Recentemente tivemos o julgamento, no Supremo Tribunal Federal brasileiro, de um caso em que a pessoa teve declarada a perda de sua nacionalidade originária, ou seja, deixou de ser considerada “brasileira”.
Ocorre que, esta decisão de 2016 abriu um precedente para o artigo 5º, inciso LI, da Constituição da República de 1988, que diz que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
Neste sentido, o artigo 12, inciso I, da Carta Magna define quem são os brasileiros natos:
“Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;”
Logo, temos a seguinte indagação: Então, o brasileiro nato pode ser extraditado? E a resposta é SIM.
No parágrafo 4º, inciso II, do art. 12, da CF/88, ficou definido que, quem adquirir outra nacionalidade, salvo se nacionalidade originária, pela lei estrangeira; ou por imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis, terá sua nacionalidade perdida.
Podemos usar como exemplo o caso do brasileiro que, vislumbrado pela ideia de experimentar “o sonho americano”, decide residir nos Estados Unidos da América. Lá, conhece sua futura esposa, vindo a firmar matrimônio e, consequentemente, adquirindo o chamado “Green Card[1]”; porém, mesmo que tal documento já lhe autorize a residir e trabalhar no país, o brasileiro opta por se tornar um “cidadão americano”, ou seja, voluntariamente, abre mão da sua nacionalidade originária, para adquirir outra diversa, não originária, bem como não necessária para sua permanência do país. Neste caso, é possível a perda de sua nacionalidade originária, deixando, assim, de ser “brasileiro”.
Neste sentido, o e. Ministro Roberto Barroso, em decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n. 33.864/DF[2], de 2016, diz que:
“A Constituição Federal, ao cuidar da perda da nacionalidade brasileira, estabelece duas hipóteses: (i) o cancelamento judicial da naturalização, em virtude da prática de ato nocivo ao interesse nacional, o que, por óbvio, só alcança brasileiros naturalizados (art. 12, § 4º, I); e (ii) a aquisição de outra nacionalidade, o que alcança, indistintamente, brasileiros natos e naturalizados. Nesta última hipótese - a de aquisição de outra nacionalidade-, não será perdida a nacionalidade brasileira em duas situações que constituem exceção à regra: (i) tratar-se não de aquisição de outra nacionalidade, mas do mero reconhecimento de outra nacionalidade originária, considerada a natureza declaratória deste reconhecimento (art. 12, § 4º, II, a); e (ii) ter sido a outra nacionalidade imposta pelo Estado estrangeiro como condição de permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, II, b).”
Ainda, segundo o Ministro, Relator no presente MS:
"Art. 5 - ...
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
Ela, por livre e espontânea vontade, adquiriu a nacionalidade americana, o que importa na automática renúncia à nacionalidade brasileira, que deve ser decretada, de ofício, pelo Ministro da Justiça.
Dessa forma, a nossa divergência é que eu considero que esta senhora não é brasileira, porque perdeu a nacionalidade brasileira, decretada, válida e legitimamente.”
Já o Ministro Luiz Fux, em voto proferido no MS supra, completou:
“É vedada essa extradição de brasileiro quando de brasileiro se trata, mas a própria Constituição, que veda a extradição de brasileiro, afirma que o brasileiro perde a sua nacionalidade ao adquirir voluntariamente outra nacionalidade. E isso vem sendo repetido em todas as Constituições brasileiras. Ora, quando uma pessoa assume uma outra nacionalidade, ela se submete ao regime jurídico político daquele outro país.”
Percebe-se que o entendimento da Suprema Corte brasileira faz valer a hipótese de perda da nacionalidade, quando adquirida outra, de forma voluntaria, salvo, claro, nas possibilidades presentes no art. 12, § 4º, inciso II, a) e b), da Lei Maior.
No que tange a competência para declarar a perda da nacionalidade, segundo o Decreto n. 3.453, de 09 de maio de 2000, cabe ao Ministro da Justiça analisar tais casos[3]:
“Art. 1o Fica delegada competência ao Ministro de Estado da Justiça, vedada a subdelegação, para declarar a perda e a reaquisição da nacionalidade brasileira nos casos previstos nos arts. 12, § 4o, inciso II, da Constituição, e 22, incisos I e II, e 36 da Lei no 818, de 18 de setembro de 1949.”
De acordo com o secretário nacional de Justiça, Rogério Galloro[4],
“... caso o brasileiro não se encaixe em uma das duas exceções, ao se naturalizar em outro país ele deixa de ser cidadão brasileiro. “O processo não é automático, mas pode ser instaurado pelo Ministério da Justiça no momento em que o órgão é avisado pelas autoridades consulares”.
Assim, analisado o pedido e declarada a perda da nacionalidade e, após a publicação da Portaria no Diário Oficial da União, que reconheceu a perda da nacionalidade brasileira, passa-se para a análise do pedido de extradição.
Sobre a extradição, segundo a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LII, ficou definida uma única exceção para a extradição de estrangeiros, qual seja, quando acusado de cometer crime político ou de opinião:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;”
Quanto à competência, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar os pedidos de extradição, quando solicitados por Estado estrangeiro, conforme art. 102[5], inciso I, “g”, da Carta Magna.
Diante do exposto, considerando que, hipoteticamente, houve um procedimento administrativo onde o Ministro da Justiça declarou a perda de nacionalidade de brasileiro que, voluntariamente, adquiriu outra, salvo quando tratar-se das hipóteses previstas na lei; bem como houve pedido de Estado estrangeiro de extradição deste “cidadão”, agora com status de estrangeiro em solo brasileiro, que não esteja sendo acusado de cometer crime político ou de opinião e, por fim, considerando que houve julgamento por quem compete, constitucionalmente, analisar tal pedido, ou seja, o Supremo Tribunal Federal, podemos afirmar que SIM, o brasileiro nato pode ser extraditado para outro Estado.
[1] “Um portador de Green Card (residente permanente) é alguém que recebeu autorização para viver e trabalhar nos Estados Unidos em caráter permanente. Como prova desse status, a pessoa receber o cartão de residência permanente, comumente chamado de “Green Card”.” (https://br.usembassy.gov/pt/visas-pt/portadores-de-green-card/ em 11/05/2018)
[2]http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=33864&classe=MS&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M (acessado em 11/05/2018)
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3453.htm
[4] http://www.justica.gov.br/news/entenda-as-regras-para-201cex-brasileiros201d (acessado em 11/05/2018)
[5] rt. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
...
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;