Eleições de 2018, crowdfunding e o futuro do financiamento de campanhas

04/06/2018 às 22:59
Leia nesta página:

Analisamos neste artigo a modalidade de crowdfunding para financiamento de campanhas eleitorais no pleito de 2018, e a possibilidade de criação de novas plataformas de financiamento via blockchain no futuro.

As eleições de 2018 trazem uma novidade no campo de financiamento de campanha: a partir de agora será possível que candidatos obtenham doações de campanha via crowdfunding.

Tal possibilidade veio a lume através das alterações promovidas pela Lei nº 13.488/17 à Lei das Eleições, mais especificamente aos seus artigos 22 e 23, como transcrevemos abaixo:

“Art. 22. (…)
§ 3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral.
§ 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, se não for efetivado o registro da candidatura, as entidades arrecadadoras deverão devolver os valores arrecadados aos doadores.”
Art. 23. (…)
§4º. (…)
IV — instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, que deverão atender aos seguintes requisitos:
(…)

O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, regulamentou a arrecadação e prestação de contas de candidatos ao pleito de 2018 através da Resolução TSE nº 23.553/17, e dispôs sobre a arrecadação via crowdfunding em seus artigos 22, inciso III a 25.

Além das regras sobre registro de empresas de crowdfunding, forma de transferência e de prestação de contas para a Justiça Eleitoral, é interessante notarmos que o § 5º, do art. 22 veda expressamente o uso de moedas virtuais para doações eleitoraise o § 1º do mesmo artigo fixa um limite de R$1.064,10 para esta modalidade de doação.

Assim, apesar de ser uma novidade interessante, a mesma ainda será responsável somente por uma pequena parte das doações eleitorais, por conta das limitações impostas pela lei.

Essas limitações, por sua vez, tem como objetivo facilitar a identificação dos doadores de campanha pela Justiça Eleitoral. Podemos ver isso claramente do art. 22, § 1º, da aludida Resolução:

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

Assim, a limitação de valor imposta não é específica para arrecadação através crowdfunding, mas sim a toda e qualquer forma de doação, salvo aquela feita através de transferências eletrônicas diretas entre a conta corrente do doador e do candidato, que tem como limite o percentual de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior (art. 29, Resolução TSE nº 23.553/17).

A intenção de garantir o rastreamento do dinheiro utilizado no financiamento de campanha é mais nítida, ao analisarmos as disposições legais citadas nos parágrafos anteriores, juntamente com os dispositivos referentes às prestações de contas e à vedação de recebimento de doações não identificadas.

E pelo visto, a Justiça Eleitoral vê doações efetuadas através de novas tecnologias — como o crowdfunding — mais complicadas para rastrear.

Doações eleitorais e blockchain

Vou na direção inversa. O uso de novas formas de doação, integrando sistemas de corwdfunding e blockchain, na minha opinião, é o futuro para a criação de um sistema fechado, seguro e totalmente rastreável de financiamento eleitoral.

Segundo matéria publicada na revista Computerworld em janeiro deste ano, “Os gastos mundiais em soluções de blockchain chegarão a US$ 2,1 bilhões em 2018, número mais do que o dobro maior que os US$ 945 minhões registrados em 2017, segundo dados da IDC. E o crescimento não vai parar por aqui. A previsão é que os investimentos com blockchian cresçam em ritmo acelerado até 2021, com taxa de crescimento anual composta de 81,2%, chegando a US$ 9,2 bilhões em 2021”.

A maior parte deste investimento será focado no mercado financeiro, mas o blockchain pode (e deve) ser explorado de forma mais incisiva pelos serviços governamentais.

blockchain, a grosso modo, é um livro razão digital, no qual a “estrutura de dados representa uma entrada de contabilidade financeira ou um registro de uma transação. Cada transação é digitalmente assinada com o objetivo de garantir sua autenticidade e garantir que ninguém a adultere, de forma que o próprio registro e as transações existentes dentro dele sejam considerados de alta integridade”.

Trata-se, assim, de um sistema seguro e público de registro de operações — financeiras ou não. Ele pode funcionar de forma pública ou privada, assim definidos pela SAP:

Blockchain público: “todos podem ler e enviar transações ou participar do processo de consenso em um blockchain público, pois este tipo de blockchain não requer ‘permissão’. Todas as transações são públicas e os usuários podem permanecer anônimos.”
Blockchain privado: “são controlados por uma única organização que determina quem pode ler e enviar transações e participar do processo de consenso. Como são 100% centralizados, os blockchains privados funcionam bem como áreas restritas (sandbox), mas não são indicados para ambientes de produção.”

O melhor modelo para aplicações governamentais é o chamado blockchain semiprivado, que, segundo definição da SAP, “são administrados por uma única empresa que concede acesso a qualquer usuário que atenda aos critérios preestabelecidos. Embora não seja realmente descentralizado, este tipo de blockchain com permissão é mais interessante para casos de uso de B2B (business to business) e aplicações governamentais”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No tocante a financiamento de campanhas, um sistema de blockchain semiprivado administrado pelo Tribunal Superior Eleitoral — TSE poderia concentrar todas as doações de campanha e os pagamentos de gastos de campanha de cada candidato, garantindo assim à Justiça Eleitoral informações seguras e imediatas sobre os gastos eleitorais.

Além das vantagens referentes à transparência dos gastos, esse sistema reduziria muito os gastos da Justiça com a prestação de contas, que ainda hoje são finalizadas em papel, através de processos que movimentam grande contingente de funcionários da justiça e absurdo espaço físico de arquivos.

Não há dúvida, destarte, que a migração do sistema de financiamento de campanhas eleitorais para o blockchain traria enormes vantagens para nosso sistema eleitoral, e para a segurança e transparência das eleições.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Oliver Alexandre Reinis

Bacharel pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC, Membro do ICC - International Chamber of Commerce. Membro do IBC - Instituto Brasileiro de Compliance. Membro do IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Membro da ALADA - Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Membro da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários, Membro do ISOC - Internet Society. Membro do Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte - GERCO/LN da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA/SP - biênio 2014/2015, Autor colaborador em publicações de direito, Advogado atuante nas áreas de Direito Político, Direito Eleitoral, Direito Administrativo e Direito Digital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos