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Recuperação extrajudicial

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28/06/2018 às 19:43
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3 A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL NA LRF

         Para Rachel Sztajn, a recuperação extrajudicial guarda semelhança com a antiga concordata, quando esta ainda não era um favor legal, mas somente acordo ente devedor e credores. É a recuperação extrajudicial uma “ação judicial que tem por finalidade a homologação, por sentença, de acordo celebrado pelo devedor com determinada(s) espécie(s) ou grupo de credores”, conforme a definição de Luiz Fernando Valente Paiva.

            A recuperação extrajudicial é basicamente um acordo especial realizado entre devedor e determinados credores, condicionado à homologação pelo Poder Judiciário. Domingues afirma que com a recuperação extrajudicial “o legislador concedeu ao devedor um meio mais eficaz, rápido e flexível, menos custoso, complexo e traumático para a renegociação de suas dívidas, com a possibilidade de se socorrer de soluções de mercado para sanear a crise financeira da empresa”. Por este instituto, o devedor tem a chance de negociar um plano de recuperação diretamente com seus credores, o que era proibido pela lei falimentar anterior, e este plano pode ser homologado judicialmente para que se dê maior segurança às partes envolvidas. Seu processamento judicial é breve e simples, uma vez que se restringe à homologação do plano. Rachel Sztajn afirma que é um acordo entre devedor e credores que traz diversas implicações:

“Acordo este que implica na novação de obrigações, transações, venda de ativos, reformulação da cadeia produtiva, busca de eficiência alocativa, enfim, análise dos fatos que levaram à crise da empresa, revisão de procedimentos, readequação das ações administrativas para preservar se não a totalidade, ao menos parte das atividades”.

De acordo com Francisco Satiro Souza Junior, a recuperação extrajudicial “encontra-se no espaço existente entre a recuperação judicial (que atinge maior número de credores e acarreta um sem número de efeitos) e o acordo simples ou workout agreement (que só gerará efeitos contratuais ordinários quanto aos contratantes)”. É um meio muito mais simples e menos ambicioso que o da recuperação judicial para a solução de uma crise econômico-financeira, posto que a forma extrajudicial se põe a solucionar problemas mais pontuais dessa crise.

A título de comparação, assim como a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial também foi introduzida no sistema concursal brasileiro pela atual Lei de Recuperação e Falências (LRF), em razão de uma busca por modernidade no direito concursal nacional, inserido na tendência no direito comparado de reconhecimento da função social da atividade empresarial. As duas formas de recuperação, judicial e extrajudicial, são institutos hábeis a promover a manutenção da atividade empresarial, e colocam um fim ao instituto da concordata, tanto preventiva como suspensiva, que se tornaram ineficientes. Essa lei traz o Capítulo VI dedicado exclusivamente à recuperação extrajudicial.

A recuperação extrajudicial se contrapõe em alguns pontos à recuperação judicial. Primeiramente, em razão se ser um instrumento bem menos abrangente e ambicioso do que a recuperação judicial, a qual se presta a solucionar problemas estruturais generalizados e que exigem reformas societárias ou operações de grande complexidade, especialmente envolvendo relevantes alterações em direitos de garantia e propriedade, situações de profunda liquidez ou insolvabilidade, ou ainda, em casos relacionados a problemas complexos que envolvam interesses divergentes de diferentes credores ou classes de credores, conforme leciona Souza Junior. Além disso, a recuperação extrajudicial destoa da judicial porque possibilita que a discussão e aprovação de um plano de recuperação de um devedor ocorra fora do âmbito do Poder Judiciário. Ou seja, ao menos em teoria, é um instituto que possibilita uma maior participação da autonomia privada na discussão do plano de recuperação.

A LRF prevê duas formas pelas quais a recuperação extrajudicial pode ocorrer. Essa distinção basicamente consiste na possibilidade, ou não, de imposição do acordo aos credores que não o tenham subscrito. Não obstante, em ambas as modalidades cabe ao devedor escolher os credores com quem pretende negociar o plano a ser homologado judicialmente e quais credores se sujeitarão a ele. Obviamente, reforçamos que a recuperação extrajudicial deve ser utilizada apenas em situações em que houver viabilidade econômica. Sobre isso, Sztajn afirma que é a percepção de que o valor do negócio é maior do que seu valor liquidação que leva os credores a preferirem a recuperação do devedor do que a falência, e a possibilidade de reorganizar um negócio implica em gasto de recursos que, em última análise, cabe aos credores. Daí a ideia do direito dos credores em aprovar ou não o plano de recuperação. E sendo a recuperação extrajudicial um acordo entre devedor e credores, necessariamente os credores devem concordar com os termos do plano apresentado.

