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As alterações em contratos administrativos

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14/08/2018 às 16:00
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3 AS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS NA LEI 13.303/2016

As empresas estatais possuem um regramento próprio para regular, dentre outras matérias, suas licitações: o Estatuto jurídico das empresas estatais. O art. 173, parágrafo primeiro da Constituição Federal determina:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Por força da Constituição Federal, assim, o regramento das Empresas estatais não se confunde com a Lei 8.666/93. Tanto é verdade que foi editada a Lei 13.303/2016, a Lei das estatais, que possui diferenças da Lei geral de licitações.

Sobre contratos, uma distinção é que os contratos com as empresas estatais se regem por preceitos de direito privado, nos termos do art. 68 da Lei 13.303/2016, ao contrário dos contratos administrativos firmados sob a égide da Lei 8.666/93 que são regulados pelos preceitos de direito público.

Quanto à possibilidade de alteração do que foi pactuado, o art. 81 da Lei 13.303/2016 explicita as hipóteses de alteração e os requisitos que devem ser atendidos para a sua efetivação.

Uma inovação em relação à Lei 8.666/93 é que, por ser regida por preceitos privados, não há possibilidade de alterações unilaterais contratuais, por vontade exclusiva da empresa estatal, sendo necessário o acordo entre as partes para se dar início a alteração do que foi contratado.

Por sua vez, foi mantido inalterado, com alguns ajustes redacionais, os dispositivos legais atinentes: a) a previsão de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; b) os limites para alterações contratuais; c) as consequências para a supressão de obras, bens ou serviços; d) a possibilidade de revisão de preços, para mais ou para menos, em caso alteração tributária.

Por conta disso, é possível sustentar juridicamente a necessidade de, mesmo para as empresas estatais, a despeito de possuírem um regramento próprio, a necessidade de, em regra, por exemplo, se observar os limites legais de alterações contratuais e a impossibilidade de a alteração importar em uma modificação radical do objeto contratado.


4 A INTERPRETAÇÃO DOS LIMITES PARA ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

Como visto, tanto a Administração Pública direta e indireta, inclusive as empresas estatais que integram este último grupo, devem observar uma série de requisitos e procedimentos para se alterar um contrato, seja este regido pela Lei 8.666/93 como pela Lei 13.303/2016.

Não obstante as considerações traçadas nos capítulos anteriores, que devem ser observadas na maioria das situações de alterações contratuais, o direito não pode ser interpretado de maneira por demais rígida que leve a uma conclusão absurda e desarrazoada. A realidade prática, muitas vezes, refoge ao comando legal, à regra inicialmente estabelecida pelo legislador. Em situações da espécie, cabe ao interprete e ao aplicador do direito avaliar o caso concreto e buscar a melhor solução para o desate da questão.

Não é possível, em situações excepcionais, uma análise e interpretação puramente baseada na literalidade da lei, ao comando inicialmente pensado pelo legislador de maneira abstrata. De igual modo, a lei não é um fim em si mesma, pois toda norma tem uma finalidade útil a ser tutelada.

Nesta linha, é necessário expor as lições de Carlos Maximiliano[7] acerca da hermenêutica jurídica:

A exegese filológica  atinge, apenas, o caso típico, principal; o núcleo, explícito, lúcido, é cercado por uma zona de transição; cabe ao intérprete ultrapassar esse limite para chegar ao campo circunvizinho, mais vasto, e rico de aplicações práticas. (...) porque a linguagem, embora perfeita na aparência, pode ser inexata; não raro, aplicados a um texto, lúcido à primeira vista, outros elementos de interpretação, conduzem a resultado diverso do obtido com o só emprego filológico.

(...)

Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.

Na mesma obra, o autor em questão ainda destaca os riscos da interpretação exclusivamente literal da letra da lei, que, no seu entendimento, pode resultar em formalismo ou engessamento que impede a função renovadora ou criadora necessária ao direito, destinada a aprimorar a lei, adaptando-a à realidade social, moral e econômica de seu tempo.

Outrossim, o interprete não pode ficar limitado a apenas um texto legal ou, pior, a partes do mesmo. Não é prudente, como diz o eminente jurista Eros Grau, analisar o direito em tiras, pois é necessário avaliar o ordenamento jurídico na sua integralidade[8]:

A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito.

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.

A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele - do texto - até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.

Destarte, o interprete não pode apenas realizar leitura rasa do texto legal, de maneira restritiva e alheia ao caso concreto, nem tampouco desconsiderar todo ordenamento jurídico. Há situações em que o respeito aos comandos legais, na sua literalidade, são irrazoáveis e vão de encontro ao princípio constitucional da eficiência e da economicidade. Explica-se.

À guisa de exemplo, os limites legais impostos pela lei têm por mens legis (o propósito) manter os quantitativos levados à competição, pois, do contrário, um determinado licitante poderia, por exemplo, licitar um quantitativo de cem e contratar, posteriormente, por meio de sucessivos aditivos, mil itens de determinado objeto levado à competição. Uma diferença gritante de quantitativos, desta magnitude, deveras, poderia influir no preço e no interesse das empresas em fornecer um bem ou prestar um serviço.

No entanto, nem em todas as situações os limites impostos devem ser seguidos, nem mesmo as outras disposições legais, posto que vão ao encontro da economicidade e eficiência da contratação.

Pode-se ventilar uma contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade de licitação, que demande uma alteração significativa, com mudanças grandes nos quantitativos e no projeto básico. Neste caso, como o contrato originário foi firmado diretamente, sem licitação, justificada a necessidade de alteração do contrato, ainda que a alteração pretendida não atendesse aos comandos legais, poderia se realizar um novo processo para contratação direta do mesmo prestador ou fornecedor.

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Se ficar demonstrada a necessidade de alteração e justificado o preço pago, com a manutenção da economicidade da contratação, é despiciendo a assinatura de um novo contrato se o contrato em curso puder ser alterado, ainda que não se observe plenamente os comandos legais, desde que os requisitos para a contratação direta ainda permaneçam hígidos.

Ainda que não se observe, portanto, os limites legais para a alteração do contrato, isto não acarretaria prejuízos a competição, isonomia ou vantajosidade do negócio contratual a ser firmado. Isto porque, no final das contas, o contrato seria feito com o mesmo fornecedor ou prestador de serviços. Ou seja, a formalização de um novo contrato em situações da espécie seria mera e odiosa formalidade que não se coadunaria com o princípio constitucional da eficiência.

Além disso, o Tribunal de Contas da União já entendeu possível, em caráter de exceção, a extrapolação do limite legal de vinte e cinco por cento do valor inicial do contrato mesmo quando este for firmado após uma licitação. Na Decisão nº 215/99-Plenário[9], o aludido Tribunal elencou os requisitos que devem ser atendidos para a alteração em percentual acima dos limites estabelecidos:

I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;

II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;

III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;

IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;

V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;

VI - demonstrar-se (na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais), que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável para o contratante.

Assim, atendidas as condicionantes acima transcritas, é defensável juridicamente extrapolar o limite legal de 25% (vinte e cinco por cento) para alterações qualitativas.

Destarte, é seguro afirmar que a interpretação literal, que desagua na imposição, ao Administrador, de se realizar apenas atividades formais e burocráticas, não atende à eficiência e a economicidade buscada pelo ordenamento jurídico para as contratações públicas.  

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Sobre o autor
Alexandre Santos Sampaio

Advogado. Mestre em Direito pela Uniceub - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Alexandre Santos. As alterações em contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5522, 14 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66018. Acesso em: 18 abr. 2024.

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