A teoria do adimplemento substancial no Direito Civil brasileiro

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STJ costuma considerar a substancialidade no cumprimento de uma obrigação, o adimplemento de algo entre os 66% e os 80%. Mas será que tal verificação se dá com meras contas matemáticas? Não estaria na hora de buscar positivá-la?

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar a Teoria do Adimplemento Substancial, de grande aplicabilidade ao Direito Civil brasileiro, em especial no momento econômico e social do país.

Tal tema será introduzido fazendo-se ligação aos diversos aspectos de Direito atrelados, por meio da conceituação do entendimento acerca do Direito das Obrigações e do Direito dos Contratos, além de ser situada a presente condição do ordenamento jurídico brasileiro.

Através da análise do quadro atual do Direito Civil Brasileiro, buscam-se entender as melhores formas de ser aplicada a Teoria do Adimplemento Substancial, de forma a suprir os anseios das partes diretamente envolvidas e da sociedade.

Por se tratar de teoria advinda do Direito inglês, naturalmente será realizada uma breve introdução ao cenário jurídico de origem, passando então a buscar a melhor adequação ao Direito pátrio.


2 TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Segundo Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil Vol I – Parte Geral , p 3. , 2013), “A realidade em tomo do ser humano pode ser considerada sob três formas: o mundo da natureza, o mundo dos valores e o mundo da cultura. Esses três aspectos dão ordem ao caos que nos rodeia.”

Para o autor, o Direito está introduzido nesses três ramos do conhecimento ao mesmo tempo; porém, mais intrinsicamente no ramo da cultura. E o afirma com base na observação da prática humana de se criarem elementos competentes para valorar e organizar comportamentos da sociedade, prática essa que define em seu mesmo livro, Direito Civil Vol I – Parte Geral (2013), agora na página 4: “A atividade valorativa ou axiológica orientada para realizar a ordem, a segurança e a paz social faz surgir o Direito, posicionado no mundo da cultura.”

Ainda segundo Venosa, porém em 2014, no seu livro Direito Civil Vol II - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, página 1, ainda no início da Introdução, Direito é um ramo das Ciências Sociais; como tal, necessita estar inserido em uma sociedade. E, nessa sociedade, é comum a valoração de grande parte do que puder ser encontrado: “dentro da sociedade (...) o homem atribui valor a tudo que o circunda”.

Continua Venosa: essa escala de valoração advém da necessidade humana de algo, mais ou menos, em cada momento: “a relação jurídica estabelece-se em função da escala de valores do ser humano na sociedade (VENOSA, Direito Civil Vol II....Contratos, p. 2, 2014)”. Buscando o algo do qual necessita, para Sílvio de Salvo Venosa, se constitui a relação jurídica, pois o homem está inserido na sociedade, e busca o que lhe é necessário nessa sociedade.

Impulsionado por essas necessidades, para esse mesmo autor, o homem se vê levado a adquirir bens, ou modificar ou se desfazer deles. E, ao negociar com o outro nesse sentido, surge uma Obrigação. Pois, segundo Venosa, ao apresentar o cenário acima narrado, “eis aí descrita a relação jurídica: o liame que nos une a nosso semelhante, ou a uma pessoa jurídica ou ao Estado”; e continua, definindo mais adiante: “a obrigação, no sentido que ora se examina, consiste numa relação jurídica” (VENOSA, Direito Civil Vol II....Contratos, p. 2, 2014).

No âmbito dos direitos patrimoniais reconhecidos no Direito Civil Brasileiro, essencialmente podem se destacar duas grandes divisões; e, segundo Sílvio de Salvo Venosa (VENOSA, Direito Civil Vol II....Contratos, p. 7, 2014), “direito obrigacional é um direito pessoal, pois sua íncita relação jurídica vincula somente duas (ou mais) pessoas.” E continua, explicando: “Os direitos reais, que têm sua maior expressão no direito de propriedade, incidem diretamente sobre a coisa”

No presente trabalho, temos como enfoque atual o Direito das Obrigações, pela própria natureza do tema em específico.

Álvaro Villaça Azevedo (Teoria Geral das Obrigações e Responsabilidade Civil, p. 13, 2011) conceitua obrigação como sendo relação jurídica e transitória, além de “econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse”.

Ainda para Álvaro Villaça Azevedo (Teoria...Civil, p. 25, 2011) “O Código Civil brasileiro considera, expressamente, três fontes das obrigações: o contrato, o ato unilateral e o ato ilícito.”. Podemos citar, ainda, a Lei como fonte das obrigações, segundo o mesmo livro, em sua página 24.