Na primeira modalidade de recuperação extrajudicial, convencional, vinculam-se tão somente os credores signatários dos termos do quanto contratado. Essa modalidade é denominada recuperação extrajudicial meramente homologatória, porquanto tem-se um simples acordo levado a juízo para homologação. De fato, o art. 162 da Lei dispõe sobre a homologação de um plano de recuperação extrajudicial acompanhado de justificativa e documento contendo os termos e condições, bem como de assinaturas dos credores que a ele aderirem. Isso demonstra uma concordância por parte dos credores em relação ao plano, tendo em vista que, neste caso, eles têm a faculdade de aderir ou não ao conteúdo proposto pelo devedor. Logo, trata-se de modalidade de recuperação extrajudicial em que o devedor apresenta um plano aos credores, os quais voluntariamente aderem a ele, sendo tal plano levado à homologação judicial. Sobre a recuperação extrajudicial meramente homologatória, Francisco Satiro Souza Junior ainda complementa:

“Neste caso, a natureza do crédito dos aderentes só é relevante para os fins das restrições previstas no caput do art. 161, vez que só sofrerão os efeitos do plano as obrigações relativas àqueles que voluntariamente optaram por aceitá-lo e nos limites do quanto aceito. Não há nenhuma restrição a tratamento diferenciado entre os aderentes, quer sejam da mesma classe ou não”.

Já na segunda modalidade, mais complexa, a denominada recuperação extrajudicial impositiva, todos os credores sujeitam-se aos seus efeitos, incluindo aqueles que se recusaram a aceitá-la, desde que aprovado por credores representantes de mais de 3/5 dos créditos de cada classe objeto de deliberação no plano de recuperação. Portanto, a recuperação extrajudicial impositiva se refere à situação em que o devedor procurou negociar com todos os credores, ou pelo menos com a sua maioria, mas encontrou resistência de uma minoria dissidente. Essa espécie também conta com a homologação judicial, e vem no sentido de dar maior eficácia ao escopo da LRF de preservação da empresa e primazia da recuperação do devedor frente à falência, uma vez que a não aceitação de apenas alguns credores não pode obstar a prática de um plano de recuperação subscrito pela maioria. Cumpre observar que, ainda assim, é possível a impugnação do plano, conforme o art. 164 da Lei n. 11.101/05, observado o disposto no §3º, segundo o qual os credores somente podem evocar as alegações nele previstas. Não obstante, a recuperação extrajudicial demanda tratamento equitativo para os credores aos quais será imposto o plano. Este plano deverá ser homologado judicialmente, sendo necessário que o devedor apresente documentos em maior número e complexidade para avaliação pelo Judiciário, consoante o art. 163, §6º da LRF. Dessa forma, se evita que determinados credores ajam de maneira oportunista, em conflito com outros credores e até mesmo da empresa.

Merece destaque o fato de que alguns autores fazem a distinção não em espécies de recuperação extrajudicial, mas distinção em modalidades de homologação do plano de recuperação extrajudicial. É em razão disso que, por exemplo, Fábio Ulhoa Coelho utiliza os termos homologação facultativa, para a hipótese do art. 162, em que há adesão de todos os credores atingidos pelas medidas previstas no plano de recuperação, e homologação obrigatória, para os casos em que o devedor obteve adesão de pelo menos três quintos dos credores, sendo possível a imposição do plano à minoria dissidente. Neste contexto, Domingues questiona sobre a utilidade do art. 162 da LRF, concluindo pela sua inutilidade em termos de força obrigatória, coativa e vinculante, mas é útil no caso de o plano prever venda de filiais ou de unidades produtivas isoladas, caso em que deve haver obrigatoriamente a homologação judicial para que o juiz proceda a alienação por hasta pública, conforme se verá adiante.

Existe, na doutrina, um debate acerca da natureza jurídica da recuperação extrajudicial, sendo para alguns o acordo de vontades e, para outros, prestação jurisdicional. Por exemplo, para Francisco Satiro Souza Junior “o plano de recuperação extrajudicial constitui um contrato solene, com caráter de cooperação”, e para Rachel Sztajn, é “negócio jurídico consensual entre devedor e uma ou algumas classes de credores, negócio de cooperação, de repactuação na divisão dos riscos, que, em alguma medida, se assemelha aos negócios plurilaterais”. Há ainda autores que entendem ser a recuperação extrajudicial procedimento especial de jurisdição voluntária, como, por exemplo, Restiffe. Já para Lobo, tem natureza de ato complexo.

Atualmente, opinião majoritária da doutrina é a de que a recuperação extrajudicial tem natureza jurídica contratual, ou seja, o plano de recuperação extrajudicial constitui um contrato. Isso ocorre, principalmente e com menor grau de dúvidas, quando se diz respeito à modalidade de recuperação extrajudicial meramente homologatória, uma vez que vincula tão somente o devedor e os credores signatários do plano apresentado e negociado entre ambas as partes. Ou seja, nesta forma de recuperação é nítida a convergência de interesses entre o devedor e os credores. Nessa corrente doutrinária, Souza Junior afirma ainda que a recuperação extrajudicial, salvo previsão contrária, tem características de um “negócio jurídico celebrado por devedor e credores sob condição suspensiva, para o qual o evento que possibilita sua plena eficácia é a homologação judicial”, sendo que a causa imediata desse instrumento é a superação de uma crise econômico-financeira, e não a preservação dos direitos dos signatários. Além disso, leciona que após a homologação o plano constitui novação das obrigações dos signatários.

