instituto, há sim uma função educativa agregada à obediência às normas e princípios basilares do sistema jurídico.

O desestímulo é medida sócio-educativa que, por atingir o patrimônio do ofensor, objetiva dissuadi-lo a não persistir em práticas lesivas e não condená-lo a pagamento de somas descomunais que o levem a ruína financeira. A finalidade pedagógica aqui aventada demonstra não só ao ofensor, como aos demais indivíduos, que não são toleradas medidas que perturbem a paz e a harmonia do convívio social.

No que concerne ao caráter reparatório, sua finalidade é atribuir à vítima um lenitivo para o dano sofrido. Ainda que o dano moral não detenha medida física, busca-se amenizá-lo da forma mais equivalente possível.

Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando imprescindível que se considere a equidade e, principalmente, que haja bom senso do julgador. Nessa seara, somente a discricionariedade conferida ao magistrado é capaz de gerar um arbitramento segundo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, viabilizando seu caráter educativo e reparatório.

Na opinião do mestre Caio Mário Silva Pereira a vítima deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, nem tão grandiosa que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.40  

Considerando o teor dos julgados proferidos pelos nossos tribunais, as lições de mestres de renome e em analogia aos critérios estabelecidos na Lei de Imprensa, pode-se enumerar os fatores a serem observados no arbitramento da indenização compensatória:

Um dos critérios que se reputa da mais alta valia e de decisiva apreciação para a determinação do quantum da indenização por danos morais é o critério pessoal. Tal critério diz respeito à forma pessoal com que ofensor e ofendido se apresentam. Trata-se de um conjunto de atributos e impressões de natureza intelectual, social, educacional, emocional que as partes possuem diante de si mesmas e da sociedade.  

Nenhum ser humano é igual, assim há que se definir o modo de pensar, a personalidade e a sensibilidade de cada um. A utilização deste critério viabiliza ao magistrado aferir a extensão do dano no âmago do ofendido e o quanto sua repercussão externa o abalou. 

A verificação do nível econômico e da condição particular e social do ofendido contribui para que o valor indenizatório não seja insignificante, nem descomunal.

O porte econômico do ofensor também deve ser levado em conta, o arbitramento de somas grandiosas é ilegal quando o patrimônio deste não pode suportar um ônus tão elevado.

A subtração do patrimônio do ofensor, ensejando que este não mais possa arcar com seu sustento ou de sua família, que não mais disponha do nível econômico que possuía e, possivelmente, lutou para alcançá-lo, dista, e muito, do escopo do instituto, tornando-o corrompido.

No entanto, a contrário sensu, classifica-se o quantum indenizatório como ínfimo quando seu valor perante o patrimônio do ofensor não atinge a finalidade inibitória de novas práticas ofensivas. Ofensores economicamente abastados devem arcar com valores que acompanhem o porte de seu patrimônio, pois se assim não o for, a medida se torna inócua, ensejando o deboche do ofensor e a humilhação do ofendido.    

Na responsabilidade civil por danos materiais não há relevância o grau de culpa do agente, basta a existência da ação ou omissão culposa, qualquer que seja sua intensidade, para que surja a obrigação à reparação do dano. Havendo danos materiais, o valor indenizatório é delimitado pela sua extensão convertida em pecúnia.

O mesmo não ocorre nas indenizações por danos morais. O grau de culpa do agente tem relevo e prepondera para a valoração do dano e a fixação do montante indenizatório, justamente porque este é imaterial, sem medida física constatável.

O elemento móbil, volitivo ou não, tem sua proporção aferida e somado aos demais elementos objetivos e subjetivos contribui para o estabelecimento do quantum.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

Há no âmbito judicial um claro temor de que a indenização do dano moral torne-se uma indústria de ações e pleitos infundados que buscam apenas o enriquecimento sem causa do recebedor da indenização e o empobrecimento indevido do suposto ofensor.

A falta de ética de alguns profissionais do Direito e a ganância das pessoas são terreno fértil para florescer a desagregação social, a insegurança jurídica, o assoberbamento dos nossos tribunais já tão desgastados e o pior, o total descrédito do Poder Judiciário.

Fazer justiça é dar a cada um o que é seu por direito, portanto tornar o dano moral um bilhete premiado de loteria com certeza não alcança esse ideal maior.

O Superior Tribunal de Justiça, também impregnado por esse temor, tem analisado em sede de recurso especial o valor arbitrado como indenização nas instâncias inferiores e também preconiza o caráter punitivo e compensatório da reparação:

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Responsabilidade civil. Dano moral. Espancamento de condômino por seguranças do Barrashoping. Indenização. Fixação.

I – A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza. (grifei)

II – Segundo reiterados precedentes, o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle desta Corte, recomendando-se que a sua fixação seja feita com moderação.

III – Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

In REsp 283319/ RJ; RECURSO ESPECIAL 2000/0106839-3, 08/05/2001 – Relator: Ministro Antonio de Pádua Ribeiro.

O egrégio Tribunal, procurando uma forma de não violar sua própria Súmula 7, cujo teor impossibilita o reexame de fatos e provas em recurso especial, sustenta que, restringindo-se a modificar o quantum não estaria analisando matéria fático-probatória.

Dano Moral. Indenização. Razoabilidade. Impossibilidade de Revisão no STJ. Súmula 7.

- Em recurso especial somente é possível revisar a indenização por danos morais quando o valor fixado nas instâncias locais for exageradamente alto, ou baixo, a ponto de maltratar o Art. 159 do Código Beviláqua. Fora desses casos, incide a Súmula 7, a impedir o conhecimento do recurso.

- A indenização deve ter conteúdo didático, de modo a coibir reincidência do causador do dano sem enriquecer injustamente a vítima.

In AgRg nos EDcl no REsp 831584 / RS ; AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2006/0063737-7, 24/08/2006, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.

 Contudo, com máxima venia, a verificação dos fatos e provas carreados nos autos é imprescindível para a fixação daquele valor, segundo critérios coerentes, subjetivos e objetivos, preconizados pela renomada doutrina especializada, sobre os quais se discorreu nesse capítulo.

O Superior Tribunal de Justiça arbitra valores desproporcionais em suas decisões, os reduz, quase sempre, sob a alegação de que proporcionam enriquecimento indevido.

Atenhamo-nos a esses exemplos:

O primeiro deles consubstancia-se no REsp 295.175 / RJ; RECURSO ESPECIAL2000/0138885-1, 13/02/2001 – Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, nele em que um jornal de grande circulação veiculou notícia inverídica de Juíza Federal, acusando-a de fraudar a previdência social. Houve uma acusação infundada de prática criminosa a qual, evidentemente, gerou na vítima constrangimento e indignação. O Superior Tribunal, afirmando ter a ofensa atingindo pessoa digna e respeitada, arbitrou como indenização a quantia de cem salários mínimos, ainda que o comunicador escrito tivesse procedido retratação.

Em circunstância semelhante, no REsp 214.053/SP; RECURSO ESPECIAL1999/0041661-9, 05/12/2000 – Relator Ministro César Asfor Rocha, uma empregada doméstica encontrava-se participando de culto na igreja costumeiramente por ela freqüentada quando foi acusada de ladra por funcionários de uma grande rede de hipermercados perante todos os fiéis que ali estavam. A pobre senhora, vítima de imenso engano, quase teve sua prisão efetuada, pois os funcionários traziam consigo policiais. Resta claro que também houve falsa acusação de prática criminosa, a qual acarretou na ofendida dor e humilhação. A indenização arbitrada em instância inferior foi reduzida a míseros vinte cinco salários mínimos. Afirmou o STJ a quantia inicial conferia um prêmio indevido à vítima. Não houve, portanto qualquer alusão ao caráter inibidor da condenação, a fim de que o ofensor, empresa comercial de grande porte, futuramente adotasse postura diligente e respeitosa com seus clientes. A hipossuficiência da trabalhadora doméstica somente serviu de parâmetro para que recebesse indenização insignificante.  

Assim, a dor sofrida pela vítima exposta à humilhação, ao ridículo, ao vexame e à acusação inverídica para o Egrégio Tribunal é menor do que o transtorno de se ter a bagagem extraviada, pois no REsp 450.613/RJ; RECURSO ESPECIAL 2002/0079761-4, – Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a indenização fixada alcança o patamar de cinqüenta salários mínimos.

Por derradeiro, também a título de exemplo, descrevemos a causa envolvendo uma modelo profissional que em matéria televisa foi injuriada e caluniada. O quantum indenizatório fixado em seu favor foi de quinhentos salários mínimos no REsp 219064/RJ; RECURSO ESPECIAL 1999/0052193-5, 27/03/2001 – Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior.

Diante dessas discrepâncias, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça atenta para a condição econômica do ofendido, porém os valores fixados não representam medida inibidora de reincidência para ofensores de porte econômico elevado.

As reduções dos valores indenizatórios operadas pelo Superior Tribunal de Justiça sob a alegação de que se não realizadas configuram enriquecimento indevido, sem causa ou ilegal exigem fundamentação explícita. O valor arbitrado em instância inferior adveio de uma investigação árdua em que se apreciou o conjunto probatório composto de elementos objetivos, concretos, subjetivos e peculiares do caso. É imprescindível, havendo sua redução ou aumento, que se aponte onde houve a falha na totalização do quantum indenizatório, pois não se pode chamar de enriquecimento indevido uma indenização perfeitamente agasalhada pelo ordenamento jurídico e calcada em elementos fáticos que a justifiquem dentro dos parâmetros legais. 

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Sobre a autora
Karim Andrade Cardozo de Macedo

Servidora Pública Estadual, bacharel em Direto pela Faculdade de Direito de Sorocaba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Karim Andrade Cardozo. Responsabilidade civil pelo dano moral: o quantum debeatur. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5489, 12 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65837. Acesso em: 18 abr. 2024.

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