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil Vol II....Contratos, p. 13, 2014), “pelo que se percebe da definição de obrigação, estrutura-se ela pelo vínculo entre dois sujeitos, para que um deles satisfaça, em proveito do outro, determinada prestação”.


3 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil Vol. III, p.7, 2007), “ao tratarmos do negócio jurídico, vimos que sua noção primária assenta na ideia de um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico conhecido”; ou seja, quando introduzimos os negócios jurídicos, com base na vontade das partes e com observância ao ordenamento jurídico vigente, quando há o acordo e o comprometimento entre as partes, entende-se como existindo o contrato, pois assim completa o autor: “o direito atribui, pois, à vontade este efeito (...),em coincidência, para a constituição do negócio jurídico bilateral (...). Aqui é que se situa a noção estrita de contrato”

Entretanto, para Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro Vol. 3, p.22, 2014), não apenas para regular as obrigações, pura e simplesmente, existe o contrato; também é aplicado a outras esferas do Direito, ou do próprio Direito Civil, como explica: “(...) o contrato não se restringe ao direito das obrigações, estendendo-se a outros ramos do direito privado (o casamento, p. Ex., é considerado um contrato especial, um contrato do direito de família)”. Como um exemplo da força desse tipo de contrato, temos o texto da Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu Artigo 226, quando afirma: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”, e complementa, no parágrafo terceiro desse mesmo Artigo: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Com tal afirmação, a Constituição dá igualdade de tratamento aos conviventes, porém ressalta a necessidade de facilitação da transformação da convivência em um casamento, com o contrato na forma estabelecida em Lei.

Segundo o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil Vol II....Contratos, p. 473, 2014), “a Teoria Geral dos Negócios Jurídicos aplica-se aos contratos que se inserem integralmente nessa categoria.” Ou seja, aplica-se tal Teoria essencialmente aos contratos. Entretanto, cita que há aspectos peculiares específicos dos contratos, e cita ainda situações nas quais o contrato pode existir, ser válido – preenchendo então 2 dos 3 requisitos da Escada Ponteana – e não gerar efeitos, como exemplo: “o contrato pode existir, isto é, possuir aspecto material de um negócio, mas não ter validade por lhe faltar, por exemplo, agente capaz”.

Segundo Flávio Tartuce (Direito Civil Vol. 3, p. 2, 2014), trata-se o contrato de “ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial”. E prossegue, afirmando serem o contratos “todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios”.

Flávio Tartuce destaca, em seu livro Direito Civil Vol. 3 – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie, que os elementos constitutivos dos contratos são, essencialmente, os mesmos que, em regra, compõem os negócios jurídicos, como possível de se observar na página 14, “os elementos constitutivos dos contratos são os mesmos que estão expostos (...) como elementos constitutivos dos negócios jurídicos em geral.” Não afasta, entretanto, as características diretamente atreladas ao objeto dos contratos, como as cláusulas relativas à economicidade do negócio, utilizando-se, nessa mesma página, do exemplo do preço, no caso de contrato de compra e venda, e do aluguel, nos contratos para locação.

A saber, constituem elementos do negócio jurídico, segundo definição de Pontes de Miranda: o Plano da Existência; o Plano da Validade; e o Plano da Eficácia (TARTUCE, 2014).

Com o advento do Código Civil de 2002, deu-se a concretização da importância dos Princípios norteadores no Direito Civil, abrindo mão, em parte, de um caráter mais individualista, e adotando uma postura mais valorizadora da sociedade, segundo Décio Seijii Fujita, em seu artigo intitulado Princípios do Novo Direito Contratual (2014).

Sílvio de Salvo Venosa (2014) apresenta como sendo os princípios fundamentais do Direito dos Contratos, o Princípio da Autonomia da Vontade; da Força Obrigatória dos Contratos; Relatividade dos Contratos; e o o Princípio da Boa Fé nos Contratos.

Podemos citar, ainda, o Princípio da Função Social do Contrato, importante desdobramento do Princípio da Boa Fé nos Contratos, com base no mesmo livro de Venosa, mas agora na página 413.

Inspirado no Direito Francês, com sua visão de que o contrato faz lei entre as partes, o Princípio da Autonomia da Vontade vem perdendo espaço no Direito contemporâneo. Para Sílvio de Salvo Venosa (Direito...Contratos, p. 408, 2014), a movimentação atual é por uma visão não mais com a vontade das partes acima de qualquer consideração: “esse princípio clássico (...) é posto hoje em nova berlinda. Desapareceu o liberalismo que colocou a vontade como o centro de todas as avenças”.