Entretanto, em razão da possibilidade de imposição do plano de recuperação a todos os credores, inclusive os dissidentes ou ausentes, desde que este plano seja aprovado por representantes de três quintos de todos créditos de cada classe por ele abrangidos, consoante o art. 163, caput, da LRF, abre-se espaço para discussão sobre a natureza jurídica do plano de recuperação extrajudicial, colocando-se em dúvida seu caráter contratual, conforme afirmam Picolo. Para este autor, a recuperação extrajudicial é um negócio jurídico de direito privado, negócio de cooperação, uma vez que a imposição da vontade da maioria sobre o da minoria e a intervenção do magistrado são insuficientes para descaracterizar o plano como contratual. Atualmente, com o destaque ao poder dos credores na concessão da recuperação, volta à tona a indagação quanto à natureza jurídica, sendo relevante a reflexão sobre o caráter contratual ou não dessas medidas de recuperação, dada a divergência entre ato negocial ou prestação jurisdicional.

Pode-se dividir a recuperação extrajudicial em duas fases, sendo a primeira relativa à negociação de um plano de recuperação entre o devedor e seus credores, sem a participação do Poder Judiciário. Já a segunda fase relaciona-se à homologação judicial do plano. Na recuperação extrajudicial meramente homologatória, basta o devedor juntar à petição inicial a justificativa e o documento contendo os termos e condições do plano de recuperação, com as assinaturas dos credores. Já na recuperação extrajudicial impositiva, além desses requisitos, o devedor deve demonstrar sua situação patrimonial, as demonstrações contábeis, entre outros. Verificados esses requisitos, o juiz determina a publicação do deferimento do processamento recuperação extrajudicial em edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação. Além disso, o devedor deve comprovar o envio de carta a todos os credores, informando a distribuição do pedido, as condições e o prazo para impugnação (art. 164, caput e §1º). Os credores têm trinta dias para oferecer impugnações, sendo que a Lei restringe as matérias impugnáveis, e o devedor deve se manifestar sobre isso em cinco dias (art. 164, §§2º, 3º e §4º). Em seguida, o juiz deve decidir sobre a homologação no prazo de cinco dias (art. 164, §5º). No caso de haver prova de simulação de créditos ou vicio de representação dos credores, ocorre indeferimento do pedido de homologação (art. 164, §5º). Deferido o pedido de homologação, o plano passa a vigorar, e a sentença de homologação constitui título executivo judicial. Ou seja, se alguém descumprir do plano, será cobrada nos termos do plano homologado.

Por fim, quanto à utilização da recuperação extrajudicial por microempresas e empresas de pequeno porte para solucionar eventuais crises econômico-financeiras, pode-se inferir que a LRF abriu possibilidade para que isso ocorra, uma vez que não realizou qualquer tipo de restrição no art. 48, apesar de a Lei versar expressamente apenas sobre a recuperação judicial para essas empresas, dentro da Seção V do Capítulo III. Entretanto, de acordo com Verçosa, esses empresários deverão recorrer a um plano de recuperação passível de homologação judicial. Para o autor, o legislador deveria ter previsto algum tipo de assistência institucional para o microempresário e o empresário de pequeno porte, tendo em vista as diversas dificuldades práticas que encontram para organizar um plano adequado, além da fragilidade econômica e jurídica para negociar com seus credores.

De acordo com Domingues, as microempresas e empresas de pequeno porte são muito sensíveis a qualquer abalo de seu crédito no mercado. Por causa disso, caso a crise ganhe publicidade, logo a empresa passa a enfrentar problemas operacionais, uma vez que os fornecedores passam a exigir o pagamento à vista. Além disso, a autora afirma que os clientes passam a fazer pedidos menores e buscar novos fornecedores, com o receio de que a crise da empresa aumente de forma a impedir o cumprimento dos prazos de entrega ou adimplir a venda.

A recuperação extrajudicial seria favorável às micro e empresas de pequeno porte para a renegociação do passivo derivados de contratos de empréstimos, incluindo-se aí os bancos e fornecedores. Isso porque as dívidas dessas empresas têm duas origens principais: contratos bancários (como cheque especial e empréstimos) e pagamento de direitos trabalhistas (como salários, férias, FGTS etc.), sendo que estes, por sua vez, não podem ser contemplados pelo plano de recuperação extrajudicial. Assim, Domingues acredita que a recuperação extrajudicial deve ser a modalidade a ser eleita pelas microempresas e as empresas de pequeno porte sempre que surgirem rumores no mercado quanto à liquidez e os débitos forem de natureza abarcada por esse meio de superação da crise. Finalmente, lembra que quando há adesão pela totalidade de credores de uma classe ou grupo e não há previsão de alienação de filiais ou unidades produtivas, a homologação judicial é facultativa e só deve ser requerida quando os credores a exigirem, posto que leva ao gasto de recurso que poderia ser utilizado para o pagamento de um débito.

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3.1 Requisitos legais da recuperação extrajudicial    

Ainda que sejam duas as modalidade de recuperação extrajudicial, quais sejam, a meramente homologatória e a impositiva, existem requisitos legais comuns a serem observados em ambas. Importante ressaltar que o devedor não precisa necessariamente preencher esses requisitos para simplesmente procurar seus credores e negociar uma saída para a sua crise, pois estando todos os envolvidos em concordância, assinam os instrumentos de novação ou renegociação, assumindo por livre manifestação da vontade obrigações cujo cumprimento deva levar à superação da crise do devedor, conforme enuncia Fábio Ulhoa Coelho. Assim, os requisitos legais devem ser obrigatoriamente preenchidos somente nos casos em que o devedor deseja levar o plano à homologação judicial.

Antes de analisar os requisitos subjetivos, ressalta-se a necessidade de enquadramento do devedor ao artigo 1º da LRF. Isso significa que o devedor deve ser ou empresário individual, ou sociedades empresárias, ou então uma EIRELI. Além disso, não deve estar no elenco do art. 2º da Lei.

Quanto aos requisitos subjetivos, relativos à pessoa do devedor, o primeiro requisito subjetivo a ser atendido pelo devedor para a homologação do plano de recuperação extrajudicial é estar sujeito aos efeitos da falência, ou seja, ser empresário e não ser considerado como exceção pelo art. 2º da LRF. Além disso, o devedor não pode estar sob a proibição de pleitear concordata.

Além disso, o art. 161 da Lei dispõe que é preciso que o devedor preencha aos requisitos também exigidos pelo art. 48 da Lei para a recuperação judicial. Portanto, o devedor deve exercer atividade empresarial regularmente há, no mínimo, dois anos (art. 48, caput); não ser falido, ou seja já o tiver sido, que as obrigações tenham sido declaradas extintas por sentença transitada em julgado (art. 48, I); não ter sido condenado por crime falimentar, nem ter como sócio, administrador ou controlador pessoa condenada por crime falimentar (art. 48, IV). Além disso, o art. 161, §3º exige que o devedor não tenha nenhum pedido de recuperação judicial em curso, e também que não tenha pedido de recuperação, judicial ou extrajudicial, concedido há menos de 2 anos.

Existe uma discussão acerca da compatibilidade entre o número de requisitos subjetivos exigidos pela LRF e os valores contemplados pelo art. 47. Por um lado, há doutrinadores, como Silva Pacheco, que entendem que esses pressupostos têm o papel de evitar que um mesmo devedor descuidado se valha diversas vezes da recuperação extrajudicial, de maneira a se proteger outros valores distintos da preservação da empresa economicamente viável. Realmente, há requisitos importantes e que devem estar presentes ante a homologação do plano de recuperação, como o descrito pelo art. 48, caput, uma vez que é imprescindível a regularidade da empresa perante o registro de empresas e o exercício regular da atividade há mais de dois anos, em razão da função do controle de regularidade da inscrição empresarial. Mas, por outro lado, há autores, como Francisco Satiro Souza Junior, que veem como não só exagerado o número de requisitos subjetivos, mas a inadequação de alguns desses requisitos ao princípio da empresa viável e aos objetivos do instituto da recuperação extrajudicial, como por exemplo, a exigência do art. 161, §3º, em relação ao prazo de dois anos após a obtenção de recuperação judicial ou homologação judicial de plano de recuperação extrajudicial.

Ainda é criticável a referência do art. 161, que trata de recuperação extrajudicial, ao art. 48, que, por sua vez, dispõe sobre a recuperação judicial, o que acaba por fazer com que institutos tão distintos sejam tratados de forma igual quanto aos requisitos objetivos, a despeito das peculiaridades da forma extrajudicial, que exige maior celeridade e procedimento simplificado.

Além dos requisitos subjetivos, a LRF exige cumprimento de requisitos objetivos, relativos ao plano acordado entre o devedor e os credores por ele afetados. Francisco Satiro de Souza Junior faz referência a seis requisitos objetivos: i) viabilidade econômico-financeira (art. 162); ii) impossibilidade de contemplação de pagamento antecipado de qualquer dívida (art. 161, §2º); iii) impossibilidade de tratamento mais benéfico aos aderentes em relação aos demais credores, ou seja, tratamento igualitário, sendo vedado o favorecimento ou desfavorecimento de alguns (art. 161, §2º); iv) anuência expressa do credor com garantia real para alienação do bem garantidor ou para supressão ou substituição de garantia real (art. 163; §4º); v) previsão de prática de atos considerados caracterizadores do estado de falência, elencados pelo art. 94, III, ou atos com a intenção de prejudicar aos credores, dispostos no art. 130 (art. 164, §3º, II); e vi) conformidade com preceitos legais, inclusive da LRF (art. 164, §3º, II e III).

Passando a uma análise mais detida de alguns desses requisitos, temos que, em primeiro lugar, o plano deve ser justificável nos aspectos econômicos e financeiros. Ressaltamos aqui a ideia de que o plano de recuperação extrajudicial é muito menos abrangente do que o de uma recuperação judicial, uma vez que não se presta a apresentar uma solução global para solucionar os problemas financeiros do empresário, mas somente a conciliar as necessidades financeiras, disponibilidade de caixa e as exigências dos credores, trazendo respostas a questões pontuais.

Já em relação requisito que impede o tratamento desfavorável aos credores não sujeitos ao plano, isso pode ser relativizado (e não excluído) na modalidade homologatória, tendo em vista a aceitação pela totalidade dos credores, o que vai de acordo com a preservação da autonomia privada. Já na modalidade impositiva, isso não é possível, pois é preciso garantir que nenhum credor dissidente se sujeite a condições menos benéficas que aqueles da mesma classe ou grupo que aderiram voluntariamente ao plano.

Outros requisitos objetivos também são considerados por diferentes autores, o que aumentaria ainda mais a lista de exigências para a submissão à recuperação extrajudicial homologatória e poderia obstaculizar a busca por esta solução por parte do devedor. Por exemplo, o art. 163, §1º exige que o plano contemple exclusivamente os créditos constituídos até a data do pedido de homologação. E o art. 163, §5º traz que o plano de recuperação só pode estabelecer o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira se contar com a anuência expressa do respectivo credor.

