I - Noções introdutórias.
Sumário: 1. Aspectos gerais. 2. Da expressão "crimes falimentares". 3. Da natureza jurídica da sentença concessiva de recuperação judicial e declaratória da falência. 4. Do Juízo Competente.
1. Aspectos Gerais. Neste capítulo será feita análise dos aspectos processual e material da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (adiante denominada LREF), que entra em vigor no dia 09 de junho de 2.005. A expressão Direito Criminal do Capítulo é justamente para agregar os dois aspectos na apreciação da legislação em tela. Revogado foi o anterior diploma legal - Decreto-Lei 7661/45 -, adiante denominado LFC.
As Disposições Penais do novo diploma estão contidas no Capítulo VII, que, por sua vez, é dividido em três seções: I - Crimes em Espécie; II - Disposições Comuns; e III – Procedimento Penal. Didaticamente, seguiremos o modelo legal, dividindo o capítulo em duas partes: Dos Crimes e Do Procedimento.
Interessante desde já consignar que o divórcio do novo diploma para com o anterior no campo criminal é visceral. Tínhamos um diploma vigendo há quase sessenta anos que necessitava de lapidação e ajuste à realidade nacional. Porém, para muitos doutrinadores, o avanço foi pífio no campo criminal, como veremos na Parte II destinada ao Procedimento Penal, mormente porque as chances de se avançar tecnicamente teriam sido relegadas a um procedimento arcaico como o dos crimes apenados com detenção previsto no CPP.
No campo penal, um dos grandes destaques foi o cálculo dos prazos prescricionais pelas disposições do CP em lugar do prazo bienal especial da antiga LFC, fonte de impunidade, pois nada justifica discriminar o criminoso falimentar do criminoso comum; a isonomia penal deve alcançar a todos, indistintamente.
No campo processual, veremos que a ênfase da LREF ficou por conta da singeleza ritual, marcando o abandono de algumas fórmulas anacrônicas e desconformes ao processo penal moderno, como o fim do inquérito judicial que era presidido pelo juiz cível para apurar infrações falimentares, passando-se à apuração do fato delitivo para a autoridade policial (que precisará se especializar para tal mister). Acreditamos que a atuação da polícia civil será mínima em face da especificidade dos processos de recuperação judicial e de falência, nos quais as perícias que embasam os trabalhos do administrador judicial já servirão de lastro para formação de justa causa para a atuação do membro do parquet.
2. A expressão "Crimes Falimentares". Foi abolida. A lei refere-se tão-somente a crimes em espécie, afastando-se do modelo anterior, porquanto, agora, há crimes que podem ser cometidos após ou durante a recuperação judicial da empresa, bem antes da sentença declaratória de falência. Contudo, a expressão crimes falimentares é tradicional e deve permanecer em nosso meio, especialmente porque os tipos estão contidos na nova Lei de Falências, a despeito do novo instituto de recuperação judicial.
3. Da natureza jurídica da sentença concessiva de recuperação judicial e declaratória da falência. Dispõe o art. 180, da LREF, que "A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei".
A ação penal, na Lei anterior, exigia como pressuposto indissociável o decreto de falência, caracterizado pelo estado de insolvência do devedor. Atualmente, são três decisões que constituem condição de punibilidade: a sentença declaratória de falência, a concessiva de recuperação judicial e a homologatória de recuperação extrajudicial.
Muito se discutiu na doutrina a respeito da natureza jurídica da sentença declaratória da falência. Para uns, afigurava-se elemento constitutivo do crime, pois a sentença integrava a figura típica da incriminação legal (1); para outros, seria condição objetiva de procedibilidade, pois o art. 507 da LFC pressupunha que a ação penal não podia iniciar-se antes de declarada a falência. Para uma terceira corrente, tratava-se de condição objetiva de punibilidade. Esta sempre foi a posição prevalente e, agora, concebida expressamente pelo legislador falitário.
Define-se as condições objetivas de punibilidade como circunstâncias que se encontram fora do tipo do injusto e da culpabilidade, mas de cuja existência depende a punibilidade do fato (2). Situam-se fora do dolo do agente e estão sujeitas a um acontecimento incerto e posterior ao fato criminoso (3). Dizem ainda que condições de punibilidade do fato são os elementos objetivos extrínsecos à ação ou à omissão, concomitantes ou sucessivos à execução do próprio fato, e sem o concurso dos quais este não é punível porque não constitui crime (4). As três sentenças declinadas funcionam como pressuposto de procedibilidade da ação penal e de punibilidade do devedor ou falido pelo cometimento da infração falimentar. São condicionantes da instauração de inquérito policial e, por via de conseqüência, de oferecimento de denúncia e da punição do agente.
