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Justiça, o lado moral na internet. Vítima da sociedade ou vitimismo? Parte II

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Crimes. Será possível justificar algum crime pela ideia de que o ato criminoso foi praticado por "vítima da sociedade"? Ou o ato em si é uma desculpa, injustificada, para se praticar crime?

O universo digital, nada distante da realidade do Homo Sapiens Sapiens Conflictus, permitiu vozes, sejam quais forem. Um mal, não; permite deliberar. O entendimento de um fato, quando é possível exprimir, ajuda na elaboração do próprio entendimento do locutor. Um ser humano isolado não possui capacidades para resolver tudo que surge em sua vida. Se assim fosse, não existiria instinto de grupo. Sendo cada ser humano possuidor de limites, a observação aos outros indivíduos permite comparar, repensar, reforçar, refutar, assimilar ideias e comportamentos. Geralmente, as grandes invenções da humanidade não nasceram de mentes isoladas, mas através de participações de várias mentes, mesmo não estando presentes. Mentes, no sentido de, a partir da possibilidade da comunicação oral e, posteriormente, a escrita, ampliação de conhecimento, em sua totalidade ou em fragmentos.

Nas redes sociais há pilhérias sobre "vítimas da sociedade". Para esses indivíduos, com esse pensamento, "vítima da sociedade" é estapafúrdia justificativa para tratar "vagabundo", "pilantra", "mau-caráter", como sendo possuidores de alguma dignidade. Cidadão bom é quem age sem lesar, jamais, a outra pessoa, pois, em si mesmo, há moral, ética, "vergonha na cara". Há coros de "Minha mãe criou dez filhos ela nunca precisou furtar ou roubar", "Nasci pobre, não é por isso que cometi crime".

Assim, o bom cidadão, a pessoa do bem, tem ética, moral, comportamento inabalável diante das circunstâncias externas; um deus com vontade determinada.

Miséria ou pobreza podem fazer com que uma pessoa cometa crime? As circunstâncias externas podem fazer com que se cometa crime?

Escravidão.

Ao escravo, o dever de trabalhar, de servir, de morrer sem dignidade. Ao escravocrata, o direito sobre o corpo propriedade do escravo. Se o escravo resolvesse agir em legítima defesa, mesmo assim, nenhum direito teria, por ser uma propriedade privada de seu senhor.

Povo indígena e colonização. Indígenas defendendo suas terras, porém, como não tinham cercas, os colonizadores não tiveram como mensurar os limites das terras indígenas. Dessa maneira, uma boa justificativa para os colonizadores se apoderarem das terras indígenas. Ou, então, a ideia de que indígenas eram como "crianças", seres humanos sem desenvolvimento da razão. Crime, o indígena que matasse o colonizador, este, civilizado, delimitou sua propriedade e, como sendo sua, ninguém pode adentrar sem o seu consentimento. O colonizador poderia matar em legítima defesa.

O rei monarca.

Sem muito o que fazer, o tédio em sua vida. Algumas ideias esdrúxulas para ocupar seu tempo ocioso, as faraônicas edificações. Em outros momentos, a personificação de sua grandiosidade em copos de cristais, torneiras de ouro. Ao camponês, obediência, trabalho árduo, sobras de sua produção, afinal, ao rei tudo pertencia, assim como sua irresponsabilidade.

Penso que até aqui é possível compreender sobre a falácia de que vítima da sociedade é uma pessoa sem caráter, sem vergonha na cara. Duas escravidões, nos EUA e no Brasil. Abolições. Aos ex-escravos afrodescendentes nos EUA, trabalhar nas terras de seus senhores mediante algumas moedas; aos ex-escravos afrodescendentes no Brasil, nenhum teto, sem empregos de seus ex-senhores escravocratas. Há uma justificativa: por exemplo, no Brasil, aos ex-escravos, a possibilidade de trabalhar vendendo nas vias públicas, o empreendedorismo e a meritocracia. Todavia, tanto empreendedorismo quanto a meritocracia ficam alicerçados sobre licenças de funcionamento, algo parecido com os Códigos de Posturas.

Ex-escravos, maioria analfabeta, sem conhecimento das leis e como obter informações sobre elas. Entre o "homem culto" e o ex-escravo, sem doutrinação ideológica do "homem civilizado", qual teria maior meritocracia? Porém, ainda assim não é suficiente para que o ex-escravo possa furtar ou roubar. Deve, como esperado dos "civilizados", agir com máxima razão sobre os seus próprios comportamentos, pela seguinte razão, os "civilizados" não roubam, não furtam, respeitam a propriedade privada alheia. E quanto à escravidão? Bom, os "civilizados" não viam o escravo como sendo uma pessoa, muito menos um animal não humano. Com a abolição da escravatura, o ex-escravo deve assumir compromisso com os "bons modos", com a "boa moral", com o respeito à propriedade alheia. Por quê? Porque agora é um “civilizado”.

Claro, há pessoas e pessoas, personalidades e personalidades. Para relativizar crimes, a sociedade, através das comunidades que se acham melhores do que as outras, “pequenos crimes”, considerados "sem importância", são praticados à luz da sociedade.

Desempregado, precisando de melhorar sua vida? Ou apenas fazendo como muitos fazem? Promoção da semana, Carteira da OAB, Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por apenas R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Como são reconhecidos socialmente como "meros crimes sem importância"; o "bom cidadão" não hesita. Porém, o infeliz que furta uma barra de chocolate merece o Direito Penal Máximo. Abolicionismo para os "meros crimes sem importância". Se o "bom cidadão", de "mero crime sem importância", for flagrado e preso, é uma vítima de um Estado punitivo, sem noção do que seja, realmente, crime. Crime acontece somente nas favelas e nas vias públicas, quando há roubo.

Leia também: Justiça, o lado moral na internet. A conduta correta. Parte I

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Justiça, o lado moral na internet. Vítima da sociedade ou vitimismo? Parte II. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5488, 11 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66011. Acesso em: 2 nov. 2024.

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