Destaca-se que não são impedimentos para homologação do plano de recuperação a existência de pedido prévio de falência contra o devedor ou de protestos, o não pagamento de obrigações líquidas e exigíveis em seu vencimento ou a comprovação de solvabilidade ou de existência de ativos que garantam percentualmente o cumprimento das obrigações assumidas.

3.2 O plano de recuperação extrajudicial

Quanto ao conteúdo do plano de recuperação, o legislador brasileiro, pelo disposto na LRF, deu ampla permissão ao devedor quanto às formas de renegociação de dívidas, dando estímulo às soluções de mercado e ao exercício da autonomia privada na recuperação extrajudicial. Assim, é possível o devedor se valer de qualquer instituto existente no direito pátrio, como a compensação, a transação, a remissão, a cessão de bens e de direitos, o desmembramento da atividade empresarial, a cessão de créditos e/ou débitos, a dação em pagamento, além de instrumentos do mercado de capitais, como a emissão de valores mobiliários, mas com a diferença de que o acordo é negociado coletivamente com os credores, e não de forma isolada com cada um deles.

Sobre as restrições ao conteúdo do plano, novamente, em relação ao §2º do art. 161 da LRF, que diz respeito à vedação de pagamento antecipado das dívidas e de tratamento diferenciado aos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial, esse dispositivo deve ser interpretado de maneira mais flexível, dando permissão ao devedor de realizar propostas em condições distintas de acordo com a necessidade de cada caso concreto. Não há sentido em se interpretar o §2º no sentido absoluto de tratamento igualitário entre todos os credores, especialmente na hipótese em que a adesão ao plano foi unânime.

Outra restrição refere-se à alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas, nos termos do art. 166 da Lei, pois sendo essa hipótese abarcada pelo plano de recuperação extrajudicial, o devedor fica obrigado a requer sua homologação judicial, além de a alienação ser obrigatoriamente realizada por hasta pública, ou seja, por leilão, propostas fechadas ou pregão, nos moldes do art. 142, que trata de alienação de ativo do falido. Domingues entende que o art. 166 contraria a ideia de facilidade negocial e processual que deve pautar a recuperação extrajudicial, uma vez que o procedimento de hasta pública é demorado e tem alto custo. A autora atenta para o fato de que essa limitação ocorre apenas para a alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas, os demais bens do ativo do devedor podem ser livremente negociados no plano de recuperação, incluindo-se aí bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos (como marcas e patentes). Logo, é possível que o devedor se utilize, por exemplo, da dação em pagamento de seus bens em favor de alguns credores, ou até mesmo aliá-los a terceiros, a fim de obter capital para pagamento dos credores ou de despesas gastas na manutenção da empresa durante o período da recuperação.

A autora observa que o legislador não teve o cuidado de apartar os riscos de uma eventual ação revocatória, o que acaba por deixar o negócio suscetível à declaração de ineficácia prevista pelo art. 129, caso seja declarada a falência do devedor. Portanto, defende que o melhor seria afastar os riscos da ação revocatória, e então estimular soluções de mercado e também a aumentar o leque de formas de negociações em segurança jurídica ao devedor e aos credores.

Ademais, Domingues critica o descuido do legislador em não se manifestar expressamente sobre o afastamento do adquirente da sucessão nas obrigações do devedor para a recuperação extrajudicial. De acordo com a autora, a interpretação sistêmica da LRF permitiria a aplicação analógica dos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II, relativos à falência e a recuperação judicial, respectivamente, de tal forma que o adquirente também ficaria livre da sucessão na recuperação extrajudicial. Entretanto, o problema encontra-se na modificação realizada pela Lei Complementar n. 118/2005 no art. 133 do Código Tributário Nacional, que buscou adequá-lo à LRF, afastando a sucessão fiscal na falência e na recuperação judicial, mas não na recuperação extrajudicial. Consequentemente, alguns autores propugnam pela aplicação dos artigos 1.144 a 1.149 do Código Civil, impondo ao adquirente a sucessão nas obrigações do devedor, inclusive tributárias, trabalhistas e previdenciárias, o que é mais um incentivo para que o devedor opte pela recuperação judicial ao invés da extrajudicial.

A recuperação extrajudicial, no tocante aos tipos de créditos, abrange tão somente aqueles com garantia real, com privilégio especial, com privilégio geral, quirografários e subordinados. Observa-se que não existe necessidade de que o plano abranja todos eles, podendo selecionar apenas alguns tipos, mas é preciso dar obediência ao §2º do art. 161 da LRF.

No entanto, de acordo com o art. 161, §1º, da LRF, a recuperação extrajudicial não se aplica a: créditos tributários; créditos trabalhistas; créditos decorrentes de acidente de trabalho; créditos relativos a dívidas com garantia fiduciária de bens móveis ou imóveis, arrendamento mercantil, compra e venda de imóveis cujo contrato contenha cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, incluindo-se incorporações imobiliárias, ou compra e venda com reserva de domínio, nos casos em que prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais na forma da legislação específica, não se permitindo somente a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade profissional (art. 49, §3º); e créditos referentes a importâncias entregues ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio (ACC), na forma do art. 75, §§3º e 4º da Lei n. 4.728/1965, desde que o prazo total da operação não ultrapasse o previsto nas normas específicas do Banco Central do Brasil (art. 86, II).