Por serem condicionantes da punição do agente, caso sejam rescindidas ou revogadas, a extinção da punibilidade do devedor ou falido será viabilizada através de revisão criminal perante o Tribunal competente.
Indaga-se: qual a natureza jurídica dessas sentenças quanto aos crimes pós-falimentares ou pós-recuperação judicial? A questão é acadêmica, porém merece reflexão, porquanto na medida em que o devedor ou falido tem ciência de sua condição pessoal registrada em sentença, a conduta delitiva amoldada a uma figura típica falitária, faz com que a sentença integre, passe a ser elemento constitutivo da infração. É o caso de fraude a credores perpetrada pós-sentença, em que o devedor se vale de documentos falsos para justificar despesas inexistentes; existindo a sentença declaratória esta integrará o tipo penal falitário.
Outra indagação relevante: é possível, ante a concessão de recuperação judicial e a prática de crime do devedor não ser decretada a falência? Sustentamos que sim, porquanto o coração, o cerne, a alma da LREF reside na preservação da atividade produtiva. Preconiza o art. 47 da LREF que "A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". Como o primado do novel diploma é a manutenção da fonte produtiva, com a preservação da empresa, mecanismos foram previstos para alcançar tal desiderato, tanto que o processo e eventual condenação do devedor somente afetarão sua pessoa, restando inatacada a nascente, a fonte de toda a atividade econômica que ele não soube gerir. Sua reprimenda e eventualmente dos demais administradores, porém, será o afastamento da condução da atividade empresarial (art. 64 e incisos).
4 - Do Juízo Competente. O art. 183 da LREF reza que: "Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei". Uma leitura desarmada e desatenta ao dispositivo conduz, inexoravelmente, à conclusão de que o legislador ordinário definiu que o processo-crime haverá de ser processado e julgado perante a justiça criminal do local da quebra. Ledo engano. As Leis de Organização Judiciária é que devem definir a competência em razão da matéria na esfera criminal. Não é por outra razão que o art. 74 do CPP estatui que "A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri".
Antes mesmo de vir a lume a Lei 11.101/05, o arguto Tourinho Filho já criticava o legislador, vez que afrontada nossa Carta Magna e pedia que fosse reparado o equivoco (5).
Explicava o mestre que o art. 24, XI, da Constituição Federal prevê competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual e o § 1º complementa que "No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais". Portanto, "as normas especiais (distribuição de competência aos juízes) são dos Estados e do Distrito Federal. Desse modo, cabe à Lei de Organização Judiciária dos Estados e do Distrito Federal, e não à União, estabelecer a competência para a ação penal, em face da natureza da infração (art. 74 do CPP). No Estado de São Paulo, a Lei de Organização Judiciária atribuía e atribui aos Juízes das Varas de Falências da Capital competência para o processo e julgamento dos crimes falimentares. Os frutos foram tão bons que posteriormente, a Lei estadual n. 3.947, de 8-12-1983, no art. 15, estendeu essa competência às Varas de Falências de todo o Estado. Houve argüição de inconstitucionalidade e conflitos de competência, e o Supremo Tribunal Federal decidiu, com acerto, que o diploma paulista era constitucional por se tratar de mera regra de organização judiciária (RT 629/418, 611/449 e RTJ 119/133)".
Do exposto, alinhamo-nos a Tourinho Filho para reputar inconstitucional o art. 183 da LREF. Destarte, se algum Estado-membro ou o Distrito Federal dispuser diferentemente, em sua lei de organização judiciária, quanto ao juízo competente para o processo e julgamento dos crimes em espécie estatuídos na LREF, estarão acobertados pela Carta da República, sem se olvidar que o juízo competente – cível ou criminal – será aquele da jurisdição onde foi decretada a falência ou a recuperação.
Em São Paulo, através da Resolução nº 200/2005, o Tribunal de Justiça, por seu órgão especial, visando primacialmente a especialização do serviço judiciário do Estado criou três Varas de Falências e Recuperações Judiciais, com competência para processar, julgar e executar os feitos relativos a falência, recuperação judicial e extrajudicial, principais, acessórios e seus incidentes, incluídas as ações penais (art. 15, da Lei Estadual nº 3.947/83). Em conseqüência, ficam os juízes cíveis das Comarcas do interior com competência idêntica.
