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O inadimplente tributário tem direito ao livre exercício de atividade econômica, segundo o STF

30/04/2005 às 00:00
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1. Resenha tributária.

O Supremo Tribunal Federal analisando questão que envolvia a discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminava, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita, DECIDIU serem indevidas tais sanções políticas ou indiretas em matéria tributária.

Na ocasião, foi posto em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal que erigiu a prévia satisfação de débito tributário em requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais. Assim ficou consignada a ementa do RE 37.4981-RS, julgamento 28/03/2005, cujo relator foi o Min. Celso de Mello,

EMENTA: Sanções políticas no direito tributário. Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao "substantive due process of law". Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 – RTJ 173/807-808 – RTJ 178/22-24). O poder de tributar – que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte – "não pode chegar à desmedida do poder de destruir" (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). a prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. a significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do "Estatuto Constitucional do Contribuinte". Recurso Extraordinário conhecido e provido.

Trazemos à colação os ensinamentos do Min. Celso de Mello, bem como o de doutrinadores pátrios citados por ele, para fundamentação do Direito do Contribuinte do inadimplemente ao exercício da atividade econômica.

As chamadas sanções políticas, para Hugo de Brito Machado (Sanções Políticas no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. nº 30. p. 46/47) correspondem às restrições ou proibições impostas ao contribuinte como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de tributação; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Procede anotar com base em voto do Min. Celso de Mello, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro - e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

O teor destes enunciados sumulares estão assim dispostos, verbis:

70

- É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Referência: Lei dos Exec. Fiscais, arts. 1º e 6º - Rec. em Mand. Segur. 9.698, de 11-7-62 (D. de Just. de 29-11-62 p. 791). Rec. Extr. 39.933, de 9-1-61.

323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Referência: Lei das Exec. Fiscais, arts. 1º e 6º - Rec. Extr. 39.933, de 9-1-61.

547 - Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. Referência: Const. Fed. de 1946, art. 141, § 14. Const. Fed. de 1967, art. 150, § 23. Decs.-leis 5, de 13-11-37, art. 1º (D. Oficial de 22-11-37); 42, de 6-12-37, art. 1º (D. Oficial de 10-12-37), e 3.336 de 10-6-41, art. 2º (D. Oficial de 13-6-41). Const. Fed. de 1969, art. 153, § 23. - Recs. Extr.60.664, de 14-2-68 (Ver. Trim. Jurisp. 45/629), 63.047, de 14-2-68 (D. de Just. de 28-6-68), 63.045, de 11-12-67 (Ver. Trim Jurisp. 44/422); e 64.054, de 5-3-68 (Ver. Trim. Jurisp. 44/776).

Neste sentido, também se posiciona a melhor doutrina de Edison Freitas Siqueira (Débito Fiscal - análise crítica e sanções políticas. p. 1/62, item 2.3, 2001, Sulina), citado com ênfase pelo Min. Celso de Mello no voto constante do RE 37.4981-RJ. Vejamos as lições de Edison Siqueira,

Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas fiscais.

Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior referendadas, constitui ‘sanção política’, medida despótica e própria de ditadores, porque subverte o sistema legal vigente.

Nesse sentido, vale tecer algumas considerações do efetivo SIGNIFICADO DA NOTA FISCAL para uma empresa ou profissional que mantenha a atividade lícita ‘trabalho’, até porque, o instrumento alternativo posto à disposição do contribuinte, notas fiscais avulsas, é situação equivalente à marginalidade, além de tratar-se de meio absolutamente inviável a uma atividade econômica significativa (volumosa).

A importância da nota fiscal ou AIDF para o desenvolvimento das atividades comerciais de uma empresa seja ela de indústria ou comércio, decorre do fato de que somente por meio destas é que se torna possível oficializar e documentar operações de circulação de mercadorias, a ponto de que sem essas, a circulação de mercadoria é atividade ilícita, punível, inclusive, com a respectiva apreensão das mesmas.

Neste sentido, revela-se, pois, totalmente imprópria à figura da nota fiscal avulsa, solução muito justificada por fiscais de ICMS e Procuradores de Estado em audiências que solicitam ao Poder Judiciário, mas que, na prática, constitui artimanha muito maliciosa que só serve para prejudicar o contribuinte, em circunstância totalmente defesa em lei, como adiante ficará elucidado.

Não raro, a fiscalização aponta, como recurso em situações de desagrado ao contribuinte, o uso das chamadas ‘notas fiscais avulsas’. Fazem-no, por certo, por desconhecimento de toda a gama de obtusa burocracia que envolve a sua expedição, ou pretendendo iludir os órgãos do Poder Judiciário, caso esses sejam chamados a impor ‘poder de controle’ contra exacerbação do exercício do poder de tributar, por parte do Poder Executivo.

Nota-se assim, que as chamadas sanções políticas constituem verdadeira afronta ao livre exercício da atividade econômica (art. art. 170, parágrafo único da CF), bem como a liberdade de exercício profissional (art. 5º, XIII da CF), revelando-se um abuso do poder de tributar, que vem sendo repudiado com todas as forças pelo Supremo Tribunal Federal, mormente, através da pena segura e iluminada do Min. Celso de Mello, senão vejamos,

Daí a necessidade de rememorar

, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um "estatuto constitucional do contribuinte", consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in "Informativo STF" nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to tax is not the power to destroy while this Court sits"), em "dictum" segundo o qual, em livre tradução, "o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissenting opinion", no julgamento, em 1928, do caso "Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox" (277 U.S. 218).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ 178/22-24, v.g.):

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"O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).

Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador." (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Não obstante a liberdade de atividade empresarial, econômica ou empresarial não se revista de natureza absoluta, eis que os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal não têm caráter absoluto conforme já decidiu o STF - uma vez que podem ser excepcionalmente restringidos em nome do princípio da convivência das liberdades -, a verdade é que as sanções políticas ou sanções indiretas em matéria tributária padecem de inconstitucionalidade quando exercidas fora dos limites da proporcionalidade, consoante já anotara Helenílson Cunha Pontes,

O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.

O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce, de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.

(...)

As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.

(...)

Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.

Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas, no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado ‘regime especial de fiscalização’. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte, aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de iniciativa econômica. Grifamos.


2. Conclusão.

O posicionamento esposado pelo Min. Celso de Mello no RE 37.4981/RS sob comento e acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, é mais uma vitória do contribuinte brasileiro frente ao poder de tributar do Estado brasileiro, que malgrado tenha nascido no espaço aberto pela liberdade dos cidadãos, é recalcitrante em extrapolar tais limites, oprimindo a liberdade cidadã e destruindo assim a capacidade contributiva dos contribuintes que ficam impedidos de exercerem sua atividade profissional (art. 5º, XIII da CF) por força de estarem em débito para com o esfomeado Fisco brasileiro. Entretanto, enquanto existir a Suprema Corte ainda temos esperança!

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O inadimplente tributário tem direito ao livre exercício de atividade econômica, segundo o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 663, 30 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6650. Acesso em: 22 nov. 2024.

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