A limitação ao Princípio da Autonomia da Vontade não é movimento presente apenas no Direito Brasileiro. Como exemplo, a previsão do Artigo 405º do Código Civil Português:

ARTIGO 405º (Liberdade contratual) 1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as claúsulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.

Consideramos de destacada importância Princípio da Autonomia da Vontade. Como bem observa Flávio Tartuce (Direito Civil Vol. 3, p. 54, 2014), a liberdade de escolha, de decidir por realizar ou não determinado ato, é do âmago do humano, diretamente atrelado ao que podemos entender como natural da pessoa, e “o próprio elemento propulsor do domínio do ser humano em relação às demais espécies que vivem sobre a Terra”. Podemos citar decisão Terceira Turma do STJ acerca do assunto, reforçando o entendimento sobre a aplicabilidade de tal Princípio:

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RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ANULATÓRIA. CONTRATO. CESSÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. COMPENSAÇÃO. TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. NOTIFICAÇÃO. DEVEDORA. ÔNUS. RECORRIDA. MOTIVO DETERMINANTE. INEXISTÊNCIA. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS. SIMETRIA. AUTONOMIA DA VONTADE. VINCULAÇÃO AO CONTRATO. PREVALÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a verificar se a impossibilidade de compensação de créditos tributários perante a Receita Federal é motivo suficiente para a anulação do contrato de cessão desses créditos firmado entre sociedades empresárias. 3. Na hipótese, o contrato firmado entre as partes previa que a cessão importava na transferência de titularidade para a prática de todos os atos, inclusive para a notificação da Receita Federal. 4. No caso concreto, era possível requerer a restituição dos valores, o que afasta a ocorrência de enriquecimento sem causa. 5. Para que o motivo se torne relevante, é necessário que seja indicado expressamente como razão determinante para a realização do ato, ou na forma de condição, o que não ocorreu no caso em apreço. 6. Se as partes são sociedades empresárias com as mesmas condições de negociação, inexistindo relação de dependência entre elas, os princípios da autonomia da vontade e da vinculação ao contrato são suficientes, a princípio, para disciplinar as relações contratuais. (STJ - REsp: 1645719 RJ 2014/0165253-6, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 21/11/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2017)

Tal decisão reforça entendimento de que, não havendo situação específica a ensejar a relativização do princípio pacta sunt servanda, este deve ser obedecido, como no caso em tela, haja visto o respeito à liberdade de contratação das partes.

Avançando nos Princípios, podemos falar que o Princípio da Força Obrigatória dos Contratos, amplamente conhecido como sendo a conversão em um princípio para a expressão em latim pacta sunt servanda, tem relevante destaque na estrutura contratual, sendo em grande parte responsável pelo caráter coercitivo em caso de inadimplemento.

Sílvio de Salvo Venosa (Direito...Contratos, p. 409, 2014) descreve tal obrigatoriedade como sendo a base do Direito Contratual. Na visão do professor, ”essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos”

Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil Vol. III, p.14, 2007), “com a ressalva de uma amenização ou relatividade de regra (...), o princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada”. Ou seja, tal autor entende que tal força obrigatória é oriunda também da função social do contrato, considerando-se a necessidade da efetivação do contrato no campo da eficácia, para o real desempenho de sua função precípua.

No Direito Civil Brasileiro não há previsão positivada desse princípio, porém podemos entender (TARTUCE, 2014) como a natural consequência de dispositivos como os Artigos 389, 390 e 391, todos do Título IV do referido Código, que tratam do Inadimplemento.

Entretanto, tal princípio encontra posicionamento forte no sentido de sua relativização, como facilmente destacável:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. REVISÃO DE CONTRATO FINDO. POSSIBILIDADE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. OBRA FINALIZADA. ÍNDICE SINDUSCON. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. 1. É possível a revisão judicial dos contratos findos, quer pela novação ou pelo pagamento, de maneira a viabilizar o afastamento de eventuais ilegalidades, as quais não se convalescem. Aplicação, por analogia, da Súmula 286/STJ: "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores."2. No contrato de compra e venda de imóvel com a obra finalizada, não é possível a utilização de índice setorial de reajuste - Sinduscon, pois não há mais influência do preço dos insumos da construção civil. Precedentes.3. Agravo interno desprovido. (STJ - REsp: 1709637 RJ 2017/0047616-8, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Publicação: DJ 01/02/2018)

Na decisão monocrática acima transcrita, do Ministro Antônio Carlos Ferreira, não apenas foi aplicada a relativização do Princípio da Obrigatoriedade dos Contratos, como o foi em um contrato já findo, caracterizando então uma relativização ainda mais emblemática.