A despeito desta previsão do art. 161, §1º, da LRF, o devedor pode firmar um plano de recuperação com qualquer tipo de credor, desde que o credor concorde com o plano e que não exista qualquer óbice legal. A maior parte da doutrina, como Manoel Justino Bezerra Filho, Fábio Ulhoa Coelho e Domingues explica que, na verdade, este dispositivo não proíbe a proposta de recuperação aos credores excluídos pelo artigo em questão, se eles concordarem com o plano de recuperação poderão ser incluídos nele. Já se não concordarem, não serão atingidos pela obrigatoriedade do art. 163. Ou seja, a restrição feita a tais credores ocorre somente em relação à homologação judicial do plano, e não a um eventual acordo privado entre o devedor e credores elencados no §1º do art. 161, com exceção do credor de dívida tributária.

Por outro lado, Verçosa não deixa de criticar tal exclusão de créditos, afirmando que o modelo de recuperação extrajudicial adotado pela Lei 11.101/2005 falhou ao seguir o modelo da antiga concordata e, consequentemente, não abarcar os créditos referidos no art. 161, §1º, ou seja, detentores de créditos decorrentes de contratos de arrendamento mercantil, de adiantamento de contrato de câmbio, de compra e venda com reserva de domínio e de alienação fiduciária. Além disso, a versão do Projeto de Lei aprovada pela Câmara dos Deputados previa somente a exclusão de créditos tributários, trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho, sendo, portanto, um texto que garantia ao devedor uma maior amplitude subjetiva nas negociações e soluções de mercado, uma vez que permitia a imposição do plano à minoria de dois quintos dos credores hoje excluídos pelo §1º do art. 161 da Lei.

Elias Katudjian critica a exclusão dos créditos detidos pelas instituições financeiras, uma vez que elas detêm direitos de propriedade sobre bens essenciais à atividade e à capacidade produtiva do devedor, além de serem praticamente imunes à recuperação judicial e extrajudicial, podendo recorrer outros instrumentos processuais que acabam por impedir o desenvolvimento da recuperação do devedor, como a busca e apreensão e a reintegração de posse. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “não há hipótese em que seu crédito seja alterado conta a sua vontade, mesmo que a alteração fosse essencial à superação da crise do devedor”.

Já Manoel Justino Bezerra Filho, ao tecer críticas à LRF, explica que, embora a Lei seja resultado do sentimento médio da população em determinado momento, há determinados “setores da população que fazem com que suas vozes sejam ouvidas de maneira mais determinante”. No caso da elaboração da LRF, num dado momento, o setor bancário passou a pressionar o Legislativo para que seus interesses fossem garantidos. Passou-se, então, a haver uma maior preocupação com o retorno do capital financeiro às instituições financeiras, em detrimento da busca por condições de recuperação das empresas em crise. Assim, de acordo com Bezerra Filho 305:

“Objetivou-se, dentro do espírito de defesa do capital financeiro e do fisco, mesmo que à custa da recuperação da empresa, criar uma “blindagem” em favor de tais credores. Aliás, esse espírito que permeia toda esta legislação é que será a causa certa de dificuldade – ou até de óbice – para a recuperação das empresas”.

Enfim, esta é uma questão polêmica e desperta interesses diversos, ficando evidente que é prejudicial aos objetivos da própria recuperação. Afinal, nos moldes atuais, a LRF acaba por privilegiar essa classe de credores, de modo que não precisam ceder ou negociar em favor da coletividade de credores e da própria recuperação do devedor.

3.3 Procedimento de homologação judicial

Quanto à homologação do plano de recuperação extrajudicial, oportuno se faz mencionar a discussão doutrinária quanto à sua obrigatoriedade ou não.

De um lado, autores como Coelho e Domingues defendem que a homologação não é obrigatória, uma vez que, para simplesmente negociar com os credores uma saída para a crise da empresa, o devedor não precisa preencher nenhum requisito, de modo que não precisa homologar o acordo firmado para que deles surjam efeitos.

De outro, há autores que entendem que a homologação judicial, na modalidade do art. 162 da LRF, é facultativa apenas do ponto de vista “negocial”, pois, nesse caso, o devedor já teria logrado êxito na negociação com seus credores; mas é obrigatória no sentido de configuração jurídica do instituto da recuperação extrajudicial, ou seja, “enquanto não se levar o plano para homologação em juízo, ainda que haja adesão de todos os credores, não existirá recuperação extrajudicial regida pelo direito falimentar, mas apenas um acordo privado, regido pelo Código Civil”. Esse entendimento, portanto, parece repousar na diferenciação entre a recuperação extrajudicial e os acordos privados.

Todavia, não concordamos com essa segunda corrente apresentada, isto é, entendemos a homologação como sendo uma faculdade, de maneira que o devedor, optando por um acordo extrajudicial, pode escolher entre homologar judicialmente o plano ou não. O papel da homologação é, portanto, o de legitimar o acordo e de conferir maior segurança jurídica às partes, posto que o juiz passa a verificar o cumprimento dos requisitos legais. Observa-se que isso se aplica tão somente quando a totalidade dos credores subscreverem ao plano (art. 162), pois quando a adesão não for unânime, o devedor apenas poderá impor o plano a uma minoria dissidente a partir da homologação judicial. Nesta hipótese, como explica Domingues a não homologação faz com que o plano seja um mero acordo coletivo privado, obrigatório apenas para os credores que o subscreveram.

