A garantia de liberdade religiosa diante do discurso do ódio

25/05/2018 às 17:30
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Recentemente, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face do Google Brasil Internet, tendo como objetivo a condenação da empresa a retirar dos meios públicos virtuais, da internet, conteúdos que veiculariam a intolerância e a discriminação religiosa às crenças de matrizes africanas.

A veiculação de vídeos potencialmente ofensivos e fomentadores do ódio e da intolerância contra tais religiões não corresponde ao legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, o que levou o Poder Judiciário, através do Tribunal Federal da 2ª Região, a decidir pela imediata retirada dos vídeos listados pelo MPF da rede mundial de computadores.

A questão em debate remete à Declaração da UNESCO, de 1978, que determina que todos, inclusive os meios de comunicação e o Poder Público, têm a obrigação de promover a harmonia entre os povos e contribuir para erradicar todas as formas de discriminação. A Constituição Federal protege os direitos do indivíduo, sobretudo os relacionados à liberdade de pensamento, expressão, crença e culto. Também a Lei nº 12.966, de 24 de abril de 2014, trata, expressamente, da proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

"(...) vale a pena buscar saber por que a UNESCO concedeu à tradição de IFÁ, prática filosófica e religiosa nascida no oeste africano, entre os sábios iorubas da atual Nigéria, antes do século VII a.C., o status de "patrimônio imaterial" do povo ioruba e de seus inúmeros descendentes religiosos, nas Américas e em todo o mundo atual." (NEI LOPES; Consciência negra e religiosidade, O Globo, 25/11/2017, p. 21)

Nunca é por demais lembrar que a glória da criação está em sua infinita diversidade (em todas as suas modalidades e naturezas) e na forma que nossas diferenças se combinam para criar significado e beleza.

As liberdades asseguradas na Constituição garantem não apenas a obrigação do Estado em respeitá-las, como também de cuidar para que sejam respeitadas por todos. São as diferenças e o respeito a elas que se constituem a expressão do Estado liberal laico, que nasceu e floresceu à resposta ao Estado totalitário. Logo, a doutrina cristã merece ser respeitada, como todas as demais, incluindo as religiões de matrizes africanas.

De particular relevância para a definição de limites à liberdade de expressão, por outro prisma, é a prática do denominado discurso do ódio ou de incitação ao ódio e de um conjunto de manifestações capazes de suscitar atos de violência, ódio e/ou discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos, quase sempre minoritários, na tentativa de desqualificá-los como detentores de reconhecidos direitos.

É entendimento dominante, não apenas no Brasil, mas também no Direito Comparado, que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todos os indivíduos integrantes do grupo afetado por manifestações de teor discriminatório. Destarte, as liberdades públicas não são incondicionais, e por isto devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal, que garantem a prevalência dos direitos humanos.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Informações sobre o texto

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