Citando Clóvis Beviláqua, acerca de outro princípio, Flávio Tartuce (Direito Civil Vol. 3, p. 115, 2014) apresenta o que nos parece ser uma conceituação muito próxima da ideal, de Princípio da Relatividade dos Contratos:

Os direitos obrigacionaes consistem exclusivamente em prestações, actos positivos ou negativos, pelo que se fixam apenas no acto ou facto a ser excecutado, e somente podem ferir a pessoa que se acha vinculada pela obrigação no momento de seu cumprimento.

Naturalmente há exceções, como o Artigo 436 do Código Civil Brasileiro, in verbis: “O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.”

Ensina o professor Sílvio de Salvo Venosa, (Direito...Contratos, p. 410, 2014) que os efeitos da relatividade dos contratos não se aplicam somente aos contratantes, mas também ao objeto. Ainda exemplifica que, em regra: “o contrato sobre bem que não pertence aos sujeitos não atinge terceiros”.

Logo, o Princípio da Relatividade dos Contratos vem, essencialmente e em regra, impugnar o compartilhamento dos efeitos do contratos sobre terceiros e bens de tericeiros não envolvidos na relação contratual.

Acerca do Princípio da Função Social dos Contratos, Flávio Tartuce (Direito Civil Vol. 3, p. 62, 2014), destaca a literalidade do Artigo 421 do Código CivilBrasileiro, a saber: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”, e a previsão expressa do Artigo 2.035, parágrafo único, também do Código Civil: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.“, dando especial importância ao segundo dispositivo, “sendo certo que é até mais importante que o primeiro”.

Vale ressaltar a preocupação já demonstrada na própria Constituição da Republica Federativa do Brasil, na qual aparece nada menos que por 7 vezes a expressão “função social”. E, não apenas como expressão, a CRFB/88 também destaca a busca por esse objetivo como sendo princípio essencial para a ordem econômica, em seu Artigo 170, III. Vale destacar ainda que, nesse caso, a instituição bancária pretendia manter seu crédito hipotecário para com a incorporação construtora, a despeito da ocorrência de quitação da unidade imobiliária; em consequência, tal cláusula contratual feriria o direito de terceiro, nesse caso, o adquirente do imóvel. Logo, a decisão da referida Turma foi sobejamente acertada, em razão da observância, dentre outros, do Princípio da Função Social dos Contratos.

Entendemos como meio de impor a observância dos bons costumes da sociedade ao trato com o Direito, sendo um comportamento observável inclusive em diferentes países, que praticam uma forma mais refinada de Direito, como podemos observar através de Vera Maria Jacob de Fradara, em seu artigo intitulado A Boa Fé Objetiva, Uma Noção Presente No Conceito Alemão, Brasileiro e Japonês de Contrato (2008), ao mencionar o Direito Japonês, acerca do bem estar social, da boa fé, e da vedação ao abuso de um direito:“Artigo 1º alínea 2: O exercício dos direitos e a execução das obrigações são coisas que devem ser feitas de boa fé e com lealdade.”

Citando o Código Alemão de 1900, a autora ainda nos traz: “§ 242: O devedor tem a obrigação de executar a prestação, tal como o exigem a confiança e a fidelidade levando em consideração os usos de tráfico.”

Como outra faceta do princípio da boa fé, e que atinge diretamente o princípio da autonomia da vontade, limitando o segundo, temos a previsão do Artigo 187 do Código Civil Brasileiro, a saber: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Observando-se o Enunciado 27 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, temos ainda: “Na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.”

Com base no entendimento do Enunciado acima exposto, temos como necessária a utilização da visão de boa fé objetiva também em outros dispositivos, como no Código de Defesa do Consumidor, que traz, em seu Artigo 4º, III, a determinação de se agir “(...) sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

Tal é a importância do princípio da função social, que nos permite discutir a maleabilidade dos contratos.

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Sobre os autores
Luci Mendes de Melo Bonini

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora de Filosofia e Pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Área de interesse: Direitos Humanos e Políticas Públicas.

Nelton Torcani Pellizzoni

advogado, professor pela Universidade de Mogi das Cruzes.

Luiz Agueda Santos

Advogado trabalhista, mestrando em Direito na PUC-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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