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Dano moral em razão da perda do tempo útil: análise de decisões judiciais

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4. DECISÕES JUDICIAIS

No ano de 2012, a Quinta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar o Recurso Inominado nº 0025024-89.2009.8.19.0202[3], condenou uma empresa a indenizar os danos morais sofridos por um morador que teve o telhado e a fiação da energia elétrica da sua residência destruídos, em razão de um acidente provocado por um caminhão de propriedade da ré.

Conforme consta da decisão, os danos morais restaram configurados porque, em razão do acidente, o autor fora privado dos serviços de energia elétrica e de telefonia, ao passo que a empresa ré, ao invés de solucionar de maneira simples o problema que causou, manteve-se inerte até a propositura da ação judicial, acarretando perda de tempo útil ao autor e contrariando os deveres de cooperação e zelo.

A Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2012, através do julgamento da Apelação Cível nº 0001210-29.2006.8.19.0210[4], condenou uma empresa concessionária de serviço público a pagar danos morais a um morador que teve o muro da sua residência destruído por um ônibus da referida empresa.

Decorridos mais de sete anos da data do acidente, a empresa se recusou a fazer os reparos devidos, apesar de o morador ter apresentado orçamentos, e de o problema ser de fácil solução. Por tal razão, o Tribunal entendeu que a condenação em danos morais, além de compensar o tempo útil perdido pelo morador, possui também caráter punitivo, com vistas a evitar a reiteração da conduta por parte da empresa ré.

Ainda no ano de 2012, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar a Apelação Cível nº 0000884-57.2011.8.10.0028[5], baseou-se na perda do tempo útil para condenar uma empresa fornecedora de automóveis ao pagamento de danos morais ao antigo proprietário de um veículo.

Isso porque a referida empresa adquirira um veículo, mas, decorrido um ano e dois meses desde a celebração do negócio, deixou de regularizar a titularidade do automóvel perante o Departamento Estadual de Trânsito.

Em virtude de tal comportamento, o antigo proprietário foi surpreendido com o recebimento de uma notificação de infração de trânsito, apesar de o veículo não mais lhe pertencer, e, por conseguinte, viu-se obrigado a perder o seu tempo útil em sucessivas tratativas para solucionar o problema, ao passo que a empresa, mesmo após detectar a falha na prestação do serviço, não procedeu à imediata solução do problema.

Em 2013, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento à Apelação Cível nº 0001846-31.2011.8.19.0206[6] para condenar empresas fornecedoras ao pagamento de danos morais a uma consumidora que gastou o seu tempo útil, por cerca de quatro meses, com tentativas frustradas de solucionar problemas apresentados por um aparelho de televisão.

O mesmo órgão julgador, através do julgamento da Apelação Cível nº 0021431-38.2010.8.19.0066[7], também em 2013, manteve a condenação sofrida pelo Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran-RJ), consistente no pagamento de danos morais a um cidadão que sofrera perda de tempo útil, frustração e aborrecimentos em razão de informações e orientações mal prestadas pela Administração Pública durante o procedimento de reabilitação da sua Carteira Nacional de Habilitação.

A Quinta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no ano de 2013, deu provimento ao Recurso Inominado nº 0004574-71.2013.8.19.0207[8] para condenar uma empresa de telefonia a pagar indenização por danos morais decorrentes da perda de tempo útil experimentada por uma consumidora para realizar reclamações junto à empresa, que permaneceu inerte na solução do problema.

No julgamento do Recurso Inominado nº 0017642-98.2012.8.19.0021[9], o mesmo órgão julgador, no ano de 2013, condenou uma instituição financeira ao pagamento de danos morais a um correntista.

Neste caso, os danos morais decorreram da perda do tempo útil sofrida pelo correntista na tentativa de obter junto ao banco o estorno de cobrança referente a transações bancárias desconhecidas, realizadas por meio de cartão de crédito nunca recebido por ele.

Em 2014, o mesmo órgão colegiado deu provimento ao Recurso Inominado nº 0001846-31.2011.8.19.0206[10] para condenar uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais à vítima de um acidente de trânsito.

Segundo consta da decisão, a vítima do acidente percorreu uma verdadeira “via crucis” extrajudicial na tentativa de obter a restituição dos valores gastos junto à empresa, isto é: a vítima vivenciou uma situação que extrapolou a esfera do razoável e que configura dano moral indenizável, em consequência da perda do tempo útil experimentada.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 2014, deu provimento ao Recurso Especial nº 1.443.268/DF[11] para condenar uma empresa distribuidora de veículos ao pagamento de danos morais a um consumidor que, após adquirir um veículo zero quilômetro, necessitou leva-lo à oficina mecânica por diversas vezes, em razão de reiteradas panes apresentadas pelo produto.

No julgamento do Recurso Inominado nº 0340128-64.2012.8.19.0001[12], a Quinta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2014, condenou uma instituição de ensino a indenizar um estudante pelos danos morais decorrentes da indevida negativa de emissão de certificado de conclusão de curso.

Segundo a decisão, o dano moral constituiu-se in re ipsa, por consequência lógica da perda de tempo útil experimentada pelo estudante, que desde o ano de 2010 realizou reclamações junto à instituição de ensino, permanecendo esta inerte na solução do problema e privando estudante de um requisito essencial para o exercício de sua profissão.

A Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, no ano de 2014, negou provimento ao Agravo na Apelação Cível nº 0321609-9[13] e manteve a condenação em danos morais a ser paga a um consumidor pela Companhia Energética de Pernambuco (Celpe).

