Recentemente, foi publicada a Lei nº 11.101/2005, que dispõe sobre "a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária". A falência empresarial é um instituto ínsito ao próprio sistema capitalista. Com efeito, ao se embasar na livre-iniciativa, o empresário de capital privado assume um risco de ser bem sucedido ou fracassar no negócio iniciado. Nessa esteira, tanto mais o empresário lucrará - e maiores riscos assumirá - quanto mais inovador e ousado for. Por isso que uma lei de falências é um verdadeiro pilar do capitalismo, fundamental para o desenvolvimento de um país que, como o Brasil, adota esse modelo econômico.
Desde 1993, quando o Executivo decidiu apresentar o Projeto de Lei que resultaria no atual diploma, muita expectativa foi gerada em torno da possibilidade da substituição de uma lei que, sob o ângulo teórico, era despreparada para fazer com que o empresário insolvente se recuperasse e colocasse a empresa de volta à ativa, enquanto que, sob o ponto de vista prático, era um verdadeiro nascedouro de fraudes, falcatruas e ardis de empresários, credores e demais atores da cena falimentar.
A idéia do Decreto-Lei nº 7.661/45, antiga lei de falências, era, em tese, retirar do mercado uma empresa nociva à economia, seja por sua má administração, seja pela inviabilidade de seu negócio. Na prática, a antiga lei era utilizada para a cobrança de dívidas, a satisfação do credor - e, diga-se, nem para isto servia a lei. No entanto, com o advento das décadas posteriores à de 40, o incremento da atividade industrial, a globalização econômica e o aumento populacional - e, de conseguinte, do desemprego, fome e miséria em escala mundial - o Brasil, na contramão dos países estrangeiros, necessitava de uma lei que facilitasse a continuidade da empresa, e não seu desaparecimento.
O correr das décadas escancarou a necessidade de preservação da instituição empresarial. Notava-se que a empresa exercia - como exerce - papel fundamental na sociedade moderna: geração de empregos, criação de divisas, movimentação da economia, exportação de produtos, entre outros itens de suma importância. Uma empresa em funcionamento fomenta ocupação, alimentação, crescimento econômico. Não poderia mais se permitir que o único meio de recuperação empresarial previsto era a concordata - boa para quem tinha estoque e grande passivo quirografário, ruinosa para prestadores de serviço e demais pessoas jurídicas. Urgia, destarte, um novo código que fosse capaz de regulamentar a recuperação empresarial e dar ao empresário meios de salvar a sociedade em estado de insolvência. É este o cenário em que surge a nova lei de recuperação empresarial, a Lei nº 11.101/2005.
A nova lei, sob o ponto de vista abstrato, logrou êxito ao privilegiar a recuperação da empresa em detrimento da satisfação do credor. Antigamente, por exemplo, um credor que possuísse uma duplicata de qualquer valor que não fosse paga no vencimento poderia requerer a falência do comerciante. Esta previsão fazia, na prática, com que o credor fosse a juízo pedir a falência da empresa para receber seu crédito. Hoje em dia, a chamada "falência por impontualidade" pode ser requerida apenas por quem tenha título de crédito de, no mínimo, 40 salários mínimos. É um inegável avanço.
Talvez o mais importante desenvolvimento consubstanciado na nova lei seja a supressão da concordata - instituto retrógrado, comprovadamente ineficaz - e o advento da recuperação - judicial ou extrajudicial - da empresa. Imagine-se, com a nova lei é possível que o empresário proponha a seus credores um plano para recuperação de sua empresa e, após concordância dos credores, peça a homologação judicial do mencionado plano, fazendo com que o Estado intervenha minimamente na recuperação da empresa, o que seria impensável tempos atrás.
Outro exemplo importante, que bem ilustra a mudança de concepção do legislador, é o fato de que atos que, sob a égide da lei anterior, poderiam gerar a falência do comerciante - como a convocação de credores para obter novas condições de pagamento das dívidas -, são na nova lei meios de recuperação judicial, de que o empresário pode lançar mão para recuperar a sociedade.
Um ponto que ainda gera muita polêmica é aquele que toca ao privilégio no recebimento dos créditos do falido. Atualmente, depois dos créditos extraconcursais e numerários provenientes de contratos de câmbio, recebem preferencialmente os credores trabalhistas, desde que o montante seja limitado a 150 salários mínimos. O crédito trabalhista que ultrapassar este limite se torna quirografário e receberá na antepenúltima ordem de preferência. Em segundo lugar, recebem os credores com garantia real - geralmente bancos, que se valem da figura do penhor mercantil. Em terceiro, créditos tributários.
Esta prioridade aos créditos bancários, apesar da controvérsia que gera, deve ser encarada como uma benesse, legítima consonância ao escopo da nova lei: a recuperação da empresa. Com efeito, bancos trabalham com cálculos atuariais - taxas de risco. Se a garantia for maior, o risco é menor e, conseqüentemente, caem os juros. Ademais, maior previsão de recebimento significa novas concessões de crédito e em melhores condições, o que pode propiciar a recuperação da empresa, do empresário, dos empregados que para ela trabalham e, assim, da sociedade como um todo.
Com tantas mudanças e alterações, é difícil prever se a nova lei será aplicada nos casos concretos conforme o objeto que a motivou. Fato é que as mudanças por ela trazidas já há muito eram esperadas. O País clamava por uma nova legislação que trouxesse maior segurança ao empresário e à empresa, pois ambos são as forças motrizes da economia nacional. Não há como se esquecer do fato que uma boa lei de falências gera uma significativa segurança ao investidor estrangeiro, o que de resto é essencial para o desenvolvimento econômico do Brasil. Por todos esses motivos, a boa nova lei de recuperação empresarial é muito bem-vinda.