Nos demais Estados, se a competência for mantida na justiça criminal, como aventado pelo legislador falitário, existirão dois processos: um cível e um criminal. Aquele com trâmite na esfera cível e o outro terá distribuição livre, competindo a um Juiz Criminal da comarca o processo e o julgamento; quanto ao órgão do Ministério Público a oficiar, disciplina administrativa ou lei de organização judiciária disporá a respeito.
PARTE I
DOS CRIMES
Sumário: 1. O crime falimentar. 2. Objetividade Jurídica. 3. Direito Intertemporal. 4. Classificação Doutrinária. 5 – Unidade de Crimes. 6. Das sanções penais. 7. Concurso de Pessoas. 8. Efeitos da sentença condenatória. 9. Prescrição.
1. Os crimes falimentares. Como é cediço, às vésperas da quebra, o devedor, pessoalmente ou em co-autoria, pode lançar mão de expedientes ilícitos para minimizar os efeitos financeiros da bancarrota. O comportamento criminoso pode ocorrer antes ou depois de qualquer das sentenças e contar, inclusive, com o conluio de credores.
Enquanto os tipos penais não forem aglutinados em um único diploma, leis extravagantes existirão contemplando-os. A LREF trata dos crimes em espécie nos arts. 168 usque 178 e oferece regras de cunho penal em suas Disposições Comuns, relativas a concurso de pessoas (art. 179), natureza jurídica da sentença proferida pelo juiz cível (art. 180), efeitos da sentença condenatória penal falimentar (art. 181) e prescrição (art. 182).
Já feita a abordagem inicial da natureza jurídica das sentenças no processo de recuperação ou falência, restam as demais referências.
2. Objetividade Jurídica. A doutrina e a jurisprudência até a data atual não chegaram a um consenso acerca da natureza jurídica das infrações da LFC e agora da LREF. Para uns penalistas eram crimes contra a fé pública (Carrara e Siqueira), contra a economia pública (Persina e Carfora), contra a administração da justiça, contra o patrimônio (Carvalho de Mendonça), pluriobjetivos e contra o comércio. Posiciona-se o eminente autor Rubens Requião (6) ao lado de Sady Cardoso de Gusmão no sentido de que os crimes são pluriobjetivos, porquanto observando os tipos penais conclui-se que mesclam crimes contra a fé pública, contra o comércio e a economia, bem como contra a administração da justiça e contra a propriedade.
Considerando que os tipos penais falimentares são praticamente idênticos aos da LFC, salvo a expressiva majoração das penas privativas de liberdade, filiamo-nos, também, à corrente que defende a objetividade jurídica plúrima. A disposição dos crimes ficou mais lógica e racional.
3. Direito Intertemporal. Como dito, o legislador foi mais rigoroso, criando tipos penais com penas mais rigorosas e ampliando o prazo prescricional com esteio, agora, no CP. A conseqüência desse rigor é de que tanto os novos tipos como o prazo prescricional, somente terão aplicabilidade aos fatos ocorridos a partir de 09 de junho de 2.005, posto que a lei mais severa é irretroativa, na garantia constitucional canonizada no art. 5º, XL, da CF, verbis: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Portanto, os fatos perpetrados até o dia 08 de junho de 2.005 serão processados e julgados consoante os ditames do diploma anterior e contarão com o prazo prescricional bienal, amplamente mais favorável, admitido pelo art. 199 da LFC (7).
4. Classificação Doutrinária. É o nome dado ao fato delituoso pela doutrina. Os crimes previstos da LREF podem ser classificados quanto ao agente; quanto ao momento da ação ou omissão; e quanto ao resultado.
- Quanto ao sujeito ativo: podem ser próprios ou impróprios. Crime próprio é aquele que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal (8). Na Lei 11.101/05 próprios são os crimes perpetrados pelo devedor ou pelo falido, equiparando-se a eles, na medida de sua culpabilidade, os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial (art. 179). Crime impróprio, no sentido inverso, são os crimes em que a lei não exige uma condição especial do agente, que na LREF são sujeitos ativos: o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, por si ou por interposta pessoa, adquirirem bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial ou, em relação a estes, entrarem em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos.
- Quanto ao momento da ação ou omissão: podem ser crimes pré-recuperação ou pré-falimentares e crimes pós-recuperação ou pós-falência. Quando perpetrados antes da decisão respectiva, vimos que a sentença funciona como condição específica de punibilidade; já, quando perpetrados após a prolação da sentença, esta funciona como elemento constitutivo do crime perpetrado.