Importante destacar que cabe apenas ao devedor a iniciativa quanto à proposição de um plano de recuperação extrajudicial, bem como a legitimidade para requer a homologação desse plano. Ocorre que essa não é a melhor alternativa a viger em nosso sistema concursal. Originariamente, a iniciativa e a legitimidade eram dadas aos credores, mas foram retiradas ao longo do trâmite do Projeto de Lei. Em primeiro lugar, isso é ruim porque muitas vezes o devedor demora a reagir à crise e a tomar as medidas necessárias para superá-la, de modo que quando o faz, já é tarde e seus negócios encontram-se mais fragilizados e com maior endividamento. Isso torna mais difícil, demorado e custoso o procedimento de recuperação. Em segundo lugar, porque o legislador não se manifestou expressamente sobre a legitimidade ativa na recuperação extrajudicial em relação às pessoas que assumem direitos de gestão e de titularidade da empresa pertencente a um devedor morto, diferentemente do que fez com a recuperação judicial. Contudo, quanto a essa questão não há motivo para grandes preocupações, uma vez que a doutrina afirma ser possível a aplicação do parágrafo único do art. 48 da Lei à recuperação extrajudicial.

Na hipótese de recuperação extrajudicial meramente homologatória, existe o risco de desistência do credor à adesão do plano de recuperação após distribuição do seu pedido de homologação. Neste caso, Fábio Ulhoa Coelho leciona que não é possível a desistência do devedor ao plano de recuperação extrajudicial após o pedido de homologação judicial, salvo nos casos em que o devedor e todos os demais credores concordem, nos termos do §5º do art. 161 da LRF. Isso porque o autor entende que a “anuência do devedor e de todos os credores é condição para a existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano deve sempre ser considerado em sua integralidade”. Sendo o plano resultado de uma negociação, qualquer alteração nos elementos que o compõem pode afetar outros direitos e obrigações nele contidos ou até mesmo comprometer o sucesso do plano. O autor ainda reforça esse entendimento ao afirmar que não há sentido em se interpretar o dispositivo no sentido de que até o pedido de homologação o credor pode livremente desistir da adesão ao plano, pois o objetivo da lei seria acrescentar uma condição para a existência, validade e eficácia da desistência realizada após a distribuição do pedido de homologação judicial do plano. Ou seja, não podendo o credor desvincular-se do plano sem a anuência dos demais signatários, prevalece o plano.

A homologação do plano de recuperação extrajudicial não interfere na administração da sociedade empresária ou do empresário, nem na livre disposição dos bens do devedor, que continua a administrar os seus bens, resguardas e eventuais restrições voluntárias decorrentes de aspectos do plano. Não há nomeação de um administrador judicial e também não há formação de um Comitê de Credores. A organização dos credores sujeitos ao plano ou dos demais credores é uma faculdade não contemplada na LRF. No mais, uma vez que sujeita somente os credores signatários do plano ou os demais do mesmo grupo ou classe, nos termos do art. 163, não há necessidade de habilitação de créditos, tampouco a formação de uma Assembleia Geral de Credores, de acordo com Souza Junior.

Quanto aos efeitos resultantes da homologação do plano de recuperação extrajudicial, a LRF dispõe sobre aqueles operados tanto na forma pretérita, como após a homologação. Em regra, os efeitos do plano somente são produzidos após a homologação (art. 165, caput). Todavia, os parágrafos 1º e 2º do art. 165 da Lei são excepcionais e tratam de efeitos pretéritos, ou seja, anteriores à homologação, relativos apenas à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários. Caso não se verifique a homologação, as partes retornam à situação inicial, abatendo-se os valores pagos durante o curso do processo. Esses efeitos pretéritos aplicam-se tanto à homologação meramente homologatória quanto à impositiva. Para qualquer outro tipo de alteração, como garantia pactuada no acordo ou alienação de bem dado em garantia, e para os créditos daqueles que não aderiram ao plano, os efeitos são posteriores à homologação judicial apenas.

Já em relação aos os efeitos pós-homologação, a sentença homologatória constitui o plano em título executivo judicial (art. 161, §6º). Paiva ressalta que no caso de não se operar a homologação do plano, a liberação dos credores aos termos do acordo depende de uma questão contratual. Ou seja, deve-se verificar se há cláusula que preveja a homologação como condição resolutiva, ou que disponha que o efeito de novação à simples adesão ao plano, ou que enuncie que a novação ocorrerá com a homologação ou adesão de um determinado percentual de créditos. Domingues vai além e afirma que ainda que o plano de recuperação não venha a ser homologado, os credores signatários já estão vinculados a ele por ser ele um contrato privado, plurilateral, devendo ser cumprido e regido mediante as regras do Código Civil sobre obrigações e contratos em geral, bem como passa a constituir o plano de recuperação um título executivo extrajudicial.