Conforme consta do acórdão, para tentar solucionar débitos que lhe foram erroneamente imputados, o consumidor manteve tratativas infrutíferas com a companhia de energia elétrica durante três meses, o que lhe ocasionou a perda de seu tempo útil e, consequentemente, danos morais indenizáveis.

No ano de 2016, a Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através do julgamento da Apelação Cível nº 1.0452.13001988-1/001[14], condenou uma empresa organizadora de eventos esportivos a pagar indenização a quatro torcedores que não conseguiram entrar em uma arena esportiva.

Segundo consta dos autos, os torcedores, embora tenham comprado os ingressos e chegado cinco horas antes do início da partida de futebol, não conseguiram entrar no estádio por falha dos serviços da empresa ré, o que corresponde a uma falha no serviço que provoca a perda considerável do tempo útil do consumidor, ensejando reparação por dano extrapatrimonial.

Em 2017, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Recurso Especial nº 1.662.808/MT[15] interposto pelo Banco do Brasil, mantendo, por unanimidade, a condenação por danos morais a ser paga pela instituição financeira a um consumidor que passou mais de duas horas em uma fila de espera de uma agência bancária.

Segundo o acórdão de julgamento, a espera por atendimento em fila de banco, quando excessiva ou associada a outros constrangimentos, é capaz de ensejar condenação por danos morais.

Ainda no ano de 2017, a Terceira Turma do STJ negou provimento ao Agravo em Recurso Especial nº 1.132.385/SP[16], através de decisão monocrática do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, mantendo a condenação por danos morais a ser paga por um provedor de internet a uma consumidora.

A decisão do Ministro Relator, baseada na teoria do desvio produtivo do consumidor, concluiu que a falta de pronta solução ao vício apresentado pelo serviço fez com que a consumidora necessitasse se afastar “da sua seara de competência” para tratar do problema, que deveria ter sido solucionado administrativamente pela fornecedora, o que fez surgir dano moral indenizável.

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Em 2018, o mesmo órgão julgador, através de decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio Bellizze, conheceu do Agravo em Recurso Especial nº 1.260.458/SP[17] para rejeitar o Recurso Especial interposto pelo Banco Santander, mantendo a condenação desta instituição financeira ao pagamento de danos morais a uma correntista, com base na teoria do desvio produtivo do consumidor.

De acordo com o Ministro Relator, restou evidenciado nos autos que a consumidora sofreu dano moral por ter sido submetida a verdadeiro “calvário”, durante três anos, para que obtivesse o estorno de encargos bancários indevidos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente trabalho, viu-se que os danos morais, cujas definições doutrinárias e jurisprudenciais são no sentido de relacioná-lo à ideia de lesão a direito da personalidade ou a um interesse existencial merecedor de tutela, têm a sua reparabilidade prevista expressamente na Constituição da República, no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil.  

Para a condenação por danos morais, não se faz necessária a comprovação do estado psicológico de dor, mágoa ou sofrimento por parte da vítima, devendo ser considerado, na condenação, as condições pessoais da vítima e do agressor, levando-se em conta o caráter reparador, pedagógico e punitivo da indenização.

O artigo também abordou a tríplice função da boa-fé objetiva, no sentido de: i) representar norma de interpretação e integração dos contratos; ii) limitar o exercício de direitos subjetivos, evitando o abuso de direito; iii) servir como fonte de direitos e obrigações para os sujeitos da relação contratual, criando os deveres anexos (ou laterais) dos contratos, tais como os deveres de cuidado, respeito, informação, confiança, lealdade e probidade, colaboração ou cooperação, honestidade, razoabilidade, equidade, transparência, aconselhamento e segredo.

Nesse sentido, vem a calhar o Enunciado nº 411 da V Jornada de Direito Civil, segundo o qual o “descumprimento de contrato pode gerar dano moral quando envolver valor fundamental protegido pela Constituição Federal de 1988”.

Destarte, os tribunais pátrios vêm admitindo a reparação civil de danos morais pela perda do tempo útil (ou livre) quando os consumidores são compelidos a sair de sua rotina para solucionar problemas enfrentados em relações de consumo, causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores de produtos ou serviços, sempre que evidenciadas situações intoleráveis de mau atendimento, desídia e desrespeito.

Assim, o atual posicionamento da jurisprudência sobre o tema se mostra compatível com a constitucionalização do Direito Civil, que apregoa a eficácia horizontal dos direitos fundamentais para possibilitar a efetiva proteção da pessoa humana no ordenamento jurídico.

Nesse aspecto, cabe referir o Enunciado nº 167 da III Jornada de Direito Civil, que, em referência aos artigos 421 a 424 do Código Civil (que tratam dos princípios da função social, probidade e boa-fé), chama a atenção para a proximidade principiológica existente entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil: 

167 – Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.

A título de conclusão, pode ser afirmado que o combate à usurpação do tempo útil do consumidor (ao reconhecer tal situação como capaz de ensejar um dano indenizável) é uma providência que vai ao encontro dos princípios da solidariedade, do devido processo legal e da proteção da confiança, evitando o abuso de direito e pautando as relações privadas com base nos paradigmas da eticidade, sociabilidade e operabilidade do Direito Civil.

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Sobre o autor
João Daniel Correia de Oliveira

Analista Judiciário, Área Judiciária. Especialização em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2022). Especialização em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale, FALEG (2021). Especialização em Direito Público Aplicado pelo Centro Universitário UNA em parceria com a Escola Brasileira de Direito, EBRADI (2019). Especialização em Direito Processual Civil pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC São Paulo (2019). Especialização em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - UNIDERP (2017). Graduação em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Daniel Correia. Dano moral em razão da perda do tempo útil: análise de decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5425, 9 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65959. Acesso em: 7 nov. 2024.

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