- Quanto ao resultado ou ao efeito. Podem ser de dano ou de perigo. Na visão de Rocco, citado por Miranda Valverde, dano é a modificação do mundo exterior que produz a perda ou a diminuição de um bem ou de um interesse humano; perigo é a modificação do mundo exterior (resultado), voluntariamente causada ou não impedida (ação ou omissão), contendo a potencialidade (idoneidade, capacidade) de produzir a perda ou a diminuição de um bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse (dano). (9)
Para Capez, o crime de dano exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação (homicídio, furto, dano etc.). Já o crime de perigo para sua consumação, basta a possibilidade de dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitação da vida ou saúde de outrem – art. 132 do CP). Subdivide-se em: a) crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação efetivo perigo; b) crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime (...). (10)
Em nossa ótica: Perigo abstrato se dá quando a realização da conduta descrita no tipo é suficiente para a punição, sendo desnecessário que dela advenha perigo concreto. Não precisa ser provado, pois a lei presume-o jure et de jure. Perigo concreto ocorre quando o perigo precisa ser provado. Não há presunção, exigindo-se prova do perigo de dano à coletividade ou a pessoa determinada.
Assim, nos crimes de dano, a ação ou omissão do empresário devedor produz, efetivamente, um dano ou uma lesão; nos crimes de perigo, essa ação ou omissão se traduz numa potencialidade de acarretar dano ao bem jurídico tutelado. Exemplos: a) crimes de dano (art. 168 – fraude a credores; art. 174 - aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens); b) crimes de perigo (art. 168, § 2º - contabilidade paralela; art. 169 – violação de sigilo empresarial; art. 170 – divulgação de informações falsas).
Outras classificações serão referidas quando da análise individualizada de cada tipo penal específico.
5 – Unidade de Crimes. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, característica essencial do crime falimentar é a sua unidade. Vale dizer, ainda que o agente incorra em mais de um comportamento tipificado, aplicar-se-á, somente, a pena do crime mais grave (11). Explica-se. A doutrina e a jurisprudência prevalentes no Brasil defendem o princípio da unicidade penal falimentar, impedindo a dupla sanção privativa de liberdade, ainda que várias sejam as incidências. Todas as infrações praticadas nada mais são do que um complexo unitário de fatos através dos quais se exterioriza um só comportamento, dirigido a um só evento de perigo. O número de crimes e suas conseqüências junto à coletividade de credores podem ser considerados pelo juiz no cálculo da pena-base, elevando-a até o máximo previsto, se for o caso. Porém, havendo concurso entre crime ou crimes falimentares e crime ou crimes comuns, a pena privativa de liberdade será fixada de acordo com a regra do art. 70 do CP, qual seja, concurso formal de delitos, podendo haver cúmulo material de penas, se decorrerem as infrações penais e falimentares e as comuns de desígnios autônomos (RT 738/619).
6. Das sanções penais. A LREF estabeleceu duas espécies de penas privativas de liberdade: reclusão e detenção, além da pena de multa nos preceitos secundários das normas penais incriminadoras previstas do art. 168 usque 178. Somente o crime previsto neste último dispositivo, consistente na "omissão dos documentos contábeis obrigatórios", é punido com pena detentiva de um a dois anos, e multa. Os demais recebem pena reclusiva e multa.
Causas de aumento de pena: são duas hipóteses contidas no crime de fraude contra credores (art. 168, §§ 1º e 2º). No parágrafo primeiro, acresce-se um sexto a um terço, se o agente elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; omite, na escrituração ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiro; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; simula a composição do capital social; e destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. Já, no parágrafo segundo, majora-se a pena fundamental de um terço até metade se o devedor manteve contabilidade paralela (vulgarmente denominada caixa dois).
Causa de diminuição de pena: no mesmo dispositivo, parágrafo quarto, permite-se a redução de um a dois terços e a substituição da pena privativa de liberdade em se tratando de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, em que não se constatou prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido. Houve falha redacional na parte final do parágrafo quando o legislador consignou que o juiz, quanto à pena privativa de liberdade, pode: "substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas". A redação é ininteligível. Com um esforço de interpretação, arriscamo-nos a sugerir que o legislador pretendeu delimitar, fixar parâmetros sobre quais penas restritivas de direitos são cabíveis em crimes falimentares: perda de bens e valores e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Acreditamos que estas são as modalidades que mais se amoldam ao sujeito ativo dos crimes falimentares. Não obstante, no caso concreto, se o magistrado perscrutando as condições pessoais do réu, perceber que outra pena restritiva se amolde mais adequadamente para retribuir o fato, poderá adotá-la. É o caso, por exemplo, de impor limitação de fim de semana, com freqüência a cursos e palestras a um empresário portador de deficiência física que não possua recurso algum para receber a pena substitutiva de perda de bens e valores ou prestação de serviços.