Tendo em vista as duas modalidades de recuperação extrajudicial, Luiz Fernando Valente Paiva observa que a principal vantagem que a modalidade de recuperação extrajudicial meramente homologatória seria a proteção dada ao acordo homologado em âmbito judicial contra eventuais ações revocatórias ou declarações de ineficácia de atos previstos no plano, exceto no caso de fraudes. Ocorre que, infelizmente, esse benefício foi retirado do texto do Projeto de Lei que deu origem à Lei n. 11.101/101 quando do seu trâmite no Senado Federal, o que acabou por diminuir a proteção dada às negociações realizadas em âmbito extrajudicial.

Consequentemente, isso desestimula a celebração desse tipo de acordo por parte dos devedores que necessitam de um processo de recuperação rápido e de menor custo, e como afirma Francisco Satiro de Souza Junior, isso “pode inviabilizar a construção de arrojados planos que envolvam toda a empresa”. Na prática, no caso de uma renegociação de dívida, é bastante comum que o credor somente aceite a dilação dos prazos e novas condições de paramento da dívida em troca de garantias. E, não raro, o devedor oferece bens em pagamento aos credores, especialmente quando encontra dificuldades em transformar seu patrimônio imobilizado em dinheiro. Nestes casos, muitas vezes os credores não querem correr o risco de eventuais futuras ações revocatórias, receio este que os faz desistir de celebrar o acordo com o devedor.

Logo, sem alternativa, o devedor é forçado a se valer da recuperação judicial, mais lenta e custosa. Sem dúvidas, o fato de a recuperação extrajudicial não suspender direitos, ações, execuções, nem os pedidos de falência contra o devedor, exceto quanto aos signatários do plano até sua homologação (art. 161, §4º), é a principal crítica feita pela doutrina em relação ao instituto da recuperação extrajudicial nos moldes da LRF. Sendo assim, a única vantagem da recuperação extrajudicial meramente homologatória frente aos demais acordos privados consiste na constituição da sentença homologatória do plano em título executivo judicial, o que passa a reduzir o número de matérias passíveis de embargos em uma futura execução. Todavia, a existência desse benefício isoladamente é um estímulo muito pequeno para que a recuperação extrajudicial seja largamente utilizada.


4 CONCLUSÃO

A LRF trouxe diversas inovações positivas em relação ao diploma falimentar anterior, o Decreto-lei n. 7.661/1945. Uma delas foi a criação da recuperação extrajudicial que, juntamente à conhecida recuperação judicial, tem como objetivo fundamental a superação de uma crise econômico-financeira de um devedor empresário, em consonância ao princípio da manutenção da empresa viável, posta sua importante função social para o país.

A recuperação extrajudicial insere o Brasil num contexto internacional que tende ao reconhecimento de maior autonomia do devedor e dos credores em negociarem entre si um acordo que possibilite a superação da crise, com uma intervenção mínima de um órgão judicial neste procedimento. Conforme se verificou, diversos países reformaram suas legislações a fim de permitir essa prática entre o devedor e seus credores. Ademais, importantes organismos internacionais publicaram diretrizes nesse sentido, reforçando a ideia de que se faz fundamental que a legislação de cada país promova um ambiente propício a essas negociações, que já vinham ocorrendo há tempos na prática no Brasil, ainda que proibidas pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

Oportuno registrar que entendemos que a recuperação extrajudicial se presta não a superar crises mais intensas e a elaborar planos de reestruturação profunda como faz a recuperação judicial, mas a solucionar problemas pontuais com a colaboração de determinados grupos ou classes de credores, de forma mais célere e simples e menos custosa. É por isso que não é possível comparar ambos os institutos, sendo que se propõem a objetivos distintos e em situações distintas.

Também não é um instituto igual aos acordos privados celebrados entre devedor e credores, como alguns podem entender, em razão de seus objetivos, conforme se verificou neste estudo. Ademais, a recuperação extrajudicial é um instituto capaz de oferecer a segurança jurídica necessária ao mercado, tendo em vista a homologação judicial dos termos acordados. Ou seja, o magistrado não fica permitido a oferecer soluções, mas pode oferecer segurança jurídica por meio de homologação.

Dessa maneira, entendemos que, se de um lado a recuperação extrajudicial é um instituto positivo dentro do direito concursal e que valoriza a iniciativa dos particulares, a dinâmica do mercado e o menor custo, por outro, pudemos verificar que a disciplina atual está inadequada aos objetivos institucionais, falhando ao tratar das crises dos devedores. Diversas críticas em relação às técnicas legislativas fazem com que, na prática, seja essa modalidade praticamente inutilizável.

Contudo, entendemos que a disciplina do instituto pode ser aperfeiçoada e o uso da recuperação extrajudicial estimulada no direito brasileiro, com a busca, pelo devedor, de mecanismos preventivos à crise econômica e superação do estigma que existe com relação ao devedor falido.

Esperamos que estejam errados aqueles que consideram que a recuperação extrajudicial está fadada ao fracasso, e que as alterações sugeridas neste estudo sejam concretizadas a fim de incentivar devedores e credores a recorrerem a esse instituto. Assim, a realidade atual poderá ser transformada positivamente, de forma que o sistema concursal brasileiro seja beneficiado com a recuperação extrajudicial.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEVILAQUA, Newton. Recuperação extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5475, 28 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65898. Acesso em: 22 dez. 2024.

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