O correto seria o parágrafo se restringir à redução da pena privativa de liberdade entre um e dois terços, de vez que a pena substitutiva é obrigação judicial na fixação da pena, ficando a modalidade ao talante judicial.
7. Concurso de Pessoas. O devedor ou falido é o sujeito ativo principal dos crimes anterecuperação ou antefalimentares. Estes são, em sua maioria, crimes monossubjetivos, ou seja, que podem ser praticados por uma só pessoa – por exemplo: (art. 168) ato fraudulento para prejudicar credores e obter vantagem pessoal – porém, admite co-autoria podendo o devedor contar com a colaboração de terceira pessoa, como o contador, técnico contábil, auditor, gerente, sócio, um credor etc. De outro lado, nos crimes pós-recuperação ou pós-falência, dificilmente o devedor ou falido será sujeito ativo; em regra figurarão pessoas que atuaram direta ou indiretamente no processo, como o juiz, o administrador judicial, o MP, o leiloeiro e outros. Do mesmo modo, esses crimes, em sua maior parte, são monossubjetivos e terceiras pessoas podem concorrer com o sujeito ativo do crime impróprio previsto no tipo respectivo. Assim, se o perito adquire bens da massa falida, valendo-se de interposta pessoa, ambos responderão, em concurso, pelo crime de violação de impedimento (art. 177).
8. Efeitos da sentença condenatória penal. Processado e julgado o devedor ou falido, o trânsito em julgado da sentença condenatória produz os seguintes efeitos: a) inabilitação para o exercício da empresa; b) inabilitação para o exercício de cargo ou função administrativa ou de direção em sociedades empresárias ou cooperativas; c) impossibilidade de exercer a empresa por mandato ou gestão de negócio.
Qualquer desses efeitos devem ser declarados em sentença, de forma fundamentada e perdurarão por cinco anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes em face de reabilitação penal. A preocupação do legislador em dificultar o retorno do empresário é cristalina.
Não é só. Após o trânsito em julgado, o juiz notificará o Registro Público de Empresas para que sejam tomadas as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos réus que foram declarados inabilitados.
De se citar, outrossim, os seguintes efeitos penais: a) revogação facultativa ou obrigatória da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional anteriormente concedido; b) configuração da reincidência pelo crime posterior; c) aumento do prazo da prescrição da pretensão executória quando caracterizar a reincidência; d) a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados; e) é pressuposto da reincidência; f) são suspensos os direitos políticos do condenado (CF, art. 15, III).
Alguns efeitos secundários extrapenais podem derivar automaticamente da sentença condenatória por crime falimentar: a) a obrigação de indenizar o dano (CP, art. 91, I); e b) o confisco (art. 91, II). Efeitos não automáticos – dependentes de motivação na sentença - são: a) perda do cargo ou função pública; e b) inabilitação para condução de veículos.
9. Prescrição. Não mais se cogita do prazo bienal para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva ou executória dos crimes falimentares. Agora, o prazo é o previsto no CP. Estatui o art. 182 da LFRE que: "A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial".
Os prazos vêm fixados no art. 109 do CP.
Considerando que, pelo novel diploma, a disciplina da contagem dos prazos prescricionais é aquela estabelecida no diploma penal, convém anotar que a data inicial não é exatamente a concernente à data da concessão ou homologação da recuperação ou do decreto de falência, mas sim a data do fato delitivo. Assim, se entre a data do fato e a prolação da sentença concessiva, homologatória ou declaratória, sobrevir a causa extintiva da prescrição da pretensão punitiva, o Estado perde o direito de punir e, conseqüentemente, estará extinta a punibilidade do agente, não se cogitando de ação penal. No entanto, se a data do fato não puder ou não for apurada, o prazo prescricional terá início no dia da publicação de uma das sentenças apontadas. Caso ao devedor beneficiado com a concessão ou homologação de recuperação extrajudicial, por qualquer razão, for decretada sua quebra, teremos duas causas interruptivas, aquela – da sentença concessiva ou homologatória – e esta – sentença declaratória da falência –. Foi rigoroso o legislador, pois tentou reduzir a freqüente impunidade que grassa nos processos de falência.
Importante lembrar que as demais causas interruptivas previstas no art. 117 do CP incidem nos crimes falimentares, conforme Súmula 592 do STF, em especial a data de recebimento da denúncia e a data de publicação da sentença condenatória por